Existe um aspecto da cultura que se formou ao redor do RPG Maker que eu passei a apreciar muito mais nos anos recentes. Eu conheci as antigas comunidades como Castelo RPG e RPG Menace no meio da minha pré-adolescência, onde fiquei fascinado por esse universo do desenvolvimento amador de jogos. Porém foi só de uns tempos para cá que eu comecei a refletir com mais profundidade na história, infelizmente pouco conhecida, dessa plataforma.

O RPG Maker surgiu no Japão lá pelos meados dos anos 90 com o objetivo de auxiliar na criação de RPGs baseados em turno aos moldes de Dragon Quest. Seu apelo vinha por conta da abordagem simplificada que a ferramenta dava para o desenvolvimento desses jogos. Com uma lógica de scripting de eventos e uma interface de fácil compreensão, ela permitia criar RPGs sem que o usuário entendesse qualquer linguagem de programação. Então da parte da plataforma em si, o que eu mais admiro é como ela pavimentou um caminho para pessoas saírem de apenas jogadores e se tornarem desenvolvedores/makers. Agora do lado dos makers, o que eu acho de mais fascinante é a quantidade deles que usam o RPG Maker para criar jogos para os quais a ferramenta não foi desenhada.

Citando um exemplo rápido, mês passado eu revisitei Ahriman’s Prophecy. Esse é um jogo de 2004 feito no RPG Maker 2k3 sob a liderança de Amanda Fitch. No futuro ela viria fundar a Amaranth Games – hoje Aveyond Studios – um estúdio independente responsável pela criação da série Aveyond na qual Ahriman’s Prophecy se tornou uma prequela.

O que chama atenção nesse jogo é ele não utilizar o sistema padrão de luta lateral do RPG Maker 2k3 igual o dos Final Fantasy clássicos. A Amanda decidiu seguir por uma linha de RPG de ação que tinha seus exemplos na comunidade de RPG Maker, entretanto não era tão comum. Ainda que não fosse um sistema sofisticado, a equipe de Ahriman’s Prophecy conseguiu implementar um combate em tempo real bem funcional. Você conseguia usar magias e itens em meio as lutas também alternar entre os diferentes personagens do grupo a cada ataque. Além disso, o jogo possui um menu personalizado que faz um uso muito inteligente de imagens e eventos. Dá a impressão que realmente é algo que foi codificado no RPG Maker e me impressiona até hoje sua complexidade.

Ahriman's Prophecy, RPG de ação de 2004 feito no RPG Maker 2k3

Mas não para por aí. Ahriman’s Prophecy é apenas um entre dezenas de outros projetos de RPG Maker que se desviam da proposta original da ferramenta. A popular série de jogos de To the Moon, do Kan Gao, segue por uma linha de jogo de aventura. O mesmo se aplica a Rakuen, da Laura Shigihara. Nos meus tempos de Centro RPG Maker havia Inkey University, uma visual novel criada pelo Uhtred. Sem contar diversos outros projetos, que agora não vou me recordar dos nomes, que iam por uma gameplay de shooter e survival horror.

Esse último é um tópico interessante a se pensar porque o RPG Maker é até hoje lar de muitos – e enfatizo muitos – jogos de terror. Isso vem desde os primórdios da ferramenta. Um dos primeiros jogos de RPG Maker a ganhar certa notoriedade foi Corpse Party. A primeira versão foi desenvolvida em 1996 no RPG Tsukūru Dante 98, focando na resolução de puzzles em vez das tradicionais batalhas de RPG. A partir daí nasceram diversos outros jogos, sobretudo no Japão, que iam pela mesma linha de Corpse Party. Alguns nomes populares nesse nicho são: Ib (2k), Yume Nikki (2k3), Ao Oni (XP) e The Witch’s House (VX).

Além disso, vale mencionar os jogos do Wolf RPG Editor, um “primo” do RPG Maker que não é tão conhecido globalmente. Essa plataforma também abriga ótimos jogos de terror como Misao, Mad Father e The Strange Men Anthology. Esse último é uma série de quatro jogos que já comentei aqui e vale muito a pena conferir.

