No dia 8 de fevereiro de 2014, Dong Nguyen criador de Flappy Bird avisou no seu Twitter pessoal que dentro de 22 duas horas iria remover seu jogo dos lojas de apps do Google e da Apple. Na época houve muitas especulações sobre qual seria o seu motivo para tomar tal decisão. A versão mais popular dizia ser por conta de problemas judiciais com a Nintendo pelo suposto uso de gráficos de Super Mario no jogo. Eventualmente Nguyen viria explicar a razão era porque o jogo se tornou muito viciante.

Em 10 de fevereiro de 2014, um Belmonteiro mais novo ficava sabendo da notícia e dava risada sem entender como é que um jogo tão “bobinho” foi capaz de viciar tanta gente assim. Então em 10 de janeiro de 2023, um Belmonteiro mais velho tem 53 horas registradas em Vampire Survivors. E contando!

Cappella Magna, um dos estágios de Vampire Survivors
Passei mais horas nesse lugar do que várias aulas da minhas graduação

Jogar Vampire Survivors não estava nos meus planos para 2023. Um amigo já tinha me apresentado a ele, mas não me despertou nenhum interesse particular em jogá-lo. Também tinha visto outro amigo, o PC do Fora do Controle podcast, falando como ele era viciante e divertido. O interesse continuou zero. Porém coloquei o jogo na minha lista de desejos para talvez comprá-lo quando tivesse bem baratinho. E quando chegou o final de 2022 o mesmo amigo que me apresentou Vampire Survivors resolveu me dá-lo como presente.

Eu tinha decidido não iniciar mais nenhum jogo naquele período já que eu teria que viajar em alguns dias. Entretanto, como não tinha nada para fazer até a viagem, resolvi instalar Vampire Survivors e ver qualé a jogada. Quando dei por mim já tinha se passado duas horas!

Não tenho problemas em admitir que viciei em Vampire Survivors nessas últimas semanas. Tanto que é que durante o tempo que fiquei no sítio, durante o recesso, eu não parava de pensar em voltar pra casa e jogá-lo de novo. Quando eu finalmente achei que tinha conseguido parar, meu outro amigo Savino (The Flying Kick) foi lá e me deu a DLC. Eu só ando com criminoso pelo visto!

Piadas a parte, Vampire Survivors de fato conseguiu me deixar engajado por um bom tempo. E eu ainda sinto vontade de jogá-lo, contudo me obriguei a desinstalar o jogo do computador para nem pensar em jogar uma partidinha rápida. E não sou o único. Já me deparei com diversas pessoas citando o jogo pelo Twitter. E com uma pesquisa rápida vi que está cheio de conteúdo dele tanto no YouTube quanto na Twitch.

Uma das lives do Alanzoka
Sei como é, Alanzoka…

Pensei em fazer uma crítica, mas honestamente esse não é um jogo que analisar os méritos de jogabilidade tem alguma importância. O que conta mais é fator diversão e como ele consegue te manter engajado por horas, dias, semanas. E foi refletindo nesse aspecto que me veio uma perspectiva talvez mais interessante de se usar.

Por mais que Vampire Survivors tenha me viciado, eu não tenho a menor dúvida que dentro de alguns meses esse jogo não ocupar mais qualquer espaço na minha cabeça. Isso porque eu acho que ele é um tipo jogo específico que acaba tendo não necessariamente um ciclo de vida curto, mas um que não se estenderá além do período em que ele se tornou o que chamo de jogo trend. E agora podemos começar de fato o texto.

DEFININDO O JOGO TREND

Quando eu digo jogo trend eu não falo como um sinônimo de jogo “modinha”. Até porque eu odeio esse termo! Me parece uma palavra usada por adolescente ou alguém com mentalidade de adolescente querendo se sentir especial por não jogar algo popular. Mas trend também não significa, pra mim, algo que é apenas popular, senão jogos como Elden Ring, God of War, The Last of Us e outros poderiam caber nessa categoria. Se for pra escolher um termo, eu diria que o mais adequado seria jogo “febre”.

