Stardew Valley foi um título que eu precisei aprender o quanto estava jogando-o errado para conseguir aproveitar a gameplay
Meu Deus! Agora eu entendo

No clichê mais tedioso de pessoas que criam alguma forma de conteúdo para internet, eu sou o meu pior crítico. Em qualquer texto que publico, fico sempre com o sentimento de que ele está bom o bastante. Por mais de uma vez já pensei em tirar algum texto meu do ar. Porém O tempo em The Friends of Ringo Ishikawa é uma das raras exceções de algo que eu escrevi e me orgulho bastante do resultado final. Nele eu explorei como o jogo usa o tempo não apenas como um recurso a ser administrado, mas também como um tema central da sua narrativa. Anos depois eu me vejo tendo uma reflexão parecida – e menos melancólica – com outro título que jamais imaginei que iria curtir: Stardew Valley.

O motivo que me levou a esse pré-conceito é outro jogo que citei no texto de Ringo, Harvest Moon: Friends of Mineral Town. Sei que a franquia hoje responde pelo nome de Story of Seasons, mas por motivos de nostalgia eu não consigo me desvencilhar do seu título antigo. Além disso, agora que existe o o remake eu acho mais fácil diferenciar os dois usando esse nome.

Haverts Moon: Friends of Mineral Town, um dos melhores títulos da franquia hoje conhecida como Story of Seasons

Pois bem, Friends of Mineral Town já foi um dos meus jogos favoritos da vida e uso o pretérito perfeito não porque hoje eu o acho ruim. Na verdade é porque há anos que eu tento voltar a jogá-lo e nunca consigo passar mais de duas estações nele. Minha teoria era que eu simplesmente não tinha mais paciência jogos desse tipo. Entretanto, Stardew Valley me mostrou que era algo completamente diferente. O problema é que eu estava jogando errado.

Tanto em Friends of Mineral Town quanto em Stardew Valley, ou The Friends of Ringo Ishikawa também, o tempo é um elemento fundamental da jogabilidade. Uma das primeiras coisas que você precisa aprender é como administrá-lo de forma que você consiga realizar o máximo de tarefas no dia: regar e/ou colher suas plantações, alimentar os animais, coletar itens, falar com NPCs, participar dos eventos, etc. Só que eu percebi que depois de um período eu mudei minha mentalidade em relação ao jogo. Em vez de gerenciar meu horário, o que eu tentava fazer era maximizar o meu lucro. Agora, pensando em retrospecto, percebo que foi essa mudança de pensamento que prejudicou tanto a minha experiência posterior com Friends of Mineral Town.

Todo dia eu fazia a mesma coisa. Deixava a casa correndo e percorria todo o mapa para pegar itens que pudesse vender. Depois eu ia para as principais obrigações da minha minha fazenda como plantar, regar e colher. Mais para frente nessa lista também entrava cuidar do cachorro, cavalo, galinhas, vacas e ovelhas. Dali eu passava para a cidade falando com a maior quantidade de NPCs possível, incluindo o interesse amoroso que eu escolhi pro meu personagem e os Harvest Sprites. Depois eu voltava para o campo para cortar madeira, para conseguir fazer a expansão do galinheiro, do celeiro e da casa, ou então ia para mina conseguir os minérios para melhorar as minhas ferramentas. Caso sobrasse alguma energia eu pescava até ficar esgotado. Por fim, com o personagem quase desmaiando (e eu também, metaforicamente), eu voltava para cama. No dia seguinte repetia esse processo.

Acho que assim fica bem claro porque eu não conseguia terminar nem o primeiro ano dentro do jogo, né? Pois bem, aí nesse ano eu resolvo dar uma chance para Stardew Valley mesmo sabendo o provável destino que teria com ele. Mas dessa vez as coisas mudaram… eventualmente!

Protagonista regando algumas plantações em Stardew Valley

Vou me reservar o direito de não explicar o que é Stardew Valley porque acho que a esse ponto é chover no molhado. É um dos jogos indies mais populares da última década e um que consegue manter uma comunidade muito ativa e bem alimentada com conteúdo novo e regular. Creio que basta apenas dizer que ele combina vários elementos da gameplay de Story of Seasons com os da sua spin-off, Rune Factory, além de outros títulos como Terraria.

Eu queria jogar Stardew Valley há uns anos, entretanto, pelo meu histórico com Friends of Mineral Town, eu ficava adiando. Inclusive o jogo passou quase um mês instalado no meu computador antes de eu iniciá-lo de fato. Então eu decidi que faria um esforço para tentar completar pelo menos um ano no Stardew Valley e enfim criei a minha fazendinha.

Por estar escrevendo esse texto é seguro assumir que consegui. Eu cheguei até o terceiro ano em que o espírito do avô do protagonista vem fazer uma avaliação da fazenda. Isso não termina Stardew Valley, você pode seguir jogando normalmente independente do resultado. Foi somente que eu decidi usar isso como um marco para dar uma pausa e fazer a minha crítica. Mas eu tive alguns percalços nessa minha jornada.

