Porque Contos do Dia das Bruxas é o melhor filme de Halloween

Contos do Dia das Bruxas (Trick 'r Treat) uma dos maiores clássicos modernos do Halloween
G.O.A.T

O Brasil não tem a mesma cultura do Halloween, ou Dia das Bruxas, que estamos tão familiarizados pelas séries e filmes norte-americanos. Porém existe uma tradição que podemos dizer que é universal: a de assistir filmes de terror em outubro. É nesse mês que pintam dúzias de artigos e vídeos com recomendações dos melhores filmes para se assistir, seja no dia do Halloween ou durante o mês todo. Mesmo que seja um formato manjado, é sempre uma boa oportunidade para conhecer mais o gênero de terror no cinema. Então vim aqui colaborar com a tradição e deixar a minha sugestão.

Só que não vim falar de qualquer filme. Vim recomendar o MELHOR filme para se assistir no Halloween que é uma afirmação que eu sustentarei até o fim dos tempos. Ou até surgir uma opção melhor. Falo de Contos do Dia das Bruxas (Trick ‘r Treat), um filme de 2007 que criminosamente recebeu nenhuma sequência em 16 anos. Não falo isso só porque ele é um excelente filme halloweenesco, mas sim por causa do seu formato permite criar sequências virtualmente infinitas.

Contos do Dia das Bruxas é uma antologia com quatro – cinco se contarmos o prólogo – pequenas histórias de terror. Esse é um formato centenário no cinema e que o o gênero de terror em particular explora há muitas décadas. Por exemplo, até então a antologia mais antiga que eu havia assistido era o o clássico italiano Black Sabbath (I tre volti della paura) feito por Mario Bava em 1963. Recentemente acabem vendo Na Solidão da Noite (Dead of Night), antologia de terror produzida lá nos anos 40.

O formato permanece vivo até hoje – não apenas no terror – e gerou alguns títulos que são moderadamente populares. Por exemplo, na década de 80 teve o clássico Creepshow, projeto feito pelo George A. Romero. Quarenta anos depois o Guillermo del Toro lançou na Netflix uma série de oito episódios chamada O Gabinete de Curiosidades. Entre esses dois existe não posso deixar de citar V/H/S, um projeto criado por Brad Miska em 2012. Hoje V/H/S virou uma franquia bem ativa que conta com seis filmes de antologias, mais alguns spinoff e uma minissérie.

"Safe Haven", considerado um dos melhores curtas já produzidos na franquia de antologias de V/H/S
“Safe Haven”, um dos melhores segmentos de toda a franquia de V/H/S. Procurem especificamente esse e assistam!

Entre todos os exemplo citados, Contos do Dia das Bruxas permanece como o meu campeão. O principal motivo para mim é a forte unidade que as histórias desse filme tem entre si. Óbvio que podemos dizer que em Creepshow há uma unidade estética. Ou então dá para pegar Relatos Selvagens, filme argentino de 2014 de Damián Szifron, onde existe um tema em comum entre todas as histórias. Porém nesses dois exemplos cada curta existe no meio que no seu próprio universo. Em contrapartida, todos os segmentos de Contos do Dia das Bruxas encontram-se na cidade fictícia de Warren Valley e as histórias ficam interligadas. Por isso que ao contrário dos outros filmes em que você consegue analisar cada curta separadamente, aqui você não tem tanta liberdade.

Essa unidade é o que fortalece o filme como um todo e parte da razão que eu o revisto praticamente todo ano. Há outros motivos também, é claro. Gosto muito da é notável a paixão e respeito que Contos do Dia das Bruxas tem pelo terror como gênero. Não apenas no cinema, mas como também em outras mídias, sejam elas séries, literatura e até mesmo histórias em quadrinhos. Contos do Dia das Bruxas é também um filme que contém o “espírito” do Halloween, figurativa e literalmente, e somado as suas outras qualidades é o que o torna uma escolha tão perfeita para a época. E agora explicarei todos os motivos.


