Todo mundo tem aqueles desenhos, filmes, jogos e séries que se tornam os símbolos da sua infância. Eu, por exemplo, cresci em meio a vários episódios dos Looney Tunes, Pica-Pau e Tom & Jerry que eu assistia religiosamente no SBT. E já que citei a emissora, é quase uma obrigação mencionar Chaves que é uma série que me acompanha pela infância, adolescência e vida adulta. Eu podia falar também dos desenhos da TV Globinho e alguns da Cartoon Network, mas quero ir para as produções brasileiras agora. Eu tive o que considero ser uma sorte de crescer com excelentes obras nacionais, em sua maioria através da TV Cultura. Foi lá que tive contato com jóias como Cocoricó, Catalendas e, talvez a maior de todas, Castelo Rá-Tim-Bum.
Eu sou de 1993, mas eu conto a minha vida a partir dos meus três anos. Portanto, quando eu conheci a grandiosa criação Cao Hamburguer ela já havia transmitido seu último episódio há um tempo. Mas como ela reprisava constantemente eu, a minha geração, e até mesmo algumas que vieram depois pudemos aproveitar Castelo Rá-Tim-Bum com toda sua magia e glória. De todos os meus amigos, dos mais velhos aos mais novos, não tem um deles que não tenha a assistido. Não precisa nem focar apenas no conteúdo educativo, Castelo Rá-Tim-Bum foi uma das maiores séries infantojuvenis do Brasil. E assim as aventuras de Nino, Pedro, Biba e Zequinha foram partes fundamentais da minha infância.
Eis a minha surpresa no dia que eu descobri que existia um filme!
Não preciso nem dizer que talvez alguns de vocês não tinham menor ideia de que esse filme existia. Eu SEI que alguns de vocês não tinham a menor ideia de que esse filme existia. E isso é uma pena! Porque tenho certeza que muitos adorariam tê-lo assistido naquela época, já que ele data de apenas dois após o final da série. Eu sou um deles. Só conheço o filme porque 22 anos atrás – minha nossa como o tempo voa – ele passou na Tela-Quente. Exatos 22 anos, eu fui conferir a informação. Isso foi numa época em que eu não aguentava ficar acordado até tarde, contudo, felizmente Deus me abençoou com uma mãe que sabia usar o gravador do VHS.
Se minha memória não me falha, eu gostei do filme embora a minha versão criança tenha se incomodado por não ser igual ao original. A reclamação que vários adultos fazendo sobre adaptações hoje é a mesma que eu fazia com nove anos de idade, isso é animador. Tendo agora um distanciamento maior da minha infância, bem como da série original que eu não revejo há um bom tempo, eu decidi rever Castelo Rá-Tim-Bum o filme. E, nossa, como eu fico grato que esse filme exista!
Já tem mais de década que eu fiquei ciente do desdém que uma parcela dos brasileiros – fora da bolha cinéfila, claro – parece ter com o nosso cinema. Isso é alimentando muitas vezes por preconceito bobo, ignorância sobre a nossa cultura ou apenas ignorância bruta mesmo e, acima de tudo, birra ideológica. Esse último então, dá até para visualizar o exato tipo de pessoa que faz “críticas” aos filmes brasileiros. Acredito eu, ou pelo menos quero acreditar, que Castelo Rá-Tim-Bum: O Filme é mais um bom exemplo que poderia ser usado para desmistificar essa crença. Até porque o brasileiro só sabe citar os mesmos três filmes sempre, sendo que um deles, na verdade, uma minissérie reeditada para passar nos cinemas.
Mas deixa eu destacar uma coisa antes. Não estou dizendo que Castelo Rá-Tim-Bum: O Filme é uma obra-prima brasileira, uma maestria de roteiro, cinematografia e atuação. Também não estou dizendo o oposto e considerando-o apenas de um filme bobo que se vale pelo apego emocional a série que conquistou tantas crianças nos anos 90. Tudo que eu quero dizer é que é bom filme! Nada mais do que isso, nada menos do que isso.
Porém existe algo sim que acredito que Castelo Rá-Tim-Bum: O Filme tem de especial. Para mim – e isso vai além do seu apelo (e apego) com quem assistiu a série na sua infância – ele tem um potencial maior que a média de atingir todos os tipos de público. Desde aqueles que querem um entretenimento mais descompromissado até aqueles que se interessam mais profundamente por cinema. Ao contrário do que se pensa, dá sim para agradar todo mundo e Castelo Rá-Tim-Bum: O Filme com certeza desses exemplos!