O jogo trend é de certa forma parecido com os clássicos cults, no sentido que eles alcançam um status pela conexão que criam com um determino grupo ou nicho. No caso do jogo trend é um grupo muito mais abrangente, por vezes furando várias bolhas de forma que parece que ele ficou conhecido da noite para o dia. Porém esse crescimento repentino também tem a desvantagem de despencar vertiginosamente após um tempo. Por isso que eu acho que o termo febre é um sinônimo mais-que-perfeito pra descrever esse tipo de jogo porque é um evento imprevisível e, sobretudo, passageiro.

Temos diversos jogos no passado distante e recente que encaixam nessa categoria. Tem o Flappy Bird que eu já citei então não vou me alongar nele. Lembro também da febre que foi o Slender: The Eight Pages em 2012, muito catapultado pela comunidade de Let’s Play da época, a ponto que o site oficial do jogo caiu diversas vezes por conta dos acessos.

Slender: The Eight Pages, jogo de terror indie de 2012
Slender: The Eight Pages, uma das maiores febres de 2012

E anos atrás tivemos o Among Us que se tornou extremamente popular durante a pandemia da COVID-19. O clássico Doom foi uma tremenda febre dos anos 90, chegando a dar problema para os servidores das empresas nas quais os funcionários instalavam, porém esse não foi passageiro e a marca está relevante até hoje. Até hoje o clássico continua sendo extremamente popular!

Você pode tentar reproduzir um jogo que seja trend. Analisar os padrões do mercado, o que está em alta, toda a mentalidade por trás do tipo dessa jogabilidade viciante. Contudo você ainda vai depender que o público abrace seu jogo e engaje fervorosamente com ele. E isso que dá a qualidade de imprevisibilidade do jogo trend. O jogo se torna uma sensação de forma orgânica e não-planejada.

Luca Galante (aliás que belo nome, amigo), o criador de Vampire Survivors, não tem a menor ideia de como o jogo se tornou popular e ele não está sozinho nessa. O Flappy Bird é outro ótimo exemplo disso. Era um jogo extremamente simples que não tem nenhuma mecânica revolucionária e que sabe-se lá porque ficou tão popular. E o caso dele é ainda mais curioso porque o jogo foi lançado na primeira metade de 2013 e só foi se tornar uma febre muitos meses depois já em 2014. Análogo ao que aconteceu com Among Us, que é de 2018 e foi estourar em 2020, porém aqui temos que considerar o fator pandemia. Fora isso, o jogo trend simplesmente acontece!

E eu digo que não dá pra planejar esse tipo de sucesso porque dificilmente a gente vê o raio caindo duas vezes no mesmo lugar. A Parsec Productions, estúdio responsável pelo jogo do Slender Man, no ano seguinte ao sucesso de The Eight Pages lançou Slender Man: The Arrival. Jogabilidade similar, gráficos melhorados, novos mapas e uma trama que se desenrola entre cada cenário. Mas, com sinceridade, quem se lembra desse jogo? Até me recordo de um pouco de expectativa para o seu lançamento, porém ele não conseguiu ter nem 10% da popularidade do seu antecessor. O próprio Flappy Bird eu diria que só é lembrado hoje mais por conta da dor de cabeça que causou pro seu criador do que pelo jogo em si.

É bem complicado para esses jogos trends conseguirem perdurar. Among Us se mantém, ainda, no imaginário popular muito pela cultura de memes que se desenvolveu em volta dele. Five Night At Freddie’s, esse pra mim inegavelmente merece o status de clássico cult, foi se estendendo por vários jogos graças a comunidade fomentou e continua fomentando as mais diversas teorias sobre a franquia história do jogo além de conteúdo paralelo aos jogos. Eu que nunca fui além do primeiro jogo já gastei horas da minha vida vendo vídeos sobre a linha do tempo do jogo porque a acho legitimamente fascinante. Porém essas são as exceções e não as regras.

E aí que entra o motivo desse texto. Depois de investir tantas horas em Vampire Survivors, cresce em mim o sentimento que esse vai ser um jogo em que, agora que eu o desinstalei para valer do meu computador, nunca mais irei encostar. Posso até lembrar num futuro distante, contudo acho improvável de jogá-lo. Claro que isso é minha experiência pessoal, mas eu tenho a impressão que uma vez passado a febre, o hype, o jogo vai pro mesmo baú dos outros jogos trend já esquecidos.

