Há alguns dias o The Enemy reportou um comunicado que recebeu da Microsoft sobre o aumento do preço sugerido do Xbox Series S. O console, cujo preço no Brasil estava na casa dos R$ 2.650,00 passará a custar R$ 3.600,00 em valores arredondados. Obviamente isso causou uma onda de repúdio nas redes sociais, afinal é um aumento súbito de quase R$1.000,00. Ainda mais num dos consoles que muitos consideravam ter o melhor custo-benefício dessa geração. Assim tivemos várias reações de que o Xbox estaria subindo no telhado no Brasil.
Como alguém cujo gosto para jogos não está muito alinhado a atual geração, essa medida não me afeta. A chance de eu comprar um console moderno é a mesma de eu passar a gostar de roguelikes. Quem me acompanha sabe que isso é virtualmente impossível. Morte ao roguelike! Ok, foco agora. Apesar disso, como meus pais me deram educação, eu simpatizo com a frustração daqueles que tinham planos para adquirir o console. A gente sabe que vídeo game especialmente no Brasil nunca foi muito acessível e essas decisões só contribuem para deixar a comunidade mais elitizada do que já é. Só que não foi disso que eu vim falar hoje.
Por ser um aumento largamente considerado abusivo, muita gente da mídia gamer questionou e criticou a Microsoft nos seus veículos e redes sociais. Foram dias conturbados. Uma parcela tentava confirmar a informação com a própria marca que se manteve em silêncio por um bom tempo. Outros já escreviam eulogias para o Xbox. Teve até um movimento para levantar a tag KeepSeriesSAliveInBrazil numa tentativa de pressionar a empresa voltar atrás dessa decisão. Ao que tudo indica, infelizmente não deu certo. EDIT: ao que tudo indicou não deu certo mesmo! E quando os ânimos estavam esfriando, a contragosto, surge algo para incendiar o público de novo.
O fotógrafo Nelson Alves Jr. há poucas horas lançou um tweet dizendo que tinha recebido a informação de alguns de seus contatos pessoais. Segundo ele, a XboxBR estaria recolhendo os consoles cedidos às redações de veículos gamers que questionaram o aumento do preço do Xbox Series S. Um tempinho depois, essa informação foi confirmada pelo Ariel do Combo Infinito. E aí que a gente entra na principal questão desse texto.
Vejam bem, essa história ainda não foi confirmada publicamente por muita gente além do Ariel. O que temos são comentários como o do Nelson que dizem que a informação veio de pessoas de confiança. E não estou dizendo isso para por em xeque as palavras deles, até porque eu não tenho a menor dúvida que isso esteja acontecendo. Meu ponto é que provavelmente muita gente não vai mesmo confirmar porque não quer correr o risco de se queimar no processo. Essa questão da XboxBR ressalta um problema fundamental do cenário veículos de comunicação brasileiros.
Se tratando de jornalismo gamer o que não faltam são críticas. Críticas bem embasadas já nem tanto! No que tange especificamente ao contexto brasileiro, uma questão que se levanta com certa recorrência é como nossos veículos servem mais para fins de publicidade e assessoria de imprensa do que jornalismo de fato. Isso não é um fenômeno de agora e se perpetua estruturalmente. Me recordo que no mês passado o jornalista Rique Sampaio fez uma espécie de “thread desabafo” com algumas reflexões suas sobre a situação de quem quer trabalhar com comunicação na área de vídeo games. As perspectivas não são nada animadoras, seja para o atual presente quanto para o futuro próximo e talvez distante também.
Na minha condição de palpiteiro – afinal estou longe de ser um especialista na área – entre os muitos fatores que contribuem para essa precarização da mídia gamer brasileira está em como esses veículos são fortemente dependentes da boa vontade das empresas. E esse lance da XboxBR lança uma luz em quão profundo vai essa dependência. Pelo que podemos ver, até mesmo os equipamentos de trabalho precisam ser emprestados por elas. E notem a palavra: emprestados, não doados. Ou seja, existe algum contrato estabelecido para que a empresa tenha possibilidade de reaver os consoles. Isso deixa evidente o jogo de poder – unilateral – que rola por trás dos bastidores.