Certo! Agora podemos falar do filme de fato.
Contando com a mente de Cao Hamburguer na direção novamente, Castelo Rá-Tim-Bum: O Filme traz em sua premissa alguns pontos do original. Mais uma vez temos Nino, um jovem bruxo de 300 anos que vive num castelo no meio da cidade – São Paulo, a gente sabe que aquilo é São Paulo – com seus tios, Dr. Victor e Morgana, todos pertencentes a uma antiga e renomada família de feiticeiros, os Stradivarius. Um tema que ecoa da série é a solidão de Nino, que vive no castelo de sua família tendo contato apenas com os tios.
Porém o filme também adiciona um novo tema em que, além de solitário, Nino precisa lidar com as inseguranças de não ser um bruxo muito competente, pois em 300 anos ele não aprendeu um feitiço sequer. Em meio a essas turbulências, uma parente distante de Nino chega a cidade, Losângela Stradivarius, prima de Morgana, que havia sido banida da família séculos – acho até que foram milênios – por roubar os feitiços de outros bruxos.
A premissa já deixou clara que vamos ter muita coisa de diferente da série e não teria como ser de outro jeito. Ainda que os roteiros de Castelo Rá-Tim-Bum continham pequenas histórias com começo, meio e fim, o foco da série estava nos seus aspectos educativos e culturais. Com o filme é necessário desenvolver uma narrativa maior. Por isso tudo aqui é pensando de forma a fortalecer o roteiro e não em criar um universo extenso para falar de uma centena de assuntos. Portanto não é apenas uma mera adaptação de linguagem, é também definido um “compromisso narrativo” e por isso algumas liberdades criativas foram tomadas.
Alguns rostos conhecidos retornam. Sérgio Mambeti como o Dr. Victor, Rosi Campos de Morgana e Pascoal da Conceição como o um e único Dr. Pompeu Pompílio POMPOSO. Porém a maior parte dos personagens, humanos e não-humanos, fica de fora. Cássio Scapin passa o bastão para o então jovem Diegho Kozievitch interpretar o papel de Nino, tal como o restante do elenco jovem que e substituído por novos personagens como João, Ronaldo e Cacau. Outras adições são Matheus Nachtergaele como Rato, o assistente do nosso indigníssimo do Dr. Abobrinha, e a Marieta Severo que interpreta a já citada vilã, Losângela Stradivarius.
A Ângela Dip até chega a fazer uma rápida aparição como a jornalista Penélope, porém outras figuras como o Bongô, Caipora, Etevaldo, Tíbio & Perônio, Tap & Flap, Adelaide, Pintado e a maravilhosa Celeste não chegam nem a ser citados. Mais uma vez isso é mais que compreensível. O filme tem que pensar no uso dos seus personagens de forma que beneficie a sua narrativa e não pode se dar o luxo de ficar mencionando meia-dúzia de personagens apenas por fanservice.
Isso fica evidente no que de fato o filme resolve incluir. Em dado momento aparecem no quarto do Nino uma versão do Mau e dois personagens novos, Sujo e Feio. Com eles se estabelece que existe um encanamento gigante que interliga todo o castelo, algo que Nino e seus amigos irão utilizar no terceiro ato. Além disso, um dos personagens também desempenha um papel importante no plano para derrotar a vilã.
O roteiro não é nada complexo. É só a história de um garoto querendo fazer amigos e precisando salvar seus tios da bruxa má em busca de vingança. Tudo é bem simples e direto. Mas embora o filme seja “apenas isso” o que faz valer a experiência é a magia na produção dessa obra.
Do elenco novo, o Diegho Kozievitch traz a inocência de um ator infantil que combina com o personagem. Os demais atores mirins também fazem o trabalho esperado dele, contudo tem pouco tempo de tela para você criar uma afeição genuína por eles.
Quem chama atenção de verdade é a Marieta Severo no papel de vilã – que no ano seguinte entregaria outra icônica personagem na voz de Yzma em A Nova Onda do Imperador – quem tem a entonação e a timing cômico para o tipo de personagem que Losângela Stradivarius precisa ser. Ela é ameaçadora quando tem que ser ameaçadora, e o filme tem sim seus aspectos mais sombrios, e ridícula quando precisa ser ridícula.
Assim como o elenco original, a Marieta entende muito bem em que tipo de história está. De modo algum quero diminuir o filme com esse tipo de fala. Detesto aquele cinismo bobo de internet, que fede a insegurança de adulto, com qualquer história que prese por um pouco de fantasia lúdica e precisa se reafirmar com “eu sei que isso é ridículo”. O que eu me refiro aqui é a imensa sinceridade que você nota tanto no texto do filme quanto na atuação do elenco.
