Skullgirls e porque é tão difícil discutir coisas na internet

Eu disse que eu não ia cutucar esse vespeiro, porém fica aqui o registro que a minha palavra não vale nada. Vamos tentar conversar sobre Skullgirls. Mesmo que você não seja parte da comunidade de jogos de luta – que é o meu caso – mas está inserido em alguma bolha gamer, deve ter visto esse nome aparecendo no seu feed na última semana. E se viu, provavelmente não foi numa nota positiva.

As chances são que você esbarrou com alguém reclamando do jogo ou alguém reclamando de quem está reclamando do jogo. Se por algum motivo você se perguntou o porquê, é por conta das últimas mudanças que anunciaram. Jogos de luta estão sempre passando por alguma atualização, entretanto esse é um caso especial. O que aconteceu foi a remoção e alteração de alguns conteúdos de Skullgirls, desde artes até detalhes da história de personagens.

Ora, mas por que eu estaria com um certo receio de falar de algo tão mundano feito isso?

Minha hesitação em falar do assunto não é exatamente pela natureza das mudanças de conteúdo, que toca em alguns tópicos sensíveis. Não tenho problema algum em escrever sobre política ou então sobre outras questões que tenham algum cunho social, principalmente quando relacionadas a vídeo games e outras mídias que consumo. Eu não queria falar sobre Skullgirls por causa da internet. Em especial, essa parte da internet que abrange as redes sociais mais populares como o Twitter. Lugar este que só não dá para chamar de esgoto virtual porque existe o Discord.

Mas antes de entrarmos nesse tema primeiro vem a pergunta:

O QUE É SKULLGIRLS?

Foto de Skullgirls divulgada na Steam
Resposta sincera: não faço a menor ideia!

Skullgirl – ou Skullgirls 2nd Encore a partir de 2015 – é um jogo de luta 2D indie lançado oficialmente em 2012. Eu não encosto em jogos de luta há mais de uma década então nem vou fingir que conheço essa comunidade como um todo, Menos ainda a de Skullgirls. Portanto, tudo que vocês verão aqui é fruto do que eu li sobre o jogo nos últimos dias.

Em termos de jogabilidade, Skullgirls se inspirou bastante em jogos como Marvel vs. Capcom 2: New Age of Heroes. As suas mecânicas incluem tag-team, assistência de outros personagens, hyper combos, etc; dando muito foco num combate veloz. Durante seu lançamento, muitas críticas elogiaram bastante o jogo pela sua estética, pois Skullgirls utiliza animação tradicional (desenhada à mão) e um estilo que busca referências em outros jogos de luta como Darkstalkers e Guilty Gear. Sem contar a influência de diversos artistas como Shane Glines, Bruce Timm, Hiroki Hayashi, George Kamitani. Essas informações eu tirei da entrevista que o criador e diretor de arte de Skullgirs, Alex Ahad, deu há alguns anos.

Skullgirls nasce de um Ahad universitário que imaginava usar designs de personagens que ele vinha criando desde o ensino médio para um jogo. E é na faculdade que ele se encontra com o programador e entusiasta de jogos de luta, Mike Zaimont, fazendo o projeto ganhar forma. Ambos tentam vender a ideia para outras empresas até que em 2010 eles se unem ao estúdio independente Revenge Labs. Tempo depois o estúdio assina com a publisher Autumn Games e assim o desenvolvimento de Skullgirls passa a vingar… por um tempo!

A produção de Skullgirls foi, e ainda é, marcada por muitas dificuldades e polêmicas. Um dos golpes mais pesados que a equipe do jogo sofreu foi logo após o lançamento em 2012. Nessa época, a Autumn Games recebeu uma série de processos relacionados a outro jogo, Def Jam Rapstar. Embora a Revenge Labs não tivesse qualquer envolvimento com essa história, a publisher teve seus recursos congelados e a ssim Skullgirls perdeu seu principal financiamento. Por consequência, muitos membros da equipe original foram demitidos.

