Bing Bong, amigo imaginário da infância da protagonista de Divertida Mente se sacrificando para que a personagem amadureça
Eu não vou chorar lembrando dessa cena, eu não vou chorar lembrando dessa cena, eu não…

Nesse dia que lanço o texto eu completo 30 anos. É um momento que acho que todo mundo invariavelmente vai refletir e reavaliar a sua própria vida. Não posso afirmar que eu estou vivendo da forma que eu gostaria, mas também não vou dizer que me sinto de alguma forma decepcionado. Há muita coisa que eu queria e ainda quero conquistar na vida. Mas mesmo com os atuais problemas que venho passando, eu tiro orgulho por tudo que eu alcancei. E sonho em alcançar mais ainda.

As incertezas do futuro ainda me assustam, mas acho que isso é um sentimento comum em qualquer etapa da vida. Mas nesse mar de incerteza existe um aspecto que já não me resta mais dúvidas e isso traz um imenso conforto para minha vida: que a minha infância jamais irá retornar, graças a Deus!

Esse é um texto pessoal, mas acho que ele tem uma qualidade universal e toca num ponto que eu acho importante de se discutir. É sobre uma coisa que eu tenho visto ficar mais evidente dessa cultura nerd/geek. Ela se manifesta em pessoas da minha idade, algumas um pouco mais novas e certamente nas mais velhas.

Mas como sempre precisamos de um contexto.

Há um tempo atrás me apresentaram o conceito do pêndulo da nostalgia. Em temos simples, é uma teoria em que o as tendências culturais que vivenciamos na mídia operam num ciclo de mais ou menos 30 anos. Isso ocorre porque os consumidores de outrora passam ser os criadores de agora e a rima foi não-intencional. Existem muitos exemplos, sendo um dos mais citados a nostalgia pelos anos 80 que vimos a partir da década de 2010, tanto na música quando nas séries de TVs & filmes. Em jogos também existem esse ciclo, mas tenho a impressão que ele é bem menor comparada as outras mídias.

Mas eu exemplo que eu gostaria de destacar é o da série de comédia americana: That ’70s Show. Ela passou no finalzinho dos anos 90, lançada em 1998 se não me engano, e foi até a segunda metade dos 2000. That ’70s Show retratava a vida de um grupo de adolescentes em meados da década de 70 entre todas as mudanças culturais e políticas dos Estados Unidos da época. E hoje temos também That ’90s Show, uma continuação da série que foi lançada esse ano e que se passa na década de 90. E algo que pouca gente conhece é que teve uma série spin-off no início dos anos 2000 chamada That ’80s Show. Essa acabou sendo cancelada depois de 13 episódios por não clicar com o público naquele momento.

Essas séries, acho que já dá até pra chamar de franquia, são exemplos perfeitos porque agora representam esse pêndulo da nostalgia em múltiplas camadas. Com That ’90s Show nós não temos apenas a nostalgia associada a década de 90. Vemos também a nostalgia pela própria série original que iniciou 25 anos atrás que, por sua vez, vinha com a nostalgia pela década de 70.

Agora que temos o contexto, vamos falar sobre a nostalgia em si. E não numa luz um tanto positiva. Revendo o vídeo da Lindsey Ellis, Stranger Things, It e o lado invertido da nostalgia – tem legendas em português – que me apresentou esse conceito do pêndulo eu me peguei pensando no que ela comenta sobre a nostalgia restaurativa. Nas palavras dela:

(…) representa um impulso um tanto agressivo, motivando tentativas de recuperar e revitalizar um passado imaginado

Quero chamar atenção para as palavras de recuperar, revitalizar e, principalmente, agressivo. Hoje nós passamos por explosão massiva de produção cultural. Existem muitos fatores e agentes para esse processo, como as plataformas de streaming que precisam disputar consumidores através do seu catálogo e produções originais. Nisso, títulos que já são conhecidos pelo público são bem valiosos. O mesmo vale para estúdios já que nessa cultura de blockbusters que demandam um investimento alto tanto na produção quanto no marketing. Nesse caso, uma propriedade intelectual popular ajuda bastante a minimizar os riscos. Basta ver o que a Disney está fazendo com suas animações clássicas. Tem pelo menos um remake live-action sendo anunciado praticamente todo ano.

Como todo anúncio, tem sempre aqueles que embarcam na ideia e outros que não. E nesse último grupo tem uma parcela que fica um tanto, como podemos dizer, emocionada.