Notem que só estou falando daqueles que julgo ser mais reconhecidos, pois existe a enorme parte submersa desse iceberg de jogos de terror no RPG Maker. Infelizmente muitos deles não foram concluídos ou acabaram sendo esquecidos. Fear é um exemplo. Ele foi um survival horror, se não me engano do RPG Maker 2k, que se inspirava muito Resident Evil e Silent Hill. Estou quase certo que Fear hoje já sumiu até mesmo do imaginário de quem costumava frequentar os fóruns de RPG Maker da sua época. Precisei ir até os confins da GamingRoom para encontrar um link ativo para baixar o jogo.

Assim a gente chega, enfim, em Vila do Nevoeiro!

Esse foi um ambicioso survival horror brasileiro, também com muita inspiração em Silent Hill, e que infelizmente está relegado ao mesmo esquecimento que os jogos de RPG Maker sofrem. O que é uma enorme pena considerando o relativo hype que ele gerou durante os anos que ficou em desenvolvimento nos fóruns da época. E a razão disso é… bom, uma imagem vale mais do que mil palavras:

Primeiro capítulo de Vila do Nevoeiro, um survival horror feito no RPG Maker XP
Acredito que a primeira reação é sempre: isso foi feito no RPG Maker?!

No meu último texto sobre RPG Maker eu falo da minha experiência com a ferramenta as comunidades que frequentei. Durante a segunda vez que estive na RPG Menace, ali pelos meados dos anos 2000, eu conheci Vila do Nevoeiro. E é preciso um breve contexto antes de falarmos do jogo. Naquele período versões traduzidas do RPG Maker XP, lançado oficialmente em 2004, já circulavam pelas comunidades. Esses primeiros anos foram um período bem importante de experimentação e guardem bem essa palavra. Com o suporte para programação em Ruby e uma maior capacidade gráfica – o que inclui o tamanho dos sprites que eram fixos nas versões anteriores – abriu-se um leque de novas possibilidades para projetos futuros. Foi graças a esse novo cenário que se formou que permitiu que algo como Vila do Nevoeiro conseguisse sair da cabeça do seu maker.

O desenvolvimento começou em 2005, capitaneado pelo Triskal que era um membro ativo das comunidades. Junto com dois amigos, Reginaldo S. (creditado como o roteirista do jogo) e Euler Moyses (que compôs a trilha sonora), o Triskal formou a Estação Virtual. A equipe passou os três próximos anos trabalhando no projeto que veio a se concretizar em algum momento do 2008, ano este que eu já tinha largado o RPG Maker de novo. Mas do tempo que eu frequentei a RPG Menace, acredito que não havia um usuário sequer que não estivesse ansioso por esse jogo.

A história se passa na titular Vila do Nevoeiro, um lugar sombrio para onde Adam se muda com seu filho Charles. O menino sofre com uma estranha doença e seu pai está desesperado para encontrar uma cura. A mesma doença já tinha surgido na vila muitas décadas atrás e por isso que Adam decidiu se mudar para lá. Porém, algum tempo depois deles chegarem no lugar, Charles desaparece. Para piorar a casa é atingida por uma nevasca que impede Adam de ir a sua procura. E é aí que estranhos eventos e criaturas grotescas passam a assombrá-lo.

Cutscene inicial de Vila do Nevoeiro
Não entendeu? Mas é conceitual!

Porém não foi exatamente o enredo que chamou atenção dos membros das comunidades de RPG Maker. O real motivo é mais do que óbvio, né?

Hoje já estamos até que bem acostumados com jogos de RPG Maker que tem uma estética própria. Dá para pinçar vários exemplos ao longo da última década ou mais, como OFF, LISA: The Painful, Grimm’s Hollow e OMORI. Contudo durante esse período dos anos 2005 até 2008 não era algo tão comum de se ver, pelo menos não no Brasil.

Boa parte dos jogos de RPG Maker tinham “a mesma cara” porque todos compartilhavam de recursos que encontravam pelas interwebs. O resultado era uma salada mista de sprites que visivelmente tinham estilos variados. Característica essa que até hoje eu acho maravilhosa, diga-se de passagem. Um dos meus jogos favoritos de RPG Maker, Heart and Soul, tem char, face & tilesets de uns cinco jogos diferentes, o que inclui o próprio RTP. Vila do Nevoeiro, por sua vez, vinha com a proposta de usar modelos 3D pré-renderizados, tal como víamos nos consoles, algo que para muitos era inimaginável. Então o Triskal conseguiu manter uma “uniformidade estética” no seu projeto, como também elevou o nível do que poderia ser alcançado graficamente.