Eventualmente a equipe conseguiu se reorganizar sob o nome de Lab Zero Games com assistência um de financiamento coletivo. Foi esse novo time que deu continuidade ao desenvolvimento de novos conteúdos para o jogo. Toda essa confusão talvez explique muito do apego que os fãs tem com Skullgirls. Além das suas qualidades próprias, acredito que existe uma simpatia pelos esforços que a equipe fez para conseguir lançar o jogo para quem apoiava, financeira ou moralmente, o projeto. A Lab Zero Games não só conseguiu lançá-lo em várias plataformas como também o manteve atualizado durante todos esses anos.

Em relação a controvérsias, isso também vem desde lá trás com o lançamento de Skullgirls. Algumas das críticas que o jogo recebeu falam sobre a fetichização e a sexualização de algumas personagens. Mas a que pesou mais foi três anos atrás quando membros da equipe acusaram Mike Zaimont de assédio sexual. Isso iniciou uma tensa de disputa dentro da Lab Zero Games pela sua resignação. Contudo Zaimont fez uma série de exigências que consideraram irrealistas e ilegais. Durante esse período caótico, parte da equipe pediu demissão por não conseguir ou não querer trabalhar ao lado do Mike Zaimont. Isso o levou a demitir os demais ficando como o único dono da empresa.

Com a dissolução da Lab Zero Games nos meses seguintes, alguns desses ex-funcionários formaram a Future Club. O novo estúdio se uniu com a Hidden Variable Studios, que já colaborava com a Lab Zero Games há anos, e em 2021 anunciaram que seriam responsáveis por criar os novos conteúdos para Skullgirls.

Dois anos depois temos mais uma nova polêmica envolvendo o jogo, embora dessa vez não sejam conflitos internos. Agora a briga é com a fanbase que se mostrou muito insatisfeita com algumas mudanças que anunciaram semanas atrás. Ao que nos leva a segunda pergunta:

POR QUE OS FÃS ESTÃO REVOLTADOS COM SKULLGIRLS?

Após o anúncio de algumas mudanças na atualização de Skullgirls, a página da Steam foi bombardeada com reviews negativas
*sigh*

24 de Junho de 2023. Essa foi a data da publicação no fórum oficial de Skullgirls mobile. No texto, o diretor criativo da Hidden Variable, Charley Price, revela que a equipe tomou a decisão de “fazer algumas mudanças em certos conteúdos com o objetivo de representar melhor nossos valores e nossa visão para o avanço de Skullgirls”.

Pela fala dá para imaginar que esse não foi um caso de uma mera atualização para corrigir bugs ou equilibrar o jogo. Os ajustes, como eu já falei, vieram na forma de remoção ou alteração de alguns conteúdos que podem ser interpretados como exploratórios, de mau gosto ou problemáticos. Na publicação, Charley Price ressalta três mudanças mais importantes:

  • Alusões a grupos de ódio: na história de Skullgirls existem os Black Egrets. Esse é um grupo militar que serve a família Renoir que funciona como os antagonistas do jogo. Para destacar a ideologia autoritária e opressiva desse grupo, Skullgirls usa uma iconografia que faz uma referência clara ao nazismo na forma das braçadeiras, bandeiras e outros símbolos. Tudo isso foi ou removido ou então alterado para não parecer tanto com a estética real dos nazistas;
  • Sexualização de personagens: muitas das personagens de Skullgirs apelam bastante para sensualidade. Tanto que alguns fãs diriam que esse é um elemento importante da personalidade do jogo, tal como a violência gráfica é para Mortal Kombat. Porém tem um exemplo que já gerava um desconforto de longa data pela fetichização descarada com uma personagem menor de idade, a Filia. Uma das características na arte de Filia eram os “panty shots”, ou seja, em algumas situações a calcinha dela ficava exposta. Além de mudarem esses frames, alguns detalhes da história da personagem também foram alterados por envolver questões de assédio sexual;
  • Sensibilidade racial: Skullgirls tem alguns elementos que referenciam temas da ficção pulp e por isso fazem alusões a alguns estereótipos. As mudanças atenuaram alguns desses temas tal como as referências de violência racial no caso da história do personagem Big Band.