AVISO

O texto estará RECHEADO de spoilers porque não tem como discutir a grandiosidade de Contos do Dia das Bruxas sem falar de aspectos específicos da sua história. Então se você continuar daqui para frente, assumirei que ou você já assistiu ou não se importa em saber de detalhes da trama.


TERROR PARA TODOS OS GOSTOS

Abrindo o filme bem demais!

No meu texto de Pumpkin Jack eu classifico o jogo como “para toda família” por conta sua capacidade de falar com diferentes gerações. Contos do Dia das Bruxas tem uma qualidade similar. A diferença é que o filme conversa com diferentes públicos. Óbvio que não é nenhuma exclusividade desse filme, afinal toda antologia de terror vai explorar diversos dos seus subgêneros. Mas como as histórias dele possuem uma conexão maior do que o habitual de uma antologia, há um sentimento mais acolhedor no filme como um todo. Sem contar as referências. Contos do Dia das Bruxas sempre alude a algum filme, série, quadrinho, etc; que cria uma familiaridade com diversas fanbases diferentes.

Por isso que acho que seria uma boa abrimos a discussão falando sobre cada um dos segmentos do filme e destacando as referências que cada um faz. Ah, eu escolhi traduzir o nome de cada segmento ao meu modo, beleza?

1. EMMA (PROLOGUE):

Prólogo do filme Contos do Dia das Bruxas

O filme abre com o casal Emma e Henry chegando do desfile de Halloween da cidade. Emma não é muito fã das festividades e não vê a hora dessa noite acabar. Tanto que ela decide tirar todas as decorações de uma vez.

Isso causa uma pequena discussão com Henry, já que Emma apaga os famigerados jack o’ lanterns – aquelas abóboras com caretas que vemos em tantos filmes – contrariando a tradição local de deixá-los acesos até meia-noite. Enquanto o casal discute, nós ficamos cientes de uma terceira figura que os observa do outro lado da rua. Aqui existe uma referência bem clara a Halloween, de 1978, o maior clássico da filmografia de John Carpenter. Segundo maior na verdade. No meu coração o primeiro sempre será Aventureiros do Bairro Proibido (Big Trouble in Little China).

Depois de um tempo, a figura ataca e mata Emma e assim temos uma breve noção da estatura do assassino que parece mais uma criança. É impossível não pensar em Chucky dos filmes de Brinquedo Assassino (Child’s Play) que foi tão popular nos anos 90 e voltou atualmente com uma série. O misterioso assassino possui uma arma excêntrica, um pirulito com formato de adaga curvada. Todos esses detalhes deixam mais do que óbvio que o prólogo é toda uma referência ao gênero dos slashers.

Mas não para por aí. Não sei se deram play no vídeo que linkei ali em cima, são os créditos de abertura de Contos do Dia das Bruxas. Eles prestam homenagem as histórias em quadrinhos de terror da década de cinquenta, que admito que nesse caso meu conhecimento é só pelos nomes, como: Tales from the Crypt, The Haunt of Fear e The Vault of Horror. O importante aqui é ver como em poucos minutos o filme já passou várias décadas diferentes. Pode passar batido para boa parte da audiência, mas quem é fã de terror com certeza vai perceber e apreciar esses acenos.

2. DIRETOR WILKINS (PRINCIPAL):

Diretor Steve Wilkins, um dos personagens principais em Contos do Dia das Bruxas

Após os créditos, entramos na nossa primeira história de Contos do Dia das Bruxas. Bom, não é exatamente a primeira, porque personagens de um outro segmento aparecem antes. Porém essa é a primeira das histórias que o filme desenvolve e conclui.

