A Máscara do Zorro é um dos meus filmes favoritos da vida. Assisti na adolescência um tempinho antes de sair a sequência – que não é um dos meus filmes favoritos da vida – e desde então o filme segue como uma preferência cinematográfica pessoal minha. As razões são várias. Vai desde as excelentes atuações do Antonio Bandeiras e do Anthony Hopkins, ambos na pele do intrépido Zorro, até os demais aspectos da cinematografia. Mas isso é só conversa para distrair cinéfilo, pois o verdadeiro motivo é bem mais simples: eu amo cenas de luta com espadas!
Isso também se estende aos vídeo games porque eu tenho uma tendência a escolher qualquer personagem cujo um dos traços de personalidade é carregar uma espada. O mesmo vale para as escolhas de classe, eu sempre vou com o guerreiro ou qualquer outra que possa utilizar uma espada de duas mãos. O fato de eu ter mais preferência hoje pelos RPGs de ação se alinha a isso também.
Por conta disso, semanas atrás quando meu amigo Raxyz, que recentemente tem se aventurado pelo YouTube, compartilhou o trailer de En Garde! eu sabia que tinha encontrado um jogo feito para mim.
Pois bem, como eu estou nessa empreitada de tentar falar de jogos mais recentes de vez em quando aqui no blog, En Garde! veio em boa hora. Feito pelo pequeno estúdio Fireplace Games, o jogo conta as aventuras de Adalia de Volador, uma audaz espadachim que desafia a tirania do Conde-Duque, governante de uma exuberante cidade espanhola, com muita bravura e senso de humor.
En Garde! me chamou atenção logo de cara pelos visuais, afinal eu adoro esse estilo mais cartunizado em oposição as texturas hiperrealistas em alta definição sem personalidade dos jogos AAA. Mais do que isso foi quando eu vi os detalhes do combate do jogo que obviamente utiliza muito da esgrima. Porém há um detalhe específico que são os digamos “truques” que a Adalia pode fazer para derrotar seus inimigos que, combinado com a estética do jogo, trazem muito do espírito de um gênero de ação que já foi muito popular no cinema hollywoodiano: o swashbuckler.
RESGATANDO O BOM E VELHO “CAPA E ESPADA”
O swashbuckler, geralmente traduzido como “capa e espada”, é um gênero de ficção literária que surgiu ao final do século XVIII com a ascensão do Romantismo. Portanto suas histórias envolviam narrativas carregadas de aventura, geralmente misturando-se com eventos e figuras históricas, romance e personagens cavalheirescos com um senso de moral e justiça bem definido que realizam feitos heroicos. Outras características que marcam os protagonistas de um swashbuckler são as habilidades com esgrima, as acrobacias, a bravura e, claro, as roupas extravagantes.
O gênero foi muito proeminente na história do cinema hollywoodiano. Começou lá na época dos filmes mudos, onde se destacou o ator Douglas Fairbanks, e foi ainda mais forte na “era de ouro de Hollywood” onde o Errol Flynn se tornou a cara do swashbuckler nas grandes telas. Com o passar dos anos, as produções do “capa e espada” foram se reduzindo, porém sem nunca morrerem de fato. Dos anos 2000 para cá tivemos muitos filmes que trouxeram essas clássicas aventuras de volta ao cinema como a franquia de Piratas do Caribe, as novas produções de Os Três Mosqueteiros e mais recente ainda a fantástica animação de Gato de Botas: O Último Pedido.
En Garde! resgata todos esses elementos mais clássicos do swashbuckler e os enfatiza em cada aspecto da sua gameplay. Nesse tópico eu vou focar nos pontos estéticos e narrativos, a jogabilidade vou reservar para o seguinte.
O jogo se divide em quatro fases que configuram episódios. Cada um narra uma aventura diferente da protagonista Adalia de Volador enfrentando o Conde-Duque e seu homens. Adalia é construída como uma perfeita heroína de swashbuckler – que infelizmente houveram poucas – mostrando uma língua tão afiada quanto a sua espada. Existe uma clara ênfase no humor, mas isso é característica do gênero também. Os heróis das histórias de “capa e espada” com frequência usavam de um humor mordaz para ridicularizar os vilões autoritários dessas histórias. Quando se trata de swashbuckler, a zombaria também é uma arma tão importante quanto a espada.