Com tantos remakes, reboots e sequências sendo lançados o tempo todo já ficamos cansados de ouvir a frase estúpida de “estão estragando a minha infância”. Isso porque essas obras que tentam utilizar da nostalgia como uma forma de gerar interesse, por vezes, fazem alterações nas versões que desagradam a parcela desse grupo mencionado. E não é exatamente porque são alterações ruins e sim pelo simples fato de serem alterações. Afinal o que essa galera quer é uma representação fidedigna da versão da infância delas ou algo o mais próximo possível.

Mestres do Universo: Salvando Eternia gerou várias reações irritadas pela mudança de protagonismo nessa versão que é dada a Teela em vez do He-Man
Eu consigo escutar até hoje os choros chamando esse desenho de “lacração”

Qualquer mudança maior aumenta a probabilidade de revolta. Pode ser a mudança da etnia da personagem, que foi o caso dA Pequena Sereia por terem decidido fazer uma Ariel negra. Ou então uma mudança no foco narrativo, como aconteceu Mestres do Universo: Salvando Eternia ao colocarem a Teela como protagonista em vez do He-Man. Claro que tem que levar em consideração que existem vários preconceitos implícitos em algumas dessas reações. Mas eu também acho que tem uma influência do a idealização que algumas coisas fazem com o passado, sobretudo do período da infância.

Ok, mas o que isso tem a ver com o fato de eu ter completado 30 anos e, pelo amor de Deus, o Bing Bong de Divertida Mente?

Pelo tom de alguns textos meus é seguro assumir que eu não me identifico muito com esse pessoal que tem um preciosismo tremendo com a suas memórias da infância. E de fato eu não me identifico. Pelo menos não com essa parte mais reacionária. Não gosto dos atuais remakes porque eu acho uma capitalização barata em cima da nostalgia alheia e não porque estão mudando coisas do original. Até porque grande parte dessas obras “originais” na verdade são adaptações de outras mídias que, adivinhem só, mudam várias coisas da verdadeira versão original.

De qualquer forma, eu ainda consigo entender perfeitamente esse forte apreço que temos por essa época da vida. Até porque, convenhamos, envelhecer é uma merda. Os estresses diários da vida adulta parecem se acumular toda semana junto com as contas. O corpo já não funciona como antes e isso só tende a piorar. Perdemos entes queridos que pra mim é a parte que mais machuca. E, por fim, ficamos um pouco mais chatos e cínicos, embora nesse último caso dá pra remediar não sendo um babaca. Então é compreensível alguém querer escapar momentaneamente para uma época em que as coisas eram mais simples. E assim esse apreço acaba por se estender também aos filmes, séries, desenhos, jogos, livros, entre outras coisas que conhecemos naquele período. Até porque muitas das nossas memórias desse tempo estão associadas a essas obras.

Porém quando a gente fala de nostalgia na internet ela perde um pouco dessa qualidade benéfica de escapismo. Em determinados núcleos – vocês sabem bem quais – ela descamba para uma grande má vontade com tudo que é novo, ou diferente, alimentando uma comunidade tóxica. Aí que a gente acaba nessas reações exageradas de “NÃO MEXAM NA MINHA INFÂNCIA!” quando surge uma nova versão de qualquer, e repito, qualquer coisa. Como se houvesse a menor possibilidade de um filme ou uma série hoje alterar o seu passado.

Acho que seria bom eu vou falar da minha relação com a nostalgia antes de prosseguir. Quando eu olho para trás não é bem das obras que eu sinto falta. É na verdade dos meus amigos quando as memórias estão associadas a alguma obra. Por exemplo, eu conheci meu melhor amigo por causa do primeiro Sonic do Mega Drive. Portanto quando eu penso nesse jogo eu na verdade estou me lembrando de como nossa amizade começou. Isso se aplica também ao Turtles in Time que joguei novamente ano passado. Na hora me veio uma nostalgia não porque ele era um dos poucos jogos que eu tinha no meu Super Nintendo e sim porque era um daqueles que eu joguei muito com esse mesmo amigo. A pequena alegria que eu senti foi de jogar ao lado do meu amigo, não simplesmente do jogo.

Contudo também tem outros títulos que me trazem memórias por outros motivos. Como Brave Fencer Musashi que eu joguei tantas vezes no PlayStation. Ou então Chapolin e Chaves, duas séries que conheci na infância e até hoje eu gosto de rever seus episódios. Aliás, tenho um outro texto pessoal falando de Chaves que conversa com o tema de agora. Só que assim, sempre que eu volto a essas obras eu não sinto como se eu fosse criança de novo e não existe mais aquele deslumbramento que eu tinha com elas no passado. Eu as vejo, e consigo apreciá-las, como um adulto.