No outono do primeiro ano eu quase desisti de Stardew Valley, pois me vi ficando com aquela mesma exaustão que me acometia em Friends of Mineral Town. Foi numa das manhãs ali por volta da segunda semana quando percebi que mais da metade dos dias era gasta regando as plantações e que me deixava sem muito tempo para fazer as outras coisas no jogo. O pensamento que me veio a cabeça foi de “porra, eu vou ter que fazer isso tudo por mais um ano…”.

Uma noite durante o outono do jogo

Contudo, a diferença é que dessa vez também me veio um segundo pensamento que me fez pôr em xeque tudo que eu vinha fazendo no jogo até aquele momento: por que diabos eu estava com tanta pressa?

Essa era a reflexão que eu já deveria ter feito lá atrás jogando Friends of Mineral Town. Assim como Stardew Valley, ele é um dos títulos da série que não tem um limite de tempo para você zerar. O primeiro jogo da franquia, lançado no Super Nintendo, por exemplo, termina depois de dois anos e meio. Back to the Nature, se me lembro bem, também tem uma avaliação depois de três anos e ela determina se você pode ou não continuar na fazenda. Save the Homeland é um dos maiores casos, você só tem um ano de duração. Por outro lado, em Friends of Mineral Town você não tem essa preocupação. Você pode jogá-lo indefinidamente até enjoar.

Logo não tem nem razão para você tentar fazer o máximo em um único ano a não ser por um desafio autoimposto que só vai tornar o jogo mais cansativo para você. A mesma lógica se aplica ao Stardew Valley. Na verdade, acho que nele isso é ainda até mais forte por uma questão de quantidade de conteúdo.

Oportunamente, dias atrás eu caí numa postagem em que falavam do jogo. Dando uma olhada rápida pelos comentários, um que me chamou atenção foi de um usuário se referindo a Stardew Valley como quase um sandbox pela quantidade de coisas que você pode fazer nele hoje em dia. E de fato são muitas. MUITAS!

Tem toda aquela parte de cuidar da fazenda que você tem nos jogos de Story of Seasons, com o adicional que você também pode criar outros bichos como: porcos, patos, coelhos, avestruzes, dinossauros e slimes. E entre os animais de estimação, além de um cachorro e um gato você também pode habilitar uma tartaruga em certo ponto. Você precisa construir o celeiro, galinheiro, estábulo, silo, etc. Também tem todo aquele aspecto social de ter amizades com os NPCs do jogo, além do seu par romântico, que se não me engano são mais de 30. Então só na parte principal você já tem coisa demais para fazer.

Outra característica de Stardew Valley, e acredito que ela vem de Rune Factory, é que o jogo tem várias missões para se completar. A maioria é curta e envolve você conseguir determinado item, as famosas fetch quests. Porém tem algumas mais longas, sendo a principal delas a de restaurar o centro comunitário (se você foi pela rota do JojaMart eu me nego a te tratar como humano). Até lagoinhas de peixes de tão missões para você expandi-las.

Sem contar que o jogo tem não uma, nem duas, mas sim três minas diferentes para se explorar e outras áreas que você desbloqueia com o tempo. Ah sim, e mencionei que você tem cinco habilidades diferentes que você pode evoluir até o nível dez e que te permitem escolher profissões que dão certos benefícios para o seu personagem e sua fazenda? Tem até mais coisas que eu poderia listar aqui, mas acho que já foi o bastante para ilustrar meu próximo ponto.

Se você vier com essa mentalidade de conseguir fazer tudo em Stardew Valley o mais rápido possível, o jogo vai te sobrepujar sem dó. São coisas demais para se fazer de uma vez e você tem uma série de fatores que complicam a sua vida. Bom, pelo menos no seu início. Mais para frente você tem acesso a uma série de equipamentos e outras ferramentas que te ajudam executar tarefas mais rápido e te deixam livre para investir seu tempo em outros lugares. Essa é a chavinha que precisa virar na sua cabeça. O que Stardew Valley te incentiva é definir suas prioridades e, acima de tudo, não ter pressa.

Centésimo andar da mina principal de Stardew Valley

Tentar “otimizar seu horário” só vai te levar a muita frustração. Para cada um dos objetivos tem um ou mais obstáculos associados a ele. Amizades, por exemplo. Você ganha pontos com cada NPC apenas falando com eles, mas existe uma variável chamada Decay. Ela diminui a sua amizade pouco a pouco caso você deixe de conversar com eles num dia e só para quando você atinge a amizade máxima. Além disso, os presentes que você pode dar para ganhar pontos extras tem um limite de até dois por semana. Fora que a maior parte dos itens que os NPCs amam você não terá acesso por um bom tempo. Resumindo, dificilmente você vai conseguir maximizar amizade com todo mundo num único ano.