A história abre com um menino, Charlie, que passa pelas casas derrubando e esmagando todas as lanternas que encontra. Então ele chega numa casa cujo dono parece ter saído. Do lado de fora tem uma cesta com alguns doces e um aviso para que peguem apenas um por criança. Charlie ignora a placa e estava prestes a roubar todos os doces quando é interrompido pelo diretor Steven Wilkins. Personagem este que não poderia ter um figurino menos caxias com seus óculos de armação grossa e camisa presa dentro da calça. Wilkins senta ao lado de Charlie na sua varanda e dá um sermão no jovem, falando sobre o respeito aos costumes da noite de Halloween. Nesse momento que Charlie começa a passar mal e vomitar. Vem então a primeira revelação do filme onde o diretor confessa que envenenou os chocolates.

Aqui poderíamos imaginar que “Diretor Wilkins” também fosse seguir a mesma linha de slasher de “Emma”. Contudo o segmento tem um tom muito mais cômico que a abertura. Isso é uma característica que se repete no filme com várias pitadas de humor, mas é aqui que ela aparenta ter mais força. Portanto, eu considero que esse segmento alude ao filmes de comédia de terror, ou terrir que é um termo que não se ainda está em uso. Em “Diretor Wilkins” prevalece um humor negro e ao mesmo tempo pastelão, enquanto vemos o personagem se atrapalhando para esconder o corpo das suas vítimas. Isso porque toda hora alguém o interrompe: crianças pedindo doces, seu filho irritante e o cachorro do seu vizinho.

Vou deixar para falar dos temas no tópico seguinte, mas um que eu gostaria de ressaltar aqui – afinal ele aparece no próximo segmento também – é o da lenda urbana. Muitas das figuras que associamos ao Halloween são bem mais antigas, como as bruxas, fantasmas, vampiros, lobisomens, etc que datam de muitos séculos atrás. Já esse mito dos doces envenenados surge ali por volta da década de 60, que na história moderna é como se fosse ontem. Então acho bacana o filme adicionar esse elemento das lendas urbanas porque é um tipo de terror com que a minha geração cresceu e consegue se conectar bem. Ao que nos leva a próxima história de Contos do Dia das Bruxas:

3. O MASSACRE DO ÔNIBUS ESCOLAR (HALLOWEEN SCHOOL BUS MASSACRE):

Personagens em frente a pedreira no segmento de "Halloween School Bus Massacre"

Essa história se inicia no segmento anterior quando o trio de adolescentes Macy, Chip e Sara vão até a casa do diretor Wilkins para pegar doces e pedir uma das abóboras que ele talhou emprestada.

Os jovens estão envolvidos num misterioso “projeto” que vamos ter ciência mais a frente. Antes disso, eles encontram o quarto membro do grupo, Schrader, que foi procurar por mais abóboras e encontrou poucas. Por conta disso os quatro decidem recorrer a uma quinta pessoa, uma adolescente que Chip descreve de forma tão eloquente e politicamente correta como “Rhonda, a retardada”. A casa da jovem é cheia de abóboras porque ela é obcecada pela tradição do Halloween e acaba aceitando o convite do grupo para participar do tal projeto. Os cinco então se encaminham até uma velha pedreira que costumava estar inundada e lá que Macy, enfim, revela o que eles vieram fazer.

Ela conta a uma antiga história da cidade em que um grupo de oito crianças “problemáticas” – acho que o eufemismo deixa claro o que ela quis dizer – teria morrido naquele lugar. Diz a lenda que os pais dessas crianças estavam cansadas delas e por isso pagaram para o motorista do ônibus que as levava para escola se livrasse de seus filhos. Contudo um dos meninos se solta e acaba dando partida no ônibus que despenca da pedreira afogando todos. O único a escapar com vida é o motorista que teria desperecido depois.

A ideia de Macy é levar oito lanternas até o fundo da pedreira, cada uma representando uma das crianças falecidas, para prestar homenagem a memória deles. Porém… deixa isso para o próximo tópico!