Como dito na publicação, essas mudanças se aplicam em várias partes de Skullgirls. Frames in-game, arte conceitual, artes do modo história, etc. Muitos fãs não aprovaram essa decisão e vem sendo bem vocais nas redes sociais nessas duas semanas. Além disso, houve o bombardeamento da página da Steam com reviews negativas. Eu diria que nem é uma surpresa essa última parte porque hoje em dia qualquer besteira vira motivo pra review bomb.

Agora o que eu acho dessa história toda? Honestamente, vai depender do comentário.

Seria muitíssimo fácil vir aqui e falar que quem está reclamando são um bando de punheteiro com foto de animê chorando porque não vão poder ver mais calcinhas. E para alguns casos eu estaria certo. Mas notem “para alguns casos”. Seria injusto afirmar que toda reclamação é fruto de um onanista de plantão. Ou então um adolescente fazendo cosplay de Monark que categoriza tudo como censura. Essas pessoas existem, porém no meio delas também encontrei alguns perfis dando bons argumentos contra a mudança.

Não vou ser cínico a ponto de achar que nessa década de existência de Skullgirls as pessoas envolvidas no jogo não mudaram suas visões. Isso é uma parte natural da vida. Porém aqui não estamos falando apenas de pessoas, pois tem uma empresa na jogada. Sendo assim temos que considerar que muitas decisões são tomadas não por conta de valores pessoais. Por vezes a empresa tem que pensar naquilo que será mais benéfico para o negócio a longo prazo. Aí que o pézinho vai um pouco para trás.

Dada a forma que fizeram as mudanças, removendo conteúdo até do artbook, eu também não levo tanta fé nessa conversa de “representar melhor nossos valores e nossa visão para o avanço de Skullgirls”. Ao mexer na arte conceitual, isso leva a crer um dos motivos principais não-comentados é uma tentativa de enterrar o passado do jogo para vender uma versão mais “perfurmada” dele.

E olha, isso não é uma discussão que compete apenas a Skullgirls. Esse tipo de mudança já vem sido amplamente discutido em diferentes outras mídias. Muitos livros mais antigos, por exemplo, passam por modificações para atenuar ou então remover partes que hoje são consideradas problemáticas. Há quem concorde com tais alterações para adequar essas obras para as sensibilidades atuais. Mas há também quem discorde. Para outros, isso é uma forma de apagar a história da arte enquanto se lucra com uma versão mais branda do dito “conteúdo problemático”.

Acredito que esse seja um ponto mais genuíno de se debater do que simplesmente reclamar que não dá para ver a calcinha da fulaninha, certo? Só que não é isso que a maior parte das pessoas está discutindo, certo²? Afinal de contas, essa aqui é a internet! O que nos leva a terceira e última pergunta (e tema do texto):

POR QUE É TÃO DIFÍCIL DISCUTIR AS COISAS NA INTERNET?

Referência a um episódio dos Simpsons
Reação padrão do usuário médio de rede social

Esse é um tópico que se aplica a internet como um todo, porém vou me ater mais nas redes sociais. Como sabemos, essas plataformas permitiram que diversas pessoas pudessem dar voz as suas opiniões trazendo luz para diferentes pontos de vistas em determinados assuntos que antes só eram discutidos por uma minoria em grupos reservados. As redes sociais vieram, na teoria, para conectar pessoas, compartilhar visões de mundo, experiências, etc; e com isso ampliar o debate público.