Se tratando da segunda metade dos anos 2000, modelagem 3D não era nenhuma novidade. Falo isso dentro até do cenário de desenvolvimento de jogos brasileiros que, por menor que fosse, existia de fato. Basta pensar que no final de 2004 nós tínhamos o nosso MMORPG nacional, Erinia, que tentava seguir os passos de World of Warcraft. Entretanto estamos falando de RPG Maker, onde esse negócio de gráficos pré-renderizados pareciam coisa de outro mundo. Por isso que eu acredito que, para a maioria das pessoas que conhece a ferramenta, é uma surpresa saber que Vila do Nevoeiro foi feito num RPG Maker. Não é uma plataforma que você julgaria ideal para construir um jogo desse. Só que isso pouco importou para o Triskal, ele pôs na cabeça que iria fazê-lo e surpreendentemente conseguiu!

Infelizmente como eu não estive presente no lançamento, e os grandes fóruns daquele período já se extinguiram, não posso dizer qual foi a reação inicial. Quero acreditar que o pessoal apreciou muito o que o Triskal conseguiu alcançar dentro do RPG Maker XP. Mas, independente de como a reação tenha sido, hoje Vila do Nevoeiro infelizmente só vive na memória de quem o conheceu nos anos 2000. Até me surpreendi de encontrar no YouTube algumas séries de gameplay recentes do jogo. Inclusive há alguns meses um pequeno youtuber chamado Lavanda dedicou um vídeo de 1 hora a Vila do Nevoeiro:

Agradecimentos ao Lavanda por ajudar a manter essa memória viva!

Às vezes eu penso que se Vila do Nevoeiro fosse lançado uns anos mais tarde, ou então contasse com uma versão em inglês, talvez ele tivesse um modesto cult following. Eu sei que esse é um jogo que não teria a menor chance de ser popular igual outros jogos de terror “mais seguros”. Porém eu gostaria que ele recebesse um mínimo de reconhecimento pelo que tentou fazer. Ao mesmo tempo eu também me questiono se não foi melhor assim. Quem acompanha minhas opiniões em redes sociais sabe do desprezo que eu demonstro pelo “gamer médio” que faz um criticismo muito rasteiro sobre jogos. Consigo visualizar perfeitamente essa galera torcendo o nariz para Vila do Nevoeiro, fazendo o manjado e bobo reducionismo de chamá-lo de “jogo datado”.

Isso só olhando para os gráficos, porque sei que quando entrarem na gameplay a coisa só tende a piorar. Porque, assim, eu admiro a ambição de fazer um jogo com gráficos pré-renderizados no RPG Maker, mas não nego que existem alguns reveses nessa escolha. Afinal, o RPG Maker não foi criado para comportar um jogo 3D e, por mais que aparente o oposto, Vila do Nevoeiro ainda é um jogo 2D. Tudo que ele faz é criar a ilusão de estar num ambiente tridimensional pelo estilo dos gráficos, a perspectiva dos mapas, os próprios recursos da ferramenta para fazer sobreposição de imagens e um script para permitir que Adam ande nos oito sentidos possíveis.

Aliás, esse é o principal fator que mostra como o jogo continua limitado ao padrão de blocos do RPG Maker. Todas as interações ocorrem por cima, baixo, direita ou esquerda. Quando você anda na diagonal e tenta pressionar o botão de ataque o personagem automaticamente vira pra um dos lados. Às vezes até para o oposto. Num dos testes que fiz onde eu estava olhando para cima-esquerda e pressionei o botão de ataque ele saiu pela direita. Isso causa muitos problemas de hitbox que não se restringem apenas ao combate. Por vezes fica difícil saber se não dá para interagir com o objeto ou é que você não está na posição certa.

O Monstro-Parafuso, um dos inimigos comuns de Vila do Nevoeiro
Um saco acertar esse negócio

Além disso, Vila do Nevoeiro angaria outros problemas que eram absurdamente comuns em qualquer projeto de RPG Maker. Você tem os erros ortográficos habituais e até certo ponto compreensíveis. Embora o “Seifador” ainda me dói na alma. As colisões também não são perfeitas e se você tentar bastante uma hora consegue andar por onde o personagem não poderia ser capaz. Mas esses são erros inofensivos que podemos perdoar tendo em vista que foi um jogo criado por três pessoas muito jovens que ainda estavam em rota de aprendizado.