Pois bem, “O Massacre do Ônibus Escolar” temos outra vez o conceito da lenda urbana aparecendo. Mas mais do que isso, a principal referência aqui são as séries teen de terror dos anos 90. Dá para citar os livros do R. L. Stine da série Goosebumps que tiveram a adaptação para TV de Histórias de Arrepiar e também Clube do Terror (Are You Afraid of the Dark?). Eu também poderia citar A Hora do Arrepio (The Nightmare Room), mas tenho quase certeza que sou a única pessoa no Brasil que se lembra dela. Considerando que Contos do Dia das Bruxas é de 2007, a inclusão dessa história provavelmente foi pensando nos jovens adultos da sua época que tiveram contato com essas séries.

Próxima história!

4. UMA FESTA SURPRESA (SURPRISE PARTY):

Laurie andando pela floresta no segmento de "Surprise Party"

No terceiro segmento temos Laurie, uma jovem de 22 anos que foi para Warren Valley com sua irmã e um grupo de amigas, todas fantasiadas para participar de uma festa no meio da floresta.

Todas as mulheres se mostram muito entusiasmadas para festa que é um evento anual que fazem viajando por vários lugares. Por outro lado, Laurie não parece muito feliz. Isso porque a todo momento ela é pressionada pela sua irmã e o restante do grupo para encontrar um “cara especial” para que ela tenha enfim sua “primeira vez”. Quem viu o filme entende o motivo das aspas.

Esse terceira história demora um pouco para ganhar tração em Contos do Dia das Bruxas. Ela fica diluída entre os outros dois segmentos então leva um tempo até a gente entender onde ela se encaixa. Isso vai acontecer quando já estamos ali pela metade do filme quando um novo personagem surge, um estranho que aparenta ser um vampiro. Nessa hora que identificamos com mais força os aspecto dos “contos preventivos” (cautionary tales) que sempre marcaram presença na ficção de terror. Isso já tinha sido indicado pela fantasia de Chapéuzinho Vermelho de Laurie e ao fim o segmento também adquire um pouco de terror gótico.

Só mais uma história para terminar!

5. SAM:

Sam, personagem de Contos do Dia das Bruxas que marca presença em todas as histórias do filme

No filme existe um personagem que faz uma aparição em todas as histórias: Sam. Não apenas no plano de fundo, como acontece com muitos dos outros. Ele sempre aparece numa posição mais ou menos de destaque.

Sam é a figura que mata Emma no prólogo depois dela apagar a lanterna. Em “Diretor Wilkins” ele aparece na porta de Steven para pegar doces. Ele surge ao fim de “O Massacre do Ônibus Escolar” andando pela pedreira. Em “Uma Festa Surpresa” ele está na clareira em que o grupo de Laurie está fazendo a sua festa. E no segmento que leva o nome do personagem, Sam aparece atormentando um velho ranzinza, o Sr. Kreeg.

Assim como Emma, o Sr. Kreeg não respeita muito as tradições de Halloween. Ele é representado como um velho muito do rabugento – o nome do cachorro dele é Rancor – que decide passar a noite queimando fotografias e assustando as crianças para ficar com seus doces. Por isso que ele acaba sendo punido pelo Sam que o ataca na sua casa. Não há nenhum grande mistério nessa trama, é uma típica história de monstro em que o personagem precisa usar de todos os recursos ao seu redor para sobreviver.

O segmento serve mais para entendermos um pouco do papel que o Sam representa não apenas no filme, mas como na cidade de Warren Valley. E existem muitas teorias sobre o que ele de fato é: a personificação do Halloween, uma espécie de espírito guardião da cidade, um monstro ou demônio que resiste por lá, etc. O filme não nos oferece muitas resposta e isso é bom porque a graça está em discutir sobre ele.


Com o fim de “Sam” a gente encerra todas as história do filme. Ainda tem um epílogo, não há muito que se comentar dele além de um último plot twist que não acrescentaria muita coisa para esse tópico.