Mas antes de conjecturar sobre essa possibilidade, da qual eu posso estar perfeitamente enganado, precisamos nos perguntar primeiro:

POR QUE VAMPIRE SURVIVORS?

O último chefão de Vampire Survivors
Dá-lhe, Bayonetta!

O próprio criador do jogo disse que não sabe o motivo do seu sucesso, mas eu vou palpitar mesmo assim!

Além do status de trend eu também diria que Vampire Survivor cai na mesma categoria dos jogos “stremáveis”, e acredito que esse é um fator fundamental hoje em dia para o jogo se tornar trend. Olha só, eu amo Chrono Trigger. Um clássico atemporal é como eu costumo chamá-lo. Porém se você me disser que vai fazer uma live jogando ele, eu irei passar longe! Por outro lado, se você dizer que vai fazer uma live jogando, sei lá, Getting Over It (as pessoas ainda jogam isso?) é capaz de eu ficar uns 30 minutos vendo.

Assim como tem filmes que é melhor se assistir sozinho do que com amigos, jogos operam de forma similar. Eu não vou querer assistir uma live de Chrono Trigger porque não existe muito do que tirar dele que não esteja conectado a sua história e personagens que é melhor de ser absorvido individualmente. Enquanto algo como Getting Over It gera oportunidades de interação com maior valor de entretenimento entre o streamer e a audiência.

Com isso em mente dá pra imaginar porque Vampire Survivors seria uma sucesso pra streamers. A jogabilidade é simples no sentido que você só precisa mover com o teclado ou mouse. Ataques são automáticos e a única outra interação é selecionar as armas e passivas que você se interessa dentre as opções oferecidas. Dessa forma, o streamer consegue facilmente dividir sua atenção entre o jogo e o chat sem muito trabalho. E as interações com o público são tão importantes, talvez até mais, quanto as do jogo numa live.

Além disso, por ser tratar de um roguelike, cada partida vai acabar sendo um pouco diferente e assim tem algo novo para manter a audiência atenta. O jogador pode até inventar ou pedir pro chat criar algum desafio para tentarem concluir ali na live, igual o No Movement Challenge em que você tenta sobreviver aos 30 minutos da partida sem andar com o personagem.

Inlaid Library, um dos estágios de Vampire Survivors
Eu tentando e falhando em fazer o No Movement Challenge em Vampire Survivors

Mas aí a gente está olhando do ponto de vista dos streamers que tem um motivo prático para gostarem desse jogo. E quanto a nós? Por que diabos Vampire Survivors nos vicia tanto? Meu mesmo amigo que me deu o jogo também me deu Brotato. A jogabilidade é bem similar, só que eu mal passo 10 minutos nele. Então qual é o seu segredo? Por que fiquei vidrado em um e não no outro?

Primeiro eu acho que tem um componente estético importante que é a clara… i n s p i r a ç ã o nos designs de Castlevania. Então para quem é fã dessa franquia o jogo já vem com um charme especial. Há também a simplicidade na jogabilidade onde você não precisa apertar dezenas de botões e se concentrar apenas em não deixar os bichos chegarem muito perto. Num mundo em que jogos exigem reflexos e te dão mais informação do que o necessário, Vampire Survivors com sua abordagem mais minimalista é um verdadeiro refresco. E tem o fator desafio somado a uma larga quantidade de conteúdo desbloqueável.

O desafio de Vampire Survivors não tem aquela dificuldade punitiva de Dark Souls ou de arrancar os cabelos como de Cuphead. Não vou chegar ao ponto de dizer que é uma dificuldade honesta, porém é balanceada o suficiente para te fazer querer testar seus limites. E isso tem um mutualismo bom com todos os recursos, personagens e modos que você vai desbloqueando. Assim o que o jogador mais tem são motivos para jogar mais uma partida. Eu não sou de tentar “platinar” jogos na Steam, mas Vampire Survivors foi um dos poucos que me empenhou a conseguir cada uma das conquistas possíveis.

Contudo, eu acho que esse é ponto onde o jogo termina. E para sempre!