Agora existem outros tropeços que são mais complicados porque esses deixam a gameplay um tanto frustrante. Eu até argumentaria que não são problemas per se e sim fruto de uma mente ainda inexperiente com game design. É bem notável em Vila do Nevoeiro que o Triskal tinha um conhecimento muito bom de Silent Hill, jogo que ele está evidentemente emulando. Se o nome já não deixa sugestivo suficiente, existe uma seita religiosa na história de fundo chamada de O Elo.

Mas conhecer um tipo de jogo é bem diferente de desenvolvê-lo. Assim Vila do Nevoeiro acaba tendo alguns acertos, ao mesmo tempo que comete uns erros. Focando primeiro nos aspectos positivos gerais, a atmosfera é um dos pontos altos do jogo transmitindo com eficiência a sensação de estar preso num pesadelo. O design dos monstros também acertam muito nesse sentido. Por fim, a trilha sonora é indiscutivelmente a melhor qualidade do jogo. Em boa parte é porque ele utiliza muitas das grandes composições do Akira Yamaoka pra Silent Hill. Porém as originais, evidentemente inspiradas nas trilhas do Akira, também fazem um ótimo serviço em criar o tom dramático e tenso de cada sequência.

O problema está em algumas decisões que vão incomodando mais conforme você segue no jogo. Um dos monstros recorrentes, e principal jumpscare de Vila do Nevoeiro, é o Procurador que poderia ter sua própria seção de problemas. Ele te ataca geralmente quando você sai ou entra num cômodo, iniciando uma sequência de quick time events. A surpresa inicial gera uns erros, mas isso faz parte do susto. O problema de fato é como às vezes parece que o jogo não capta que você apertou a tecla correta e você leva um gamer over injustamente. Soma-se isso ao fato que às vezes o Procurador aparece depois de você assistir um longa cutscene, um puzzle ou ambos, torna-se irritante ter que passar por tudo de novo.

O Procurador. Um dos inimigos de Vila do Nevoeiro que inicia uma sequência de QTE
Imagens de dor e sofrimento. Em vários sentidos!

Aliás as cutscenes são uma questão à parte. Não há nenhum problema com o fato de serem imagens estáticas e muito menos com a qualidade das mesmas. Dentro dos limites dos recursos para renderização dessas imagens que o Triskal tinha disponível na época, ele fez um bom trabalho. O verdadeiro problema é a condução dessas sequências. Os diálogos são morosos pela forma que eles são cortados em no máximo duas linhas. Com isso as falas levam mais tempo para terminar e por consequência a cena fica mais longa do que deveria.

Por fim, existe um padrão muito chato no jogo em que seu avanço depende de achar as chaves para abrir uma das várias portas da casa de Adam. Não que não existam alguns puzzles criativos, eles pontuam a gameplay aqui e ali. Porém a maior parte do tempo você só está indo ao ponto A para pegar a chave B que vai abrir a porta para o ponto C. O que salva nesse quesito é quando o jogo quebra o gelo com alguma cutscene, mesmo que lenta, para te dar mais informações da trama que te fazem ficar investido na história.

Puzzle das cores  em Vila do Nevoeiro
Alguns puzzles conseguem ser bem sagazes, Identifiquem o erro no raciocínio.

Particularmente também não gostei da decisão de não permitir que o personagem pegue certos itens até o momento em que eles serão necessários. Por exemplo, tem uma luneta que está ao seu alcance desde o capítulo 2. Contudo você só pode pegá-la uns capítulos mais a frente “linearizando” demais a resolução dos puzzles. Mas nesse caso eu assumo que é um nitpicking pessoal e não necessariamente um problema.

O texto ficou um tanto negativo nesses últimos parágrafos, mas garanto que não estou tentando desmotivar ninguém a jogar Vila do Nevoeiro. Pelo contrário! Acontece que eu sei como hoje cobra-se um nível de sofisticação técnica de qualquer coisa. Dessa forma, alguns gamers não se dão o trabalho de tentar entender o contexto e os limites de produção de um determinado jogo.

E como eu já mencionei, Vila do Nevoeiro tem sim suas qualidades. Os visuais grotescos e com requintes de surrealismo criam uma atmosfera opressiva e caótica muito boa. Tal como o Otherworld de Silent Hill, você fica com essa constante sensação de estar preso num pesadelo sem fim. A narrativa também contribui muito nesse quesito, sendo intencionalmente enigmática. Você passa metade do jogando obtendo mais perguntas do que respostas, mesmo com todos os arquivos que você coleta. Muita coisa só começa a fazer sentido mais a frente. Numa cena do primeiro capítulo você vê uma mulher chorando próximo a um corpo numa cama de hospital. É só mais tarde durante uma conversa com uma personagem que o Adam revela que ele perdeu um filho anos atrás. Até mesmo a menção da doença de Charles só vem ao nosso conhecimento lá pela metade de Vila do Nevoeiro.