Acho muito difícil existir uma pessoa que não se identifique com pelo menos um dos segmentos de Contos do Dia das Bruxas. Porque, apesar de serem apenas quatro, eles abrangem muitos gêneros do terror. De fato é terror para todos os públicos. A simplicidade das tramas também operam muito a favor do filme. Ela nos transmite uma sensação de estar reunido com um grupo contando histórias de terror a noite. Não tem como ser uma experiência mais hallowenesca do que essa.

E falando em contar histórias, aqui entra outro grande acerto do filme que é a sua narrativa

CONTANDO (BEM) HISTÓRIAS DE TERROR

Diretor Wilkins conversando com Charlie no segmento de "Principal"
Senta que é hora da historinha, Charlie!

Último aviso porque agora que virá uma tempestade de spoilers. Siga por sua conta e risco!

Se não me engano já disse em outro texto que o que faz diferença na ficção não é exatamente a história que você conta. O valor verdadeiro está em COMO você a conta. Por isso eu gosto muito do termo storytelling em vez da sua tradução, narrativa, porque passa o sentido apropriado: a capacidade contar histórias. Nesse contexto, Contos do Dia das Bruxas serve como um bom exemplo. Pois não são necessariamente as histórias que o tornam tão memorável. O que marca é como o filme decide contar cada história e também como cada uma delas agrega ao projeto como um todo.

Começando do começo com o segmento do diretor Wilkins. Para mim ele é o mais fraco quando comparado aos outros três. Entretanto ele tem um papel fundamental para filme. Primeiro porque é aqui que se estabelece o tom mais cômico. Segundo também porque na conversa com Charlie que o filme expõe dois dos seus principais temas, o respeito as tradições e punição. Várias das regras que serão importantes em outras histórias são apresentadas aqui. E terceiro vem a característica da subversão da expectativa que todos os segmentos tentando reproduzir ao seu modo.

Eu falei como o filho do diretor Wilkins o incomoda o tempo todo em que ele está tentando esconder os corpos no quintal. O garoto fica gritando da janela que precisa de ajuda para talhar o seu “jack o’ lantern” porque ele tem dificuldade em fazer os olhos. Já no finalzinho do segmento a gente vê que o personagem está a ponto de explodir. São os resmungos de Wilkins, a sua expressão e as jogadas de câmera nos levam a crer que ele já está farto do filho e pretende matá-lo. Vemos ele descer a faca sobre algo que sabemos que é uma cabeça afinal é mostrado sangue na ponta da faca…

… porém quando o ângulo da câmera muda, vemos o filho do diretor ainda vivo e sobre a mesa está a cabeça cortada de Charlie. O desfecho nos mostra o exato oposto que fomos levados a crer. Wilkins pode estar irritado, mas continua adorando seu filhos. E mais do que isso, ele já está treinando-o para ser seu sucesso e dar continuidade a essa “tradição familiar’.

Outra coisa que eu acho boa em “Diretor Wilkins” é a posição em que a história se encontra que beneficia a nossa experiência. É algo similar ao caso de “Sam” que encerra o filme como um bom capítulo de conclusão. Se o segmento fosse deixado mais para o fim, teria grandes chances de nos decepcionar porque seu plot twist não é grandes coisas assim e as funções que ele desempenha estão mais adequadas para o começo do filme.

Vou focar nessa ideia de posicionamento mais um pouco. Lembram que eu disse que “Diretor Wilkins” não é exatamente a primeira história a aparecer na antologia, certo? Não falo nem por causa do prólogo, é porque quem nós somos apresentados primeiros são as personagens de “Uma Festa Surpresa”.

Das três primeiras histórias, essa é a que é mais se divide pelo filme. E não tenho porque acha que isso não tenha sido intencional. Toda a história de “Uma Festa Surpresa” está sendo construída para a reviravolta no final e por isso que não existe nada de excitante acontecendo nas suas sequências iniciais. Bom, na verdade tem. Esse segmento tem os melhores diálogos de Contos do Dia das Bruxas, contudo você só percebe isso quando o assiste pela segunda vez com informações que obtém ao fim da história.