É uma visão bonita, porém a acho otimista demais. Coisa que eu não sou. Para mim o que as redes sociais criaram foi um cenário em que já que estão todos falando só vai ser ouvido quem gritar mais alto. Então quando estamos nessa praça pública virtual, as opiniões que vemos centrar os debates são quase sempre as dos extremos mais… emocionados de quaisquer um dos lados.

Ok, não vou generalizar. Ainda existe muita gente moderada internet a fora que tenta genuinamente discutir alguns tópicos, dos mais banais até os mais sensíveis, com seriedade e ponderação. Mas você precisa ir atrás desse pessoal. Ainda mais se for sobre um assunto viral ou então sobre mídias como jogos e filmes onde mais pessoas se sentem compelidas a comentar a respeito do que, sei lá, astrofísica.

E aí a gente volta para Skullgirls. Para encontrar aquele argumento que mostrei anteriormente eu tive que garimpar bem os tweets. Pois o que eu mais encontrava por lá eram comentários que pendiam para dois grandes grupos de opinião. Um lado era de pessoas que gritavam que a empresa estava censurando Skullgirls e que arruinaram o jogo cortando esse conteúdo. Já o outro lado comentava mais sobre as pessoas que estavam reclamando do que das mudanças de fato. Isso utilizando quase sempre um tom vexatório.

Esses dois lados ficam gritando seus “argumentos” para suas bolhas afinal de nada adianta um falar para o outro. Não existe a remota possibilidade de um diálogo entre eles. Ambos se antagonizam o tempo todo e parecem mais preocupados não em mostrar que estão certos e sim como o outro lado está errado. O pior para mim é que essas pessoas que adotam posições dos extremos também antagonizam aqueles nem estão na vertente oposta. Basta a pessoa ter um mínimo de discordância que ela é atirada para o outro lado da discussão.

Por exemplo, alguém que não acha as mudanças necessárias, porém acredita que elas farão mais bem do que mal para Skullgirls vai ser jogado no balaio daqueles que concordam com censura. Isso se não chamarem de “lacradora” por aquele grupo que desde 2010 acha que vivemos numa “ditadura do politicamente correto”. Do mesmo modo, aquela pessoa que desaprova as mudanças por aqueles motivos que falei no tópico anterior vai ser chamada de pedófilo ou então pró-nazi por algum jovem que usa esses termos da forma mais leviana possível.

Como falar com essas pessoas se ambas já adoram posições tão irredutíveis em relação a esse ou qualquer outro assunto? É por isso que não dá para discutir nada na internet.

Não dá 30 minutos e as pautas, independente do que seja, já se desvirtuaram. Nas redes sociais elas se tornam uma troca de insultos entre paranoicos, moralistas e moralistas paranoicos. Por consequência, quem tem uma opinião mais moderada, e talvez com maiores chances de ter razão, prefere ficar quieta. Vai arriscar uma dor de cabeça para defender ou criticar joguinho?

Do que adianta elaborar um argumento honesto e menos passional só para ser pego nesse fogo-cruzado? Independente do seu lado, as chances são que sua opinião será tirada de contexto, interpretada de má-fé, deturpada e jogada para um lado que você nem pertence.

É o mesmo motivo pelo qual para esse texto eu não vou colocar as minhas habituais considerações finais. Para esse tipo de discussão que toca em alguns tópicos sensíveis boa parte do público não vai levar nada em consideração além do que eles percebem como moralmente correto. Então para que se valer do esforço? Melhor deixar que eles briguem entre si!


Backlogger precisa do seu apoio para crescer. Então, por favor, compartilhe ou deixe um comentário que isso ajuda imensamente o blog. Você também pode me seguir em outras redes como TwitterFacebook e Tumblr

2 comentários em “Skullgirls e porque é tão difícil discutir coisas na internet”

    1. E pior que mesmo assim você é ainda capaz de ser criticado por um doidinho aleatório te chamando de “isentão” só porque não quer comentar pra não ter ambos os lados te perturbando

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Rolar para cima