A omissão de vários detalhes importantes é feita não por causa de um amadorismo, ainda que ele esteja presente na escrita de alguns diálogos. A história é contada de forma desconexa para alimentar a confusão tanto do personagem quanto a nossa. E é uma confusão útil, porque não só aumenta o mistério ao redor da trama como nos impulsiona a seguir em frente para conseguir obter alguma resposta.

Diálogo com Vicente, um personagem de Vila do Nevoeiro
Ainda estou tentando, desgraça!

A jogabilidade também tem seus momentos apesar do combate se limitar a spammar o botão de ataque e rezar para o monstro não andar ou conseguir te contra-atacar. Assim rola um incentivo maior para simplesmente ignorar os inimigos porque desviar da maioria deles não é difícil. Alguns monstros você precisa “exorcizar” que envolve gastar um pouco de mana e evitar ser atacado durante alguns segundos para ter sucesso. É um bom diferencial, porém me pareceu subutilizado.

O jogo também precisava de um balanceamento melhor porque a habilidade de tiro é essencialmente inútil a não ser numa das últimas batalhas com chefões. Nessas horas que eu acho que a combate fica um pouco melhor. O Triskal teve uma boa sacada em fazer dessas batalhas uma espécie de puzzle. Ainda rola os problemas de hitbox e tem alguns ataques que não são lá muito justos porque é difícil desviar com a movimentação dura do personagem. Felizmente isso não é algo tão frustrante quanto a lerdeza das cutscenes que pra mim é o verdadeiro vilão do jogo.

Mas vou ser honesto com vocês, eu não acho que essas qualidades sejam o principal motivo para jogar Vila do Nevoeiro. Para mim isso é algo que vai além de apenas uma jogatina qualquer. Eu comecei esse texto dizendo que havia um aspecto do desenvolvimento de jogos no RPG que aprecio bastante. Também disse umas 1500 palavras atrás que era para vocês guardarem o termo “experimentação”. Bom, é exatamente isso aí!

Buscar jogos de RPG Maker hoje para mim é muito menos sobre entretenimento ou para encontrar algo que me dê uma experiência ótima e otimizada. O que eu procuro é tentar entender o que se passava na cabeça do maker quando ele decidiu produzir aquele jogo. Quais eram suas inspirações? Que conceito ele queria testar? Que história ele queria contar? Por que justamente aquele jogo, daquele jeito, naquela ferramenta?

Encaro o RPG Maker hoje como uma incubadora. É um lugar onde a pessoa vai para se expressar, brincar com mecânicas e ideias, testar tanto os seus limites quanto os limites da ferramenta. Pouco importa se uma palavra está escrita errada, se o diálogo ficou meio galhofa, se a jogabilidade não tem o primor técnico de um jogo de um estúdio bem estabelecido. O que torna essa experiência tão preciosa é a intimidade entre o maker e o seu projeto. É poder ver que ele está fazendo aquilo não porque ele almeja criar um jogo para estar entre os grandes. É perceber que ele está fazendo aquilo porque ele quer, porque ele gosta, porque ele quer experimentar as ideias que cozinham na sua cabeça toda vez que ele está jogando algo. E talvez isso vire o pontapé inicial que ele precisava para seguir uma vida no desenvolvimento de jogos.

Através do Lavanda eu descobri que o Triskal hoje em dia tem um novo projeto: MÁreligião. O perfil anda bem abandonado, mas o último tweet do início de outubro mostra que ele continua desenvolvendo esse novo jogo. Provavelmente o Triskal vai trazer muitas das coisas que ele experimentou na sua época de RPG Maker, mas mais amadurecidas pelo conhecimento que ele adquiriu ao longo dos anos. Vai ser divertido ver sua evolução caso o projeto venha a se concretizar no futuro. Então torço para que ele continue!

MÁreligião, novo jogo do Triskal, um membro das comunidades mais antigas de RPG Maker
Boa sorte, Triskal!