Outro aspecto de En Garde! é que a moralidade é bem preto e branco tal como se via nos filmes da época. Adalia é representada como a heroína defensora do povo e da justiça enquanto o tirânico Conde-Duque é, bom, um tirano! Essa simplicidade não é um defeito, ela é intencionalmente feita para representar com mais fidelidade o espírito dos velhos swashbucklers. Você não precisa de mais motivações ou qualquer profundidade para estes personagens. E tudo sobre o heroísmo, os valores bem explícitos do que é o bem e o que é mal e muita, muita extravagância.
Esse é outro elemento que o jogo acerta bastante, com o uso de cores vibrantes e roupas chamativas que seguem moda dos filmes mais clássicos dos anos 40 e 50. En Garde! vai por uma estética mais cartunizada que serve a personalidade do jogo, mas também vê-se que é um questão de recursos mais limitados. Isso porque o jogo foge de criar cutscenes, se reservando apenas imagens com uma movimentação simples de câmera enquanto há uma narração por cima. E nas fases, enquanto os personagens estão falando, você nota que os modelos não mexem a boca. O jogo consegue disfarçar isso com uma gesticulação bem exagerada dos personagens que esconde as suas bocas e, novamente, combina com o estilo do swashbuckler.
Portanto, sendo fruto de um pequeno estúdio, é compreensível que não se puderam se dar ao luxo de fazer uma animação mais sofisticada em alguns momentos. E para ser honesto, a equipe conseguiu trabalhar bem dentro dessas limitações. Mais ainda quando entramos no combate que é o que vende o jogo.
TUDO PODE SER UMA ARMA
Acho que é seguro assumir que todos aqui já viram pelo menos um filme do Jackie Chan. Caso não tenham, por favor, vão corrigir esse desvio de caráter imediatamente! Eu aguardo.
Pois bem, eu citei o Jackie Chan pois uma das características mais marcantes das coreografias que ele protagoniza é como o cenário também é, de certa forma, um personagem da cena. Cada objeto tem potencial de ser incorporado a qualquer momento na luta. A melhor parte dessas sequências é ver como o Jackie Chan vai utilizar do ambiente para derrotar as dúzias de capangas que vem pra cima dele. Só assistam essa sequência de Arrebentando em Nova York para saber do que eu estou falando.
E isso, obviamente numa escala bem menor, era uma característica dos filmes de swashbuckler também. Para enfatizar a bravura e habilidade dos protagonistas, os filmes frequentemente os colocavam em situações nas quais eles enfrentavam múltiplos adversários de uma vez. Por conta disso, por vezes eles utilizavam algum objeto como uma cadeira ou uma mesa para incapacitar seus inimigos. En Garde! não só incorpora esse aspecto como o torna um elemento fundamental do seu combate.
Durante as lutas, Adalia precisa quebrar a defesa dos adversários atacando, desviando e aparando golpes até que a stamina deles se esgote e ela consiga acertar um dos seus pontos vitais. A maioria dos inimigos tem dois, exceto os chefões que contam com quatro. Quando é um duelo isso é até que muito fácil de se lidar, porém, como podem imaginar, o jogo está sempre te colocando para enfrentar múltiplos inimigos de uma vez. E é aí que as coisas ficam divertidas!
Para superar a desvantagem numérica, Adalia precisa ser criativa. Portanto o jogador pode explorar o ambiente a sua volta utilizado de objetos que lhe ofereçam uma ajuda contra esses adversários.
Então você pode chutar caixas para derrubar ou atordoar os soldados. Dá para jogar um jarro ou uma viola neles para quebrar sua defesa por uns segundos e deixá-los vulneráveis a um ataque crítico. Dependendo de onde você está no mapa, pode empurrar algum adversário com um chute numa prateleira de armas e da beirada de uma plataforma ou do alto de uma escada. Também tem a possibilidade de jogar um balde na cabeça deles para incapacitá-los por um bom tempo… e aí chutá-los escada abaixo. São várias possibilidades. Há canhões para se disparar, caldeirões que podem ser explodidos e cair cartunescamente num dos adversários, derrubar candelabros, fazer os soldados escorregarem em óleo.