Diálogo entre as amigas de Laurie e dois figurantes no segmento de "Surprise Party"
Essa pequena troca de olhares ganha um seguimento todo diferente
quando você assiste o filme pela segunda vez

No início vemos apenas uma jovem moça sendo pressionada a ter sua “primeira vez” logo e não há nada mais interessante além disso. Somente quando surge a figura do vampiro que passa a seguir Laurie que nasce algum conflito no qual podemos nos investir. O figurino aqui também desempenha um papel similar ao do diretor Wilkins, enganando a audiência. A fantasia de Chapéuzinho Vermelho de Laurie dá uma grande inocência a personagem e por isso nos preocupamos muito com a sua segurança. Aí que o filme traz mais uma reviravolta quando a irmã de Laurie e suas amigas encontram um corpo envolvido pelo capuz, porém ao investigá-lo percebem que quem está ali é o vampiro. Numa segunda reviravolta também descobrimos que o vampiro não é nenhum desconhecido e sim o próprio diretor Wilkins usando dentes falsos para machucar suas vítimas.

Laurie surge logo em seguida toda ensanguentada, só que é o sangue do diretor. Assim que descobrimos que não só ela, mas como todas aquelas moças reunidas na festa não são exatamente o que aparentavam ser. Na verdade elas são lobisomens fêmeas e a “primeira vez” de Laurie se refere a primeira vez que ela irá consumir carne humana.

Aqui a história adquire uma ironia fantástica porque é uma segunda enganação que o filme faz conosco. No primeiro segmento a nossa primeira reação é achar Wilkins nada era do que um diretor almofadinha de uma cidade do interior quando na verdade ele é um psicopata. Atrapalhado, porém ainda muito desumano pois vai atrás das vítimas mais vulneráveis. Em “Uma Festa Surpresa” nos cometemos o mesmo erro de achar que Laurie é uma moça frágil quando na verdade ela é um dos seres mais perigosos do filme, tanto que é ela quem elimina um dos “monstros” anteriores.

Esse tem se tornado o meu segmento favorito de tão bem construído que ele é sem a gente se dar conta. Agora que já sabemos que as personagens são lobisomens, se você voltar e ver seus diálogos perceberá que vários deles adquirem um novo significado. É uma quantidade enorme de foreshadow que só é possível de conseguir com um roteiro bem feito, pensando nas histórias não como quadro independentes que seguem uma ordem linear, mas como peças essenciais de um mecanismo em operação.

Voltando um passo agora para o segundo segmento dos adolescentes, “O Massacre do Ônibus Escolar” realmente se desenrola como se fosse um típico episódio de Clube de Terror & Cia. Tira-se um tempo para conhecer os jovens e aprecio como o filme não exagera na representação deles para fazê-los irritantes. Nem mesmo os escreve como sendo muito descolados para as festividades locais. São adolescentes comuns, aproveitando uma noite de Halloween que eles acreditam ser comum e isso cria uma empatia pela garotada, pois te faz lembrar como era ser criança.

Por isso que a “traição” dos adolescentes é efetiva. Na segunda metade do segmento revela-se que toda aquela história de prestar homenagem as crianças mortas era balela. O que o grupo queria era fazer uma pegadinha de mau-gosto com Rhonda, que é explicitamente uma garota autista. Ou no linguajar eufemístico, “problemática”. Até então você interpretava aqueles personagens como jovens normais, principalmente Schrader que demonstrava ter uma certa afeição por Rhonda. Até mesmo no fim ele mostra um pouco mais de compaixão por ela, mesmo que tenha concordado com a “pegadinha”. Aí quando as crianças do ônibus voltam a vida e matam todo o grupo – exceto Rhonda que vai embora no elevador deixando-os para trás – a gente não vê como algo tão gratuito e vindo do nada. Faz parte da temática de punição que o filme aborda.