Também torço para que um dia, mesmo contra todas as expectativas, Vila do Nevoeiro consiga um pouco mais do reconhecimento que ele merecia. Há muitas pérolas que são descobertas muitos anos depois do seu lançamento, não custa sonhar que o mesmo pode acontecer esse pequeno survival horror ambicioso de RPG Maker. Mesmo que ele esteja longe de ser um jogo perfeito, ele está ainda mais longe de ser uma experiência que não deixa uma marca. Então se você chegou até aqui, dê-lhe uma chance. Por favor!

> Para baixar Vila do Nevoeiro clique aqui <-

EDIT 14/11/2023: O usuário Luc fez uma versão traduzida em inglês de Vila do Nevoeiro então quem conhecer streamers internacionais que gostem de jogar obscuros, por favor, recomendem!!!


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4 thoughts on “15 anos de Vila do Nevoeiro, um clássico obscuro do RPG Maker”
    1. Opa, agradecido! O blog ainda é novinho, abri ele no início do ano então a palavra ainda não circulou, hahaha.

      Gaming Room direto me salva quando relembro de algum jogo de RPG Maker daquele época. Até adicionei o link de download de vocês lá do Vila do Nevoeiro porque foi o primeiro lugar em que eu pensei procurar. Eu que agradeço por vocês ajudarem a manter esse passado da cultura de desenvolvimento de jogos brasileiros vivo!

  1. Excelente artigo Belmonteiro! O Game Vila do Nevoeiro é mais como clássico cult de terror, mas eu tentei jogar ele e achei travado e há alguns bugs, mas mesmo assim gostei e acho ele um clássico incrível. O Canal do Dr. XGB fez uma live dele, mas o jogo travou… e como o Dr. é programador e desenvolvedor ele entrou no código(eventos do RPG Maker RX) e descobriu o erro e deu uma aula, foi muito legal. Acho que ele apagou a LIVE, mas em nada desmerece do Jogo, pelo contrario ele elogiou o trabalho, pois o jogo foi e é muito importante para a comunidade maker. Novamente gostei muito de como vou criou e confeccionou esse excelente artigo. Eu desenvolvi a pouco tempo no RPG Maker VX Ace um jogo de Point and Click (nunca vi nada parecido, por isso eu desenvolvi rs’); Tive que criar um sistema e claro que não é perfeito e quem jogou gostou, mas como adaptação assim como no Vila do Nevoeiro não é nativo gera muito erro e o dobro de trabalho e consequentemente muita reclamação de gente que nem joga, mas faz parte. Olha que escrevi tudo bem detalhado no tópico e desenvolvi um GDD, mas faz parte. Aliás, sei que seu blog é amplo, mas continua com esse projeto, pois infelizmente a comunidade está muito fraca. Recentemente formei em Game Design (25 horas) e Roteirização em jogos digitais pela escola EBAC – Escola Britânica de Artes criatividade & Tecnologia e fiquei com o 2º melhor roteiro de jogo, mas escrevi na ferramenta Twine sozinho e o 1º e 3º colocado eram uma equipe de 5 pessoas, como só eu decidi fazer um jogo de RPG e no Motor RPG Maker o pessoal se afastou. Mas conclui o projeto e agora pretendo continuar aperfeiçoando e seu blog é um grande incentivo, há diversos jogos épicos do passado das comunidades que estão se perdendo e fico muito feliz com seu trabalho. Recentemente assistindo o Canal do Solon vi esse Game Player do jogo Space Funeral RPG Maker 2003 e achei incrível. Abraço e continua forte com seu trabalho!
    https://www.youtube.com/watch?v=MdNFs9FVSko

    1. Como sempre agradeço os elogios, Bento! E pode deixar que vou manter essa chama do RPG Maker ardendo o quanto eu puder. Assim que eu desafogar todos os textos dos jogos mais clássicos que eu quero manter a memória vou passar por uns mais recentes pra motivar a galera mais nova também. Um dos meus objetivos é fazer o pessoal entender melhor o que é desenvolver no RPG Maker, compreender as limitações e dar um pouco mais de valor a essa ambição e criatividade que tantos makers empregam na plataforma. Anoitei o Space Funeral para eu jogar no futuro também.

      E meus parabéns tanto pela sua graduação quanto no concurso. Segundo lugar trabalhando sozinho é uma conquista e tanto e espero que você persista e evolua bastante na área. Uma hora quem sabe um jogo seu vai acabar por aqui (sério, só me mandar lá no Discord que eu encaixo no meu cronograma quando der). Abraço!

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