Poucos dias se passaram desde o lançamento de Dragon Age: The Veilguard e eu já não suporto mais ouvir esse nome. O pior é que esse não é um sentimento de agora. Há anos que eu tenho uma impressão generalizada sobre como é impossível ter um lançamento minimamente tranquilo no mainstream dos vídeo games.
A história de todos os setores da indústria cultural é marcada por polêmicas. Vídeo games não são nenhuma exceção. Já tivemos vários casos de crunch durante a fase de desenvolvimento, práticas anti-consumidor que volta e meia surgem e ressurgem, houve as denúncias de assédio sexual na Blizzard, o eterno embate da Nintendo contra emuladores e jogos que saíram com desempenho deplorável, como Cyberpunk 2077, ou então que não entregaram o que haviam prometido, como No Man’s Sky (e Cyberpunk 2077). Temos até controvérsias meio que inevitáveis, como foi com Hogwarts Legacy devido a cruzada anti-trans em que a J. K. Rowling embarcou nos últimos anos. Porém todos esses casos compõem um quadro que chamo de “polêmicas compreensíveis”, no sentido delas partirem de questões reais, problemas sérios ou coisas que você consegue entender porque impactam um grupo de pessoas.
Mas o que o gamer gosta de fazer é dar ataques de pelanca na internet por causa de “FUCKIN’ PRONOUNS!!! FUCKIN’ GENDER AMBIGUITY!!!“.
Eu não tenho fortes relações com a franquia de Dragon Age, apenas joguei um pouco do Inquisition no passado. Até onde fui no jogo eu curti, porém vocês sabem minha relação com os RPGs ocidentais. De qualquer forma, eu conheci o bastante de Dragon Age para saber o que provavelmente aconteceria com o The Veilguard. Dos dez anos do último lançamento para o atual, algumas coisas mudaram. Bom, não diria que mudaram. Se pensarmos bem, já nos anos de 2010 tínhamos toda aquela rixa de SJWs vs Anti-SJWs, então vamos dizer que as coisas se intensificaram. Tensões oriundas da polarização política, que reverbera no entretenimento com a guerra cultural, estão mais fortes do que nunca. Além disso, tivemos a ascensão de grupos de extrema-direita que conquistaram espaços em várias comunidades online, incluindo as de gamers, para espalhar paranoias.
Esse “novo” cenário faz com que qualquer jogo novo chegue às prateleiras envolto de alguma controvérsia. E o pior é que nem são BOAS controvérsias…
Algumas delas ficam numa zona nebulosa com aquele grupo mencionado das “polêmicas compreensíveis”. Um exemplo que me vem à mente foi quando uma galera reclamou da sequência de Hellblade ser curta. Ainda que eu ache uma tremenda bobeira, torcendo um pouquinho e usando o máximo de boa-vontade dá enxergar algum ponto ali. Tem outras que nem são polêmicas, são apenas reclamações pontuais que acabam ganhando muita proporção (e nisso eu assumo que sou parte do problema).
Mas eu estou me referindo aqui dos outros casos, aqueles em que a discussão fica bem, bem, beeeeeeem imbecil. Lembro como se fosse ontem a chatice que foram os primeiros dias de lançamento de Marvel’s Spider-Man 2. Gente que nunca pegou um quadrinho na vida reclamando de descaracterização do personagem e todo o furdunço inceloide de que “embarangaram” a Mary Jane. Conseguiram descer tanto o nível que eu vi pessoas defendendo seriamente uma teoria da conspiração que o modelo 3D da personagem foi alterado para ficar parecido com uma das roteiristas do jogo. Detalhe, ela era uma roteirista assistente! Sim, meu caro gamer, a empresa vai gastar dinheiro para refazer uma personagem só para deixar ela com a cara de uma funcionária qualquer.
Aqui eu entro num ponto crucial dessas polêmicas: elas não operam por caminhos lógicos. Não é como se essa galera tivesse de fato argumentos para sustentar tais visões e por isso que não dá para racionalizá-las. Eu não quero soar arrogante dizendo que nem vale a pena discutir com esses idiotas. Mas sim, acho todos uns idiotas e isso vocês podem contabilizar na minha arrogância. Em relação a minha outra fala, ela é apenas uma constatação tendo em vista várias dessas polêmicas que testemunhei nos últimos anos.
Da atualidade, o caso de Assassin’s Creed Shadows é o mais emblemático para mim. Pois bastou um trailer para pessoas passarem a fazer um péssimo trabalho de esconder que eram racistas. Foram as desculpinhas manjadas de sempre, como afirmar que não eram contra um personagem negro e sim contra “representatividade forçada”. Outros arriscaram aquela de dizer que o problema é que o personagem “não era historicamente preciso“. Então, quando outras pessoas apontaram que o Yasuke é uma figura histórica real e documentada, o que a turminha que coincidentemente se tornou especialista em história do Japão naquele dia fez? Continuaram brigando com os registros históricos e ainda tentaram editar a página da Wikipédia do Yasuke.