O jogo nem tem muitos tipos diferentes de inimigos. Se não estou enganado, ao todo são seis. Adalia também não conta com um vasto reportório de ataques. Além do combo comum, você tem mais três habilidades especiais que liberam com o tempo: uma finta poderosa, um ataque circular e um chute que quebra qualquer defesa. Mas como você tem acesso a tantas formas de incapacitar seus adversários, você não sente que o combate se torna repetitivo. É uma maravilha ficar se adaptando a todo momento, caçando algum objeto próximo para se usar ao seu favor. Esse foi um dos poucos jogos em que ver que tinha uma segunda onda de inimigos para eu enfrentar me traziam uma alegria porque significava mais oportunidades de brincar com o cenário para derrotá-los.
Percebe-se que os desenvolvedores botaram todas as suas fichas no combate a característica principal para atrair os jogadores e assim ele é o grande foco de toda gameplay. Mais até do que os visuais e a história. E de fato essa característica me agradou muito. Entretanto, como alguém que curte bastante jogos de ação-aventura, eu gostaria que tivessem dado um pouco mais de atenção para outros elementos que também são importantes para esse tipo de jogabilidade.
AS MUI RÁPIDAS AVENTURAS DE ADALIA DE VOLADOR
Se não ficou óbvio no primeiro tópico, En Garde! é um jogo curto. Acho importante destacar isso porque prevejo algumas reações. Como eu disse, são apenas quatro fases mesmo que variam de 30 minutos até 60 minutos dependendo do seu ritmo e habilidade.
A estrutura da fase é bem linear no sentido que você só precisa se mover do ponto A ao ponto B. Há um pouco de exploração a se fazer, porém ela opcional. Você só precisa se desviar da sua rota se quiser encontrar entradas secretas que levam a um ponto de interesse para completar o jogo 100%. Fora o conteúdo da campanha o que você tem a mais é o modo arena. Com isso você não deve por mais do que 6-8 horas nas aventuras de Adalia de Volador.
O jogo enfatiza muito os momentos de combate e entre eles apenas ocorre umas sequências de plataforma 3D bem simples. Adala escala algumas paredes, se balança por cordas e hastes, umas poucas ocasiões você salta sobre jaulas suspensas e até usa explosivos para abrir passagens. Não há nenhum grande puzzle que você precisará resolver e nenhum desafio acrobático tal como um Prince of Persia. É tudo muito direto ao ponto sem necessidade de muita habilidade para essa parte.
Pode-se argumentar que esse foi um jeito de fazer a gameplay não perder o ritmo, de qualquer forma é notório como jogo não tem qualquer outro obstáculo significativo além do combate. Portanto, se você está vindo para esse jogo pensando que será entretido por horas, vai se decepcionar. Nem a história nem o level design são muito complexos, a ênfase está todo na estética swashbuckler e no combate mesmo.
Então eu recomendo não ir tão afoito para cima desse jogo. Dá para esperar uma promoção caso você não queira desprender 60 reais nele ou então ver se mais episódios sairão numa DLC. Eu ainda achei muito divertido para o seu tamanho. Mas também é porque eu sou fascinado por esse tipo aventura bem-humorada e assim o jogo me recompensou de outras formas. Portanto, recomendo levar esse último ponto em consideração para depois não achar que o jogo deveria ter te entregado mais.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Pois bem, para quem sente saudades dos filmes de swashbuckler, En Garde! é uma escolha segura. Adalia de Volador traz todo o espírito das aventuras dessas narrativas e acho que a Fireplace Games fez um bom trabalho em evocar os conceitos desse antigo gênero. Também para entusiastas de jogos de ação-aventura, não tenho dúvidas que o combate será bem atrativo. Porém não espere muito além disso.
Como alguém que adora um bom puzzle ou um bom jogo de plataforma, eu senti falta de En Garde! ao menos tentar de alguma forma combinar esses dois mundos com mais empenho. Ainda assim, utilizar o cenário no combate conseguiu me trazer a experiência caótica daquelas sequências dos filmes da década de 40 e 50 que o protagonista triunfava em meio a dúzias de adversários.
Torço para que as aventuras de Adalia de Volador não parem por aqui e no futuro tenhamos uma sequência ainda mais audaciosa ou até mesmo uma expansão com mais alguns episódios. Enfim, foi um jogo que satisfez boa parte das minhas expectativas e me deixou ansioso por mais. Ah, e também espero que corrijam o maior pecado desse jogo: não ter dublagem em espanhol!
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