No sábado, migrei para cá o meu texto do Medium sobre o Rotten Tomatoes. Lá eu falo sobre essa confusão que vejo se repetir com absurda frequência, na internet, a respeito da “nota do Rotten Tomatoes”. Ainda hoje você encontra muita gente achando um site de críticas e não um agregador de reviews/resenhas. Contudo o que me motivou republicar o texto aqui foi um caso mais recente de uns comentários que eu fisguei na última semana com o lançamento de Adão Negro, último filme do DCEU – que ainda existe, pelo visto – protagonizado pelo Sr. The Rock.

Taxa do Rotten Tomatoes para o filme de Adão Negro
Screenshot tirada no domingo e eu fiquei com preguiça de tirar uma nova

Os comentários nos quais eu me esbarrei faziam menção ao fato de como a recepção por parte da audiência está sendo muito mais positiva que a dos críticos. E, evidentemente, isso era mais uma “prova” que não se deveria acreditar nessa figura abstrata conhecida como Crítica™. Ou apenas “a crítica”, mas eu gosto de usar o ™.

A forma que vejo algumas pessoas falando da Crítica™ faz parecer que ela é uma entidade cósmica que permeia o universo do cinema. Tratam-na como se uma massa homogênea cujo único objetivo é determinar o que deve ser considerado Bom™ e Ruim™ para nós, os meros mortais. De forma alguma ela é um conjunto de diferentes profissionais, cada um com as suas individualidades, visões, experiências e opiniões próprias. É a galaticamente temida, globalmente xingada, universalmente repudiada, Crítica™. Inimiga número um do entretenimento!!!

Pode até parecer que eu estou exagerando, mas não é difícil encontrar alguém na internet tratando críticos com tanta infâmia. E eu só consigo supor que essas pessoas em específico não entendem muito bem qual é o papel do crítico. Subestimo-as mais ainda e diria que elas não entendem nem mesmo o que é uma crítica. Por isso que para mim é risível ver gente falando na Crítica™ como se ela fosse um único órgão regulador que bate o martelo sobre o que deveríamos estar consumindo ou não.

Mas não sou eu que vou falar para vocês qual é o papel/função de um crítico. Quem vai falar é o PH Santos, que tem uma experiência de mais de dez anos produzindo críticas de cinema na internet e pode expressar isso muito melhor do que eu:

É particularmente irritante ver a Crítica™ sendo tratada no absoluto porque isso é um discurso que não tem base. Basta você se dar o trabalho de apenas olhar os números, nem precisa olhar as resenhas de fato. Vamos lá então, usando o Adão Negro aí de exemplo que já vi uma galerinha dizendo que a Crítica™ não gostou:

Quando comecei a rascunhar esse texto – sábado, 20:10, horário de Brasília – o filme se encontrava com uma taxa de 41% de CRÍTICAS POSITIVAS. Isso dentre 208 resenhas que os curadores do Rotten Tomatoes analisaram. Hoje de manhã – segunda-feira, 08:30, horário de Brasília – em que decidi dar uma pequena revisada, o filme já caiu mais dois pontos percentuais. Ao passo que a quantidade de resenhas subiu para 217. A continha simples: 217 vezes 39 dividido por 100 que é igual a aproximadamente 85 críticas. Ou seja, dentro da Crítica™ – na verdade dentro das resenhas consideradas pela equipe de curadoria, mas vocês me entenderam – tem ao menos 85 pessoas que analisaram o filme positivamente.

O filme não é 39% bom, a média do filme não é 3,9, nada disso. 39%, mais de um terço, dos críticos fizeram uma resenha positiva sobre ele. Ponto!

A ideia que a Crítica™ é uma massa homogênea já não cabe aqui. Nunca coube e nunca caberá. O Roger Ebert e seu amigo Gene Siskel eram dois renomados críticos de cinema que ajudaram a popularizar o formato da crítica na televisão. E eles constantemente divergiam do que achavam de uma mesmo filme no programa. Porque, pasmem, críticos discordam entre si a todo momento. Doideira, né? Parece que até que a Crítica™ é formada por seres humanos com opiniões próprias!

Roger Ebert e seu amigo Gene Siskel, duas figuras muito importantes para a crítica de cinema americana
Imagina dois críticos com visões diferentes sobre coisas? I-M-P-O-S-S-Í-V-E-L!

Mas aí rola um outro discurso que é o de dizer que esses críticos que deram notas negativas para os filmes são aquelas pessoas metidas a intelectuais, que são contra a Diversão™ e só gostam de Cinema Arte™. Pois bem, para confirmar isso nós teríamos que pegar os 130 críticos que restaram dessa conta, fazer um pente fino nas suas críticas e identificar o padrão de notas de cada um deles para confirmar que eles só dão nota altas para os filmes que se encontram no grupo do Cinema Arte™ e não da Diversão™ . Coisa que eu duvido que qualquer faria mesmo que tivesse paciência para isso. Afinal, para que levantar dados quando você pode simplesmente fazer generalizações sem fundamento na internet, né?

Eu duvido até que as pessoas que estão dizendo para ignorar a Crítica™ sequer abriu uma resenha para ler os argumentos do crítico. Exatamente porque essas pessoas sempre falam no coletivo abstrato e quase nunca apontam críticos e/ou argumentos específicos. Aí cria-se essa imagem que críticos não gostam de um cinema mais voltado para o entretenimento, algo que cairia por terra se a gente analisasse cada indivíduo separadamente.

Aproveitando que eu citei o Ebert e o Siskel, aqui tem um vídeo deles recomendando o filme do Beavis e Butt-head, uma obra que eu tenho certeza que a maioria das pessoas não acharia que críticos de tanto renome iriam gostar. No texto do Rotten Tomatoes eu cito outro exemplo do Ebert que fez uma crítica bem positiva sobre o filme Arrebentando em Nova York do Jackie Chan.

Mas talvez o que mais me incomoda nessa história toda é que pra mim é notória a incoerência do discurso. Repetem mil vezes que é pra ignorar a Crítica™, mas eles mesmos foram conferir quanto estava a porcentagem no Rotten Tomatoes. Dizem que é para tirar suas próprias conclusões, mas ficam irritados com as pessoas que tiraram as próprias conclusões que acabam divergindo das deles. É aquilo, você pode ter a sua opinião contanto que ela seja igual a minha!

Eu vejo isso o tempo todo na comunidade gamer onde a rixa entre os jogadores e a Crítica™ é ainda mais forte do que no cinema, porém com o nome de Mídia™. Pessoas que dizem que notas não importam são as primeiras a reclamarem que a versão do jogo no console favorito delas ficou menor que no console da outra empresa. Ou então quando o exclusivo deles recebe um 10/10, só falta emoldurar o score do Metacritic e fazer uma passeata para mostrar a todos como o jogo foi tão bem recepcionado. Notas não importam… até que elas importam!

Não chego ao ponto de dizer que essa galera tem um medo genuíno da Crítica™, mas pra mim fica cada vez mais óbvio que existe no mínimo insegurança por trás dessa história de não ligar para as críticas e recomendar que os demais façam o mesmo. Por mais que elas afirmem que as notas não importem que você deveria chegar as suas próprias conclusões, elas correm para conferir qual é a porcentagem do Rotten Tomatoes, inconscientemente desejando um pouquinho de validação desse bicho-papão que elas mesmas criaram para si!

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