Rhonda, uma das personagens do segmento de "Hallween School Bus Massacre"
A mixagem de som dessa parte até hoje me dá arrepios. Confiram!

Lembrando que isso é um ponto apresentado na história do diretor Wilkins. Num raro momento de sinceridade, ele diz para Charlie como despreza o fato que as pessoas da cidade cada vez menos respeitam as tradições que foram feitas para protegê-las. O mesmo aconteceu com o grupo de adolescentes que em vez de prestar homenagem aos mortos, usam da história deles para atormentar uma criança que possuía um transtorno similar ao deles. É uma justiça poética. Macabra obviamente, mas poética.

Agora em “Sam” temos algo diferente no tema. O segmento começa como mais uma narrativa de punição, porém ao fim concluímos com uma redenção. Temporária, porém ela está lá.

Algo a se notar é como a história do Sr. Kreeg é a mais apagada em Contos do Dia das Bruxas. Enquanto todos os outros personagens vão se intercalando, ele só aparece brevemente em “Diretor Wilkins”. Chegamos até ver de relance um dos momentos no qual ele é atacado pelo Sam, porém depois ele meio que some tanto do filme quanto da nossa memória. E existe mais de uma razão para isso.

Primeiro, como todo o segmento é essencialmente uma longa sequência do Sr. Kreeg tentando se defender do Sam, ele condiz muito com o terceiro ato de filmes de terror onde o protagonista tem que enfim enfrentar o vilão. A posição de “Sam” aqui é adequada para concluir o filme causando uma excitação maior na audiência com um pouco mais de ação.

Porém em vez de terminar a história do Sr. Kreeg com Sam punindo-o como ele fez com Emma lá no prólogo, o destino do personagem vai na direção oposta. Por mero acaso, uma vez que tinha um chocolate que caiu na sua barriga quando Sam viria dar o golpe final. Assim ele interpreta como o Sr. Kreeg finalmente indo de acordo com a tradição local, o perdoa e assim ele sobrevive. Tanto que no epílogo o vemos entregando doces para as crianças que batem sua porta porque “aprendeu a lição”.

Essa escolha dá uma nova camada ao Sam, porque passamos a compreendê-lo com um pouco mais de nuance. Ele não é um monstro desalmado que mata qualquer um que vê pela frente. Quando ele encontra Rhonda, por exemplo, ele simplesmente segue com seu caminho. Em “Uma Festa Surpresa” ele observa enquanto Laurie e suas amigas devoram os homens que atraíram para a floresta. Porém ele não demonstra estar sentindo qualquer prazer ou felicidade pela cena. Ele apenas está lá. Porque o papel de Sam segue regras bem claras: se você desrespeita as tradições ele vai atrás de você, porém você ainda tem chance de se redimir e ele te deixa em paz.

O outro motivo para a história do Sr. Kreeg ficar relegada ao final é a última grande revelação do filme. Depois que o confronto com Sam acaba, a câmera se move até a lareira onde podemos ver o resquício de uma das fotos que ele queimava. Na foto vemos um Sr. Kreeg mais novo ao lado de ninguém menos do que as “crianças problemáticas” da lenda urbana do monstro. Ele quem era o motorista. O apagamento dessa história no próprio filme é um reflexo da própria vontade do personagem em querer esquecer e ser esquecido do crime que cometeu no passado.

Enfim estão contadas todas as histórias e acho que ficou bem claro como cada uma tem uma função específica e bem executada dentro do filme. Outra vez não irei discorrer sobre epílogo até porque já que spoilei essencialmente tudo de relevante na história, então vamos deixar esses minutinhos finais na surpresa caso alguém ainda não tenha visto.

Mas ainda falta um ponto que eu mencionei lá trás que talvez seja a característica mais forte de Contos do Dia das Bruxas.

O ORGANISMO PERFEITO DE WARREN VALLEY

Foto revelando que o Sr. Kreeg era o motorista da história contada em "Halloween School Bus Massacre"
Está tudo interligado!