Quando o Sérgio Mambeti e a Rosi Campos entregam suas linhas, eles as fazem com seriedade, embarcando de corpo e alma na fantasia desse universo. Não há ironia, não há deboche. A Rosi Campos especialmente, tendo em vista todo o carinho que ela tem pela personagem da Morgana, cujo papel ela já reprisou diversas vezes nos palcos de teatro. A Marieta Severo é outra que embarca 100% nessa aventura e a faceta cômica da sua atuação vem em benefício da personagem. As pausas que a Losângela faz para conferir o livro de feitiço já que ela não se lembra mais deles são maravilhosas e casam direitinho com o roteiro do filme.
A forma que Castelo Rá-Tim-Bum: O Filme dá vida ao seu universo também é outro aspecto que vale se rasgar uma seda. Eu particularmente odeio quando filmes de fantasia optam por uma sobriedade realista que tiram muito da vida daquilo que deveria ser fantástico. E algo que sempre chamou atenção na produção do Castelo Rá-Tim-Bum original era o cenário cheio de cores e todo o seu trabalho criativo com o uso de fantoches, fantasias, maquiagem, efeitos visuais e práticos. O filme cria cenários que tentam não se mostrar tanto como sets de filmagem então as cores não chegam a se destacar tanto quanto na série, porém não foge de trazer tudo aquilo que faz Castelo Rá-Tim-Bum especial.
Mesmo que Pintado e Celeste não estejam presentes, ainda há o uso de fantoches. Em dado momento o Dr. Victor e Morgana são transformados em marionetes, o que rende até um pequeno dueto. Livros falam, paredes tem portas secretas e o Dr. Abobrinha usa mais um dos seus disfarces sem-vergonha que a gente não questiona porque os personagem não percebem que é ele. O filme é praticamente um episódio super produzido da série sem a adição de esquetes.
Por fim eu gostaria de pontuar um detalhe que percebi nessa segunda visita que, por motivos óbvios, me escapou quando criança. Existe um elemento de classe que é trabalhado no roteiro. Na série estávamos tranquilos em interpretar o Nino apenas como um bruxo em busca de amigos. Mas o filme torna mais evidente como ele parece uma criança que vem de uma família de elite com requintes de aristocracia. Ignorando todo o aspecto fantasioso, isso reforça o porquê dele se sentir tão isolado mesmo estando em meio a um grande centro urbano. Até porque seus tios não escondem o fato de serem bruxos, o Dr. Victor enfeitiça seu carro em vez de dirigi-lo e qualquer pessoa na rua poderia ver que não há um motorista.
A magia no filme pode ser interpretada como as dúzias de empregados de uma família rica que se ocupam de todas as tarefas da casa. Até mesmo das mais banais como a servir um chá calmante feito com ervas da Amazônia especialmente colhidas com uma foice de cabo branco. Só a Rosi Campos para falar isso de um jeito que não te faz revirar os olhos ao ouvir. Claro que o filme não usa isso para qualquer crítica, afinal não é esse o tipo de história, mas a alusão está ali.
Enfim, Castelo Rá-Tim-Bum: O Filme é mais uma boa obra do cinema brasileiro que eu acredito ter esse potencial de unir vários públicos. Ele funciona para pessoas que cresceram com a série, para pessoas que conheciam-na de longe e até mesmo para pessoas que nem mesmo ouviram falar dela. É diversão garantida e mais uma demonstração de que talento não é o que falta no nosso mercado.
Infelizmente o filme também é uma demonstração dos problemas que nosso cinema enfrenta que é a distribuição e acesso a obras, principalmente aquelas que já tem algumas décadas de existência. Tentei encontrar Castelo Rá-Tim-Bum: O Filme na MUBI, na Globoplay, na Netflix, até mesmo na Play Store. O resultado foi negativo em todas. Até para comprar uma cópia do filme é complicado a não ser que você queira pagar três dígitos num DVD.
E por “vias alternativas”? Todo blog já em vias de extinção que eu encontrei com links para baixar o filme redirecionavam para o MegaUpload ou FileServe. Vocês podem imaginar o resto. Porém não desanimem. Se vocês conseguem tolerar uma imagem com qualidade um pouco baixa, um passarinho me disse que o Castelo Rá-Tim-Bum: O Filme está numa dessas grandes plataformas de vídeo aí.
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