E reparem bem na forma que eu escrevi. Pois outra coisa que eu percebo nessa galera emocionada é a vontade de consumir essas obras da mesma forma que eles faziam quando crianças. O que é impossível! Não significa exatamente que você deixa de gostar delas ou gostar mais ainda quando envelhece. É mais porque você é uma pessoa agora bem diferente da criança que você foi.

Então vamos ao Bing Bong!

Vou me dar o direito de pular toda a trama de Divertida Mente porque carece de maiores apresentações e vou pular direto pro momento específico do filme. Bing Bong, como sabemos, era o amigo imaginário de Riley e que tenta ajudar a Felicidade e Tristeza a voltarem para a Sede sob a promessa que elas ajudarão a garota a se lembrar dele. Mas num trágico e irônico destino, ele acaba se sacrificando para que a Alegria consiga escapar do Lixo das Memórias (acho que esse é o nome, não lembro direito porque vi a versão em inglês) e acaba sendo esquecido para sempre. A “morte” desse personagem é um momento bem triste, porém é muito necessário simbolicamente considerando o tema principal do filme.

Apesar da Riley ainda ser criança na história, se não me engano ela tem 11 anos, o sacrifício de Bing Bong é quase um rito de passagem que marca a mudança de uma fase da vida para outra. Isso porque a Riley precisa perder esse aspecto mais lúdico em ordem a ter um amadurecimento emocional que é tão importante para nosso desenvolvimento pessoal.

Então não é que a “morte” do Bing Bong fosse necessária, mas sim que ela simboliza o que acontece conosco ter que encarar situações e problemas mais complexos. Ele nos mostram que a vida não é só brincadeira, diversão, alegria e que nos faz perder o deslumbramento do mundo que tínhamos na infância. Bing Bong exerceu a sua função no período da vida de Riley na qual ele era necessário. Mas para alcançar uma evolução pessoal e ser capaz de compreender a complexidade das suas emoções ela precisa se livrar dessa forma mais lúdica de se encarar a vida.

Contudo, se tratando das coisas que consumimos, a situação não é exatamente a mesma. A gente não precisa deixar as obras que gostávamos no passado. Mais uma vez me usando como exemplo, tô sempre revisitando os filmes da Disney que me acompanharam na infância e alguns deles me impactam até mais agora que eu entendo a arte num nível maior. A minha percepção sobre essas obras mudam conforme eu mudo também, então tecnicamente elas não são mais as mesmas para mim.

E mesmo como adulto eu consigo apreciar coisas que não foram para um público muito mais novo do que eu e que não fazia parte da minha infância. Há uns anos eu finalmente li a série de livros do Percy Jackson e me diverti bastante. Claro que não tanto como teriam divertido se eu fosse mais jovem, mas como adulto eu consegui perceber várias qualidades que como criança passariam despercebidas.

Minha coleção de livros do Percy Jackson que eu só fui ler quando já era adulto
Amadurecer não significa “gostar de coisas de adulto”

Eu acho que é muito mais saudável a gente buscar uma perspectiva mais madura dessas obras, as que compuseram a nossa infância ou não, do que que tentar preservar as memórias da forma exata que você as via. Entendo perfeitamente como as memórias do passado são preciosas, mas elas não podem ser colocadas num pedestal. O passado estava longe de ser algo ideal e o único motivo de você ter uma essa visão mágica dele era porque você ainda era uma criança.

A gente precisa aceitar que esse tempo já passou é não vai voltar. Nada será como antes, inclusive você. E digo isso num sentido existencial e não biológico. Hoje você tem novos valores e perspectivas da vida, completamente diferente das que você tinha como criança. Sejam elas para melhor ou para pior. Esse julgamento de valor nem importa tanto, a questão é que você agora é uma pessoa diferente e sua percepção da realidade é diferente. Então, mesmo se lançassem aquele seu desenho, aquele seu filme ou aquele seu joguinho favorito da infância, exatamente do jeitinho que você recordava, as chances são que sua reação seria muito diferente.

Então se prender a essa visão idealizada de como você acha que foi a sua infância, que de fato teve muitas coisas boas que te ajudaram a ser o que você é hoje, só vai te transformar numa pessoa rabugenta e imatura que ninguém, na internet e fora dela, suporta mais. A sua infância não vai voltar, mas respira que está tudo bem. Tem muita coisa para experimentar na vida ainda. Você não precisa mais do Bing Bong para te levar pra lua, você pode achar o caminho por si só agora.

(acho que ficou muito evidente que esse último parágrafo sou eu falando pra mim mesmo, mas espero que a mensagem também seja útil para mais alguém)


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