Quando estava ficando mais feio do que briga de foice para o lado dessa galera até arriscaram uma nova desculpa: “é tudo uma jogada de marketing na Ubisoft”. Olha, pode até ser mesmo porque ninguém aqui vai acreditar na Ubisoft como uma empresa super progressista e bem-intencionada. Porém na prática esse “argumento” é só uma distração para esquecerem que o cerne da questão era um bando de usuários incomodados pela inclusão de um samurai negro. Por isso que eu falo que não existe possibilidade de racionalizar com essa gente. Eles não lançam argumentos, os discursos são apenas uma demonstração das opiniões pré-concebidas alimentadas por teorias da conspiração de guerra cultural e preconceitos latentes.
Daí voltamos para Dragon Age: The Veilguard. Antes mesmo de eu saber qualquer coisa sobre o jogo anos atrás, eu já escutava os sussurros daquela palavrinha-mágica que gamer reaça-que-jura-não-ser-reaça ama:
W O K E
Logo, imaginem a minha não-surpresa quando os primeiros comentários que ouço depois do lançamento é em relação a temáticas de gênero que aparecem no jogo? FUCKIN’ PRONOUNS!!! FUCKIN’ GENDER AMBIGUITY!!!.mp3. Então prosseguiram para dar a Dragon Age: The Veilguard o mesmo tratamento de Concord. Porque, caso vocês não saibam, Concord não fracassou por causa de péssimas decisões dos executivos da Sony. Concord fracassou porque tinha lacração e jogo que tem lacração é flop.
“Belmonteiro, você está exagerando! Ninguém fa-“
Lembrou daquele canal laranja, não lembrou?
Tem mais outros se você procurar!
Agora existe essa grande narrativa de provar por A + B que Dragon Age: The Veilguard é horrível e não é um sucesso. Primeiro exemplo que me deparei foi quando saiu a review do Skill Up que era mais negativa, alguns a usaram como uma prova cabal que o jogo era ruim. Contudo não deu para ir muito longe com esse discurso porque a maior parte das reviews foram positivas. Daí surgiu um rumor de que a BioWare enviou DCMAs para quem tentasse criticar o jogo. É muito bom como você pode falar qualquer coisa e adicionar uma tag de [RUMOR] – ou um “allegedly” – que vai ter gente considerando como uma possibilidade real, não é mesmo?
As últimas coisas que vi agora é que estão tirando prints do número de jogadores simultâneos para mostrar que tem pouca gente jogando Dragon Age: The Veilguard. Escondendo, obviamente, que as imagens foram tiradas nos períodos de baixa atividade. Um outro rapaz no subreddit que eu frequento resolveu também printar o rank de vendas da Steam como se isso também fosse critério de qualidade. Ah, gamers! Aí eu pergunto, para que gastar tanta energia querendo demonstrar como esse jogo que um pessoal está curtindo é na verdade uma merda? E eu mesmo respondo a minha pergunta: porque sim, Zequinha!
Movidas pelas suas paranoias sobre agenda woke, tais pessoas já tinham decidido que Dragon Age: The Veilguard era ruim. Mais do que isso, ele PRECISA ser ruim. Essas pessoas precisam continuar acreditando que a lacração está destruindo o mundo dos games porque “Get woke, go broke” é um mantra que eles ainda repetem. Portanto, toda essa reação exagerada a um mero jogo infelizmente é uma não-surpresa, ela é parte da norma. Meses atrás tentaram vingar a narrativa que os jornalistas estavam dando notas baixas para Black Myth Wukong com base numa única review de um único site. Essas pessoas precisam fazer esse barulho todo para poluir a discussão e também para reafirmar, para si mesmas e para uns aos outros, que isso é verdade.
Por esse motivo que considero a comunidade gamer como o pior reduto da guerra cultural entre todas as demais e, portanto, ter um lançamento tranquilo hoje é uma exceção, não uma regra. Só um jogo bem chapa-branca como Astro Bot consegue se ver livre disso e mesmo assim não existem garantias. Porque se não houver polêmica, fabrica-se uma. Só vejam o que aconteceu com Stellar Blade, um jogo que foi posto como a ponta de lança de um levante contra o design de personagens femininas realistas no ocidente. Só que isso não foi uma decisão intencional dos desenvolvedores, os caras só estavam ali fazendo os Nier Automata Meets Bayonetta. Quem começou esse papo foram os gamers. O pior que essa turma gritou tanto, mais tanto, que acabou convencendo o outro lado a adotar a oposição oposta e criticar Stellar Blade só para contrariá-los.
Esse é o estado atual do mainstream gamer. Pula-se de polêmica em polêmica porque a roda da guerra cultural não pode parar. Tem sempre que haver uma lacração por baixo de uma pedra ou atrás de um moinho-de-vento. Dragon Age: The Veilguard nunca teve chance, estava escrito nas estrelas. Não foi o primeiro e *sigh* com certeza não será o último. Onde há jogos, há gamer e onde há gamer, há polêmicas. Polêmicas artificiais, criadas e perpetuadas por uma galera assombrada pelos fantasmas da lacração e que já nem sabe mais do que estão reclamando, só sabem que precisam reclamar. Como eu estou cansado disso, chefe…
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