Então eu não tiro razão daqueles que apontam que jornalismo gamer brasileiro é publicidade. Porém eu acho essa uma acusação muito ingrata, pois não é como se alguns desses veículos agem maliciosamente para ganhar benefícios. Eles acabam tendo que fazer isso porque caso contrário não tem como produzir conteúdo. Ah sim! Também não quero dizer que todos os veículos são coitados, até porque existe muita crocodilagem com funcionário mal pago e usado como produto descartável nesse cenário. O que eu acho é que o gamer foca suas energias no alvo errado e tratam como se esses veículos gozassem de orçamentos milionários para cobrir vídeo game.
É que nem quando debocham de jornalista ou um pequeno criador de conteúdo quando eles dizem que não vão fazer review de determinado jogo porque o estúdio não enviou as chaves do jogo. Várias pessoas gostam de apontar dedos e usar termos como “mendigo de key”, um comportamento que considero derivado de muita ignorância e ressentimento. Existe uma percepção errada que trabalhar cobrindo vídeo games é moleza, afinal você ganha “dinheiro jogando”. Algo que está longe da realidade até de muitos streamers relativamente conhecidos.
Chaves não são mimos, para muito desses profissionais elas são a única forma de eles conseguiram produzir conteúdo que atraia atenção do público. Ou vocês acham que dá para manter um site só reportando data de lançamento de jogos e qual foi o score do Metacritic deles? E não tem essa de que é só comprar. Adquirir jogos nesse país é complicado e isso afeta de jogadores até a mídia. Inclusive os independentes.
Vou falar do meu caso pessoal. Acho que dá para chamar o Backlogger de veículo de comunicação só que na forma de um blog pessoal. Dando uma olhada rápida nas coisas que eu escrevo percebe-se que não existe necessidade de eu correr atrás de chaves para falar de joguinho. Primeiro porque, mesmo tentando entregar textos da melhor forma que eu posso fazer, eu trato isso como um hobby então eu não me cobro tanto em produzir conteúdo. E segundo porque eu uso esse espaço para falar de coisas que eu quero discutir sobre vídeo games e outras mídias, não necessariamente do hype do momento.
Porém ainda assim eu tenho minhas limitações na hora de escrever alguma coisa. Eu adoraria vir aqui falar de TMNT: Shredder’s Revenge, Sea of Stars, Blasphemous 2, Trek to Yomi e outros jogos. Porém eu não faço porque eu não tenho dinheiro o bastante para comprá-los. Tenho minhas obrigações mensais, de contas e prestações de coisas que comprei para mim, além de ter que guardar algum dinheiro para garantir um futuro mais ou menos confortável para mim. Não posso me dar esse luxo de sair comprando jogos, até mesmo durante promoções, porque senão eu ferro todo o meu controle financeiro. Meus textos de Hades, Dave the Diver, Brok: The InvestiGator e Return to Monkey Island só existem porque felizmente eu tenho bons amigos que me deram esses jogos de presente.
Agora se isso já é complicado para mim, apenas um cara qualquer falando das coisas que ele gosta no blog dele, imagina como é um veículo, ainda que pequeno, que precisa cumprir suas obrigações com seus funcionários? E como falei, muitos deles que além de mal pagos e não tem qualquer perspectiva para um futuro nas suas carreiras? Não deveria ser assim, mas o mundo não é um mar de rosas. Eles acabam tendo que abaixar a cabeça e evitar pisar no calo de algum estúdio ou empresa que pode dificultar muito o trabalho deles num piscar de olhos.
Se tem algo que a atitude da XboxBR nos mostra é a dificuldade de se ter um jornalismo real de vídeo games no Brasil. Não só pela falta de recursos, mas também pelo quão fácil é para uma empresa censurar nossos veículos. Não precisa fazer nem muita pressão, é só parar de enviar chaves ou dizer que vai pegar o console de volta e pronto. Vai ter muita gente que depois do episódio de hoje vai pensar duas vezes antes de fazer um artigo questionando uma decisão de uma empresa.
E sabe o que mais me irrita? É que ainda tem trouxa adorador de pedaço de plástico rindo como se isso fosse uma vitória da comunidade. Só porque isso está “ferrando com esses jornalecos que só sabem criticar a marca”. Caralho, colega! A empresa acabou de botar uma trolha de mil reais em você e seus coleguinhas gamers e tu acha realmente que quem saiu perdendo foram os jornalistas?
Jesus, me dê paciência! Porque se me der força eu vou partir para a agressão!
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