O gamer, como sempre, sendo fresco com qualquer jogabilidade mais antiga pois só consegue consumir o que é mais "moderno"
Meme bilíngue, foda-se!

Final Fantasy XVI lançou há um tempinho e está dando o que falar. Seja para o bem ou seja para o mal. E obviamente se está aparecendo aqui no BO da Semana – que NÃO é semanal – é no segundo caso.

Cinco dias atrás um tweet apareceu no meu feed. Nele, o autor fala que precisamos acabar com esse mito que “RPG com batalha de turno é para pessoas mais inteligentes”. Mas não só isso, ele fala também que antigamente era dessa forma devido a *sigh* limitação tecnológica. Não fui muito a fundo no que motivou exatamente esse comentário, contudo no contexto atual dá para fazer um chute. Provavelmente está relacionado aos discursos em torno de Final Fantasy XVI.

Pois bem, acredito que não preciso dizer que esse tweet está errado e mostra um pouco desconhecimento com a história do gênero. O que é um tanto estranho já que autor se diz um apreciador de JRPGs. Mas mesmo assim eu vou dizer: o tweet está errado!

E sim, é uma treta irrelevante. Porém eu não acho que informação errada – seja por má-fé ou ignorância – é algo que devemos simplesmente ignorar. Não se quisermos elevar o nível do debate nos nossos círculos sociais. Fora que também eu gosto de reclamar dos outros!

Não vou desmistificar a história de que RPG por turnos é para pessoas inteligentes porque para isso seria necessário que o mito existisse em primeiro lugar. Não descarto que alguém, em algum lugar, algum dia proferiu essa palavras. Porém tenho certeza que foi meia dúzia de gatos pingados em algum grupo ou bolha qualquer da internet. Pois sei que esse não é um pensamento predominante, pelo menos nunca me deparei com ele seja diretamente ou no formato de prints. Além disso eu diria que as chances são que o oposto desse comentário que seja real. Porque desde que eu entrei no Twitter o que eu encontrei foi com gente menosprezando RPGs que ainda seguem um combate baseado por turnos. No máximo vi alguém falando que gosta dessa gameplay. Já essa fic que ela é para pessoas mais inteligentes me parece mais ironia boba de adolescente na net.

Contudo o lance da limitação tecnológica é pura balela mesmo!

Como tudo que envolve a produção de um jogo, escolhas de game design são feitas com algum propósito em mente. Óbvio que na história dos vídeo games sempre houve algum tipo de limite. Pode ser que a tecnologia não permitisse algo mais ambicioso, sem contar as questões orçamentárias. Mas achar que se fazia RPGs por turnos porque era o que dava para fazer antigamente é algo risível. Foi sempre uma escolha intencional. O conceito desse tipo de combate deriva diretamente dos RPGs de mesa que por sua vez tem raízes nos jogos de estratégia baseados em turnos. Jogos como Wizardy, Ultima, Dragon Quest e Final Fantasy apenas traduziram esse tipo de sistema para a mídia dos vídeo games. Cada um de seu modo.

Nunca, e eu repito nunca, existiu esse lance que os RPGs precisavam ser por turnos porque era o que a tecnologia da época permitia. E já adianto que os RPGs que incorporavam mais elementos de ação na sua gameplay não são o equivalente “moderno” desses outros jogos. RPGs de ação existem desde os anos 80! É só gastar cinco minutinhos fazendo uma busca aí. Só do Japão podemos citar alguns nomes como Dragon Slayer, a minha adorável franquia de Ys, XZR, entre outros.

Diabos, já que tudo isso começou por causa de Final Fantasy podemos usá-la de exemplo também. No início da década de 90 a Square lançou um spin-off para Game Boy chamado Final Fantasy Adventure, combinando os elementos de RPG com ação e aventura. O jogo só não virou uma série de RPGs de ação de Final Fantasy porque acabou se tornando sua própria franquia: Mana. Nos anos seguintes a franquia ajudaria a popularizar esse tipo de gameplay no Super Nintendo com Secret of Mana e Seiken Densetsu 3 (hoje conhecido como Trials of Mana).

Então beleza! Felizmente a história dos vídeos games está aí para nos mostrar que esse pensamento de limitação tecnológica é falso. Mas vamos pensar, porque esse tipo de pensamento existe? Ora, porque o gamer tem alergia a qualquer coisa que é remotamente percebida como velha.

Essa minha conclusão vai fazer sentido, mas pra isso eu vou ter que fazer um desvio rápido para o survival horror e depois retornamos aos RPGs.

Isso não é algo de agora, porém tem martelado na minha cabeça com mais força desde que eu vi gente pedindo por mais um remake de Resident Evil 1. Sabe, aquele jogo que tem possivelmente um dos melhores remakes já feitos? A justificativa dada era para que o jogo se alinhasse com a mesma jogabilidade dos últimos remakes que saíram dos Resident Evil 2, 3 & 4. Ou seja, um shooter em terceira pessoa com aquela visão sobre o ombro que possivelmente é o que o gamer médio enxerga como o de mais “moderno” em termos de gameplay. Ainda que seja um modelo prevalente desde meados dos anos 2000. Esse agora é o jeito “certo” de fazer esses tipos de shooters. Não aquele jeito “antiquado” de Resident Evil clássico que o remake de 2002 utiliza.

Esse é o mesmo tipo de pensamento que, em certo, aquele tweet replica talvez inconscientemente. Eu queria dar o benefício da dúvida e interpretar como uma defesa a estilos diferentes de jogabilidade. Porque, obviamente, RPG de turnos e RPG de ação vão conversar com públicos distintos e nenhum é melhor ou pior que o outro. Jogue aquilo que mais combine com sua personalidade e tente ser feliz.

Mas não foi bem isso que o tweet fez ao escolher as palavras “limitação tecnológica”. Invariavelmente isso está colocando os RPGs de turno num patamar mais baixo. Daria até para dizer que isso cria uma implicação que os RPGs de ação seriam uma evolução natural do gênero. Que preciso ressaltar novamente que seria uma visão errada pois ambos já coexistem há décadas. Inclusive poderíamos colocar um terceiro subgênero aqui: RPGs táticos. Eles também tiveram suas origens lá nos anos 80 com jogos como Bokosuka Wars. Ou seja, sempre houve pluralidade nos estilos de gameplay no que tange a história dos RPGs.

Mas a implicação que eu acho mais idiota nesse tipo de pensamento é que faz parecer que são só os RPGs de ação que conseguem entregar uma experiência “imersiva” – que é a palavra que o gamer utiliza para fingir que está falando algo com sentido – e “moderna”. Como se em todos esses anos os RPGs por turnos não tivessem se sofisticado também. Ou tem alguém aí que acha de verdade que o que vemos hoje em jogos como Divinity: Original Sin, Persona 5 ou Octopath Traveler II é essencialmente o mesmo que tínhamos nos primeiros Dragon Quest e nos primeiros Final Fantasy?

Enfim, eu diria que hiperfixação do gamer pelo que é supostamente “moderno” tem sim limitação envolvida. Só que não é tecnológica, vem dos jogadores mesmo que aos poucos vão se condicionando a gameplays específicas. Parece que o mainstream está cada vez mais se tornando um ambiente muito menos plural para ideias e jogabilidades que escapam das tendências atuais. E me incomoda ver essa desculpa fajuta que essas outras mecânicas já estão antiquadas, são coisa do passado, não funcionam mais, etc.

The clunkiness! Oh, the clunkiness!

Ah, vai se f..


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2 thoughts on “A hiperfixação gamer pelo “moderno””

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