Não era para sair duas postagens em sequência sobre The Game Awards, contudo o gamer existe e isso é um problema (pra mim). A segunda bola da vez é a indicação de Balatro na categoria de Melhor Jogo do Ano que fez a mente de uma galera entrar em parafuso. “Como assim tem um, um JOGO DE CARTINHA concorrendo ao GOTY?!”, é a energia de vários comentários que eu tive o infeliz desprazer de esbarrar pela internet.
Para esclarecer uma coisa, eu não joguei Balatro. Não sou chegado a deckbuilders ou jogos que possuem alguma mecânica do gênero, vocês sabem o que penso de roguelike e o único jogo de carta que eu curto, sei lá porque, é Freecell. Portanto, não há motivos pessoais para eu defender a legitimidade da indicação de Balatro. Por isso também que eu vou me reservar o direito de não discutir nenhum aspecto da sua jogabilidade porque eu estaria apenas repetindo palavras da Wikipédia e isso é algo que vocês podem fazer por si mesmos. O motivo de eu estar incomodado com o incômodo com a indicação de Balatro é porque eu detesto mediocridade.
Muita gente que usa essa palavra resolve puxar aquela desculpa que não existe razão para se ofender porque ela significa apenas “mediano”. Eu não sou uma dessas pessoas. Quando eu falo em mediocridade podem ter certeza que eu estou com 100% de intenção de ofender. Mas que fique claro, ser mediano é um estado normal da nossa existência. Acredito que a nossa tendência não é ser bom e nem ruim na maioria das coisas que nos prestamos a fazer. No geral, ficamos ali naquele espectro do mais ou menos. Por outro lado, ser medíocre é algo que você deveria ter vergonha de ser. A diferença é que falta ao medíocre um valor muito importante que o mediano possui que é a autoconsciência. O mediano dos seus limites, o medíocre os desconhece e ainda age com arrogância.
Quando falo em gamer médio geralmente eu estou me referindo ao gamer medíocre e não exatamente a média da comunidade. Embora eles se interseccionam algumas vezes. Dois dos textos nos quais eu uso um tom bem mais agressivo (e por vezes desnecessário), ‘A hiperfixação gamer pelo “moderno”‘ e ‘Indiana Jones and the Great Circle e a dolorosa mediocridade gamer‘, batem nessa mediocridade que eu vejo em alguns setores da comunidade gamer e a reação a Balatro também se enquadra nesse contexto.
Porém assumo que a culpa não é apenas dos gamers nessa questão, o evento também é responsável. Porque, sejamos sinceros, o Game of the Year é na verdade o AAA of the Year. Vez ou outra um indie aparece lá, como Inside e Celeste, mas a maior parte dos competidores são jogos de estúdios de grande porte ou que foram apadrinhados por uma publisher influente. Isso criou uma mentalidade de que apenas certos títulos e que seguem certas tendências e estéticas de game design podem concorrer ao título de GOTY. Ali é o lugar para os The Last of Us, The Witcher 3, Elden Ring, God of War e The Legend of Zelda da vida. Vampire Survivors, Stardew Valley, Undertale e outros títulos como Balatro deveriam se recolher às suas categorias de indie e olhe lá!
O gamer médio é incapaz de conceber a ideia de um “simples jogo de cartinha” estar concorrendo ao lado, ou até no lugar, de gigantes da indústria. É o que acontece quando tudo que você consome é AAA ou “jogos com cara de AAA”. Por isso que eu o considero esse gamer um medíocre. A sua noção do que a mídia dos vídeo games tem oferecer é rasa. E pior, ele ainda se sente no direito de determinar quais são os jogos que podem ser considerados os melhores do ano e quais não.
Há dias que eu vejo esse gamer esbravejando qual jogo “merecia mais” participar do GOTY do que Balatro. Não me surpreende nada que um dos títulos mais citados é Stellar Blade. Imaginem o ataque de pelancas que o gamer médio daria se Black Myth Wukong não tivesse sido indicado? Tudo parte de uma limitação que ele conseguiu enganar a si mesmo de achar que é só um gosto refinado para jogos.
Como eu disse no meu outro texto, não acho que Balatro tenha qualquer chance de ganhar. Não num evento tão marketeiro como The Game Award. Para mim ele só foi colocado ali para dar a ilusão que os pequenos estúdios têm a possibilidade de vencer os grandes. Adoraria que essa previsão minha estivesse errada, porque seria delicioso ver essa galera estourando cada uma das suas pregas porque o jogo de cartinha ganhou do jogo de macaco. Não acredito que vá acontecer, mas eu posso sonhar…
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