UM VALOR DE REPLAY A CURTÍSSIMO PRAZO

Lista de conquistas desbloqueáveis em Vampire Survivors
As VÁRIAS conquistas disponíveis em Vampire Survivors é um importante fator para a gente continuar voltando ao jogo

Valor de replay é um termo bem consolidado dentro da mídia de vídeo games e eu gosto de acreditar que todo jogo, até uma certa extensão, o tem. Essa valor pode se manifestar de diversas formas. Exemplo num indie que eu adoro, Salt & Sanctuary. Ele tem várias classes, armas, facções e uma extensa skill tree que te motiva a fazer novas playthroughs com diferentes combinações. Há também casos como Brok: The InvestiGator, que pelo jogo contar com múltiplos finais você pode querer rejogá-lo para seguir uma nova rota e obter uma conclusão diferente.

Esse tipo de jogo eu me refiro como tendo um valor de replay a curto prazo porque quando você zera uma vez você já reinicia uma nova playthrough. Já jogos como Brave Fencer Musashique como eu disse é um título que eu revisito em diferentes momentos da minha vida – eu costumo dizer que tem valor de replay a longo prazo porque você pode voltar a eles daqui há meses e até anos para reviver as memórias e ter novas visões sobre a história com a sua cabeça mais atualizada.

E aí tem Vampire Survivors que merece todo o superlativo do tópico.

O valor de replay dele é praticamente instantâneo. Você termina uma partida e já inicia outra. Seja porque não conquistou o objetivo que você tinha em mente, vacilou e acabou deixando seu avatar morrer, liberou uma nova fase ou um novo personagem (que por consequência gera novos objetivos) e por aí vai. Por isso é tão fácil perder de duas horas e até mais com o jogo.

Eu até me assustei quando vi que tinha mais de 50 horas nele, porque há jogos que eu fiquei semanas jogando e nem cheguei perto dessa marca. Eu me recordo que quando eu estava tentando conseguir derrotar o chefão da fase Bone Zone eu devo ter jogado cinco ou até seis partidas consecutivas porque não queria descansar até consegui destruir aquela maldita bola de ossos gigante.

Todas as conquistas de Vampire Survivors

Contudo eu acho que esse vai ser o grande problema do jogo no futuro e eu já estou vendo os resultados, pelo menos no meu caso. Depois que de derrotar o último chefão, desbloquear todos os personagens, incluindo os da DLC, obter todas as conquistas e fazer até os desafios pessoais que outros jogadores inventaram, eu já meio que me desintoxiquei do jogo.

Quando eu comecei o texto dias atrás, eu estava terminando o último dos desafios que queria tentar. Logo depois eu desinstalei o jogo e esse foi o fim. Ao contrário de um Brave Fencer Musashi, eu não consigo me ver daqui uns meses, quiçá anos, instalando Vampire Survivors de novo. Nem pra jogar uma ou duas partidinhas. Não tem mais nada que o jogo possa me oferecer. E acho que nem mesmo se surgirem novas conquistas eu voltaria. Cada dia que passa reduz – e muito! – a vontade que eu tenho de jogá-lo. Eu até posso relembrar dele no futuro brevemente, mas para os fins de replay, acho que Vampire Survivors vai embora com o hype.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Game Over em Vampire Survivors
Será que essa história terá um continue?

Não era minha intenção soar tão negativo assim nesse final do texto porque de forma alguma eu quero desmotivar qualquer pessoa a começar a jogar Vampire Survivors. Inclusive acho que acabei empurrando dois amigos para próximo desse vício.

Eu considero Vampire Survivors um bom jogo e, salvo as horas que estou sendo exagerado para fins de entretenimento dizendo que ele arruinou a minha vida, recomendo para os outros. Eu só não acho que esse será um jogo que vamos coletivamente nos lembrar daqui um tempo depois que a sua trend passar.

E está tudo bem! Nem todas nossas experiências precisam ou durar muito ou serem recorrentes. Algumas acabam sendo valiosas mesmo sendo perenes. Vampire Survivors talvez não dure além do hype, mas pra mim valeu essas 50 e tantas horas!


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