Agora vamos olhar para a missão de reconstruir o centro comunitário porque acho que ela ilustra ainda melhor essa ideia de não ter motivo para apressar sua progressão. A missão é um extenso conjunto de fetch quests que se dividem entre os vários cômodos que você precisa restaurar. O jogador consegue isso completando os bundles que espíritos chamados de Jumino pedem para ele completar. Cada bundle exige vários itens e, novamente, muitos deles você não tem acesso imediato por múltiplos fatores.

Primeiro: alguns deles só aparecem em suas respectivas estações, o que inclui plantações, itens do mapa e peixes. Segundo: alguns dos itens exigidos precisam ser feitos em máquinas cujas instruções para construí-los você só recebe depois de chegar num certo nível de uma certa habilidade. Ou então são produzidos por um dos animais que você só vai conseguir depois de você ter a respectiva construção que os abrigue. Terceiro: tem alguns bundles que simplesmente não valem nem a pena você tentar completar no começo. É o caso do cofre, no qual o que você precisa entregar são determinadas quantias de dinheiro. Ao todo, somam 42.500 moedas de ouro que é um valor muito alto para juntar nesse período. A maior parte da sua renda vai para comprar sementes, outros bens e melhorar suas ferramentas.

E se você for um daqueles “zés conquistinhas” então aí que sua vida vai ficar mais difícil. Cozinhar todas as receitas, pescar todos os peixes, completar todas as missões da Guilda dos Aventureiros, encontrar todos os minerais e artefatos para o museu. Tudo isso você só vai conseguir depois de muitas estações, provavelmente muitos anos, pois elas exigem muito tempo para conseguir todos os recursos e habilidades necessárias para tal.

Mas é claro que você pode tentar acelerar o processo se quiser. É só encher sua fazenda de plantações, fazer as contas de quais sementes lhe renderão mais lucro, determinar as melhores rotas para percorrer o mapa em menos tempo, planejar milimetricamente o seu dia-a-dia, otimizar seu horário, ser eficiente. Sabe a consequência disso? O jogo fica extremamente sem graça! Porque você não estará mais jogando. Parece que você está jogando, você vai se convencer que está jogando, você vai dizer para os outros que está jogando. A verdade é que você está trabalhando. E pior, um trabalho não-remunerado!

Protagonista passando pela estufa que você libera mais para frente no jogo

Acredito que isso não foi nem uma consequência natural desse tipo de gameplay e sim um planejamento prévio do jogo. Eu até poderia recorrer as palavras do autor de Stardew Valley, mas isso me obrigaria a ir contra as minhas próprias. Felizmente, podemos observar essa contestação da ideia de produtividade e a gana por recompensas imediatas com facilidade no jogo. Não apenas através da sua jogabilidade, até mesmo a narrativa faz questão de pontuar o tema logo na introdução.

Quando nós conhecemos os nossos protagonistas, eles estão trabalhando num típico escritório de grandes empresas. A vida deles é executar qualquer tarefa repetidamente, gerando mais lucros dos quais não irão usufruir plenamente. A fazenda herdada do avô se torna a chance de um novo começo em que eles não precisavam estar sob a pressão produtivista do ambiente empresarial. E aí quando você, o jogador, toma controle das ações dele na fazenda você vai tentar fazer a mesma coisa? Só para ter uma sensação vazia de que você conquistou coisas das quais nem vai aproveitar? Não digo nem porque você não ganha dinheiro real no jogo, eu falo é do entretenimento mesmo. O escapismo que o jogo provê, ironicamente, acaba se tornando aquilo do qual as pessoas querem escapar momentaneamente das suas vidas.

Foi só depois de perceber que era isso que eu estava fazendo que Stardew Valley se revelou de verdade para mim. Tanto que meu segundo ano no jogo foi absurdamente mais satisfatório do que o primeiro. Não em termos de conquistas e sim do prazer que interagir com aquele universo me proporcionava.

Bastou eu, como falei parágrafos atrás, definir minhas prioridades. Em vez de correr de um lado para o outro tentando falar e entregar presentes para todo mundo, selecionei alguns NPCs e foquei neles até chegar na amizade máxima e então passar para os próximos. Diminui o tamanho das minhas plantações, investi em sprinklers e logo consegui gerar uma renda boa sem sacrificar muito tempo. Fui explorando as minas pouco a pouco, cinco andares por vezes, em dias específicos quando estava tudo bem encaminhado na minha fazenda.

Assim eu não apenas consegui passar mais um ano em Stardew Valley como agora tenho uma imensa vontade de começar um novo save do zero e jogar num ritmo mais tranquilo e descompromissado. Um dia de cada vez do jeito que se deveria fazer. Seja na vida real, seja no jogo de fazendinha!


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