Acho que todos aqui estão familiarizados com It – A Coisa. Talvez não com o original, um dos maiores livros até no sentido literal do Stephen King. Mas essa última adaptação, também existe a dos anos 90 com o Tim Curry, ajudou a apresentar a história para toda uma nova geração. Não sei se isso transparece tanto nos filmes, porém no livro a cidade fictícia de Derry é nitidamente construída para ser também um personagem na trama. Nesse sentido, o mesmo vemos com Warren Valley de Contos do Dia das Bruxas. Só que nesse filme se cria essa sensação pela forma com que todos os segmentos estão interligados.

Em antologias é bem comum o conceito da “overarching story” que se mistura “framing device”. No primeiro caso se refere a uma grande narrativa que é quebrada em estágios menores. Já o segundo é um técnica narrativa para se inserir uma história dentro da história. Por exemplo, o filme Na Solidão da Noite faz esses dois. Você tem a “overarching story” sobre um homem que chega numa casa e percebe que conhece todas as pessoas lá dentro porque ele tem sonhos recorrentes com todas elas. Isso também vira um “framing device” porque os outros segmentos do filme são histórias que os personagens contam para o protagonista.

Contos do Dia das Bruxas foge um pouco desse padrão. Não existe nenhuma história maior que é contata entre cada um dos segmentos e também não existe nenhum “framing device” para inseri-las no filme. Elas apenas existem em conjunto de forma que cada história frequentemente cruza as demais. Por isso que não dá tanto para analisar cada segmento como uma história independente.

O casal do prólogo, por exemplo, aparece ao longo do filme todo, às vezes no fundo da cena, outras em primeiro plano. E esse é apenas um dos elos. Outro que dá para citar é logo após os créditos de abertura onde aparece uma jornalista fazendo uma reportagem sobre as festividades de Warren Valley. A cena serve com o propósito inicial de nos apresentar brevemente a cidade. Mas lá para o fim essa cena ganha um novo significado pois no segmento de “Sam” o Sr. Kreeg aparece assistindo a reportagem na TV. Isso nos ajuda a criar uma linha do tempo para definir quando e onde cada história está acontecendo. Aqui tem outra conexão também porque os homens que acompanham a jornalista acabam sendo vítimas do grupo de Laurie.

O filme não precisava por todos esses detalhes porque eles não necessariamente deixam as histórias melhores, contudo eles tornam esse pequeno universo da cidade muito mais forte e orgânico. É a tal unidade que eu já repeti tantas vezes que torna essa antologia tão boa. Essas pequenas ligações não são apenas easter eggs para um telespectador atento aos pormenores, existe uma relação de causa e consequência também. O melhor exemplo é em “O Massacre do Ônibus Escolar” quando o Schrader encontra seus amigos ele diz que não conseguiu encontrar mais lanternas porque algum babaca esmagou todas as abóboras na rua de baixo. E quem é esse babaca? Charlie, o garoto que acaba por virar vítima do diretor Wilkins. Aqui a gente não apenas aprende que a história dos adolescentes acontece depois da diretor, como a ação de um personagem naquele segmento causa um efeito nesse segundo.

Também nessa parte tem outro detalhe inusitado a se destacar que é quando os adolescentes passam numa casa para pegar doces onde vê-se que está rolando alguma festa. A anfitriã os recebe completamente bêbada e enquanto entrega os doces tanto nós quanto os personagens notamos que tem uma orgia acontecendo ali. Esse fato não retorna em momento algum do filme e só é brevemente mencionado por Chip na cena seguinte. Então o que foi isso? Apenas inserção gratuita de sexo na história? Talvez sim, mas eu prefiro acreditar que o filme quer nos mostrar que existem dezenas de outras coisas bizarras acontecendo em Warren Valley que vão além daquelas histórias que vamos acompanhar. É uma forma de estimular sua imaginação e mostrar como esse universo é muito mais abrangente.

Toda vez que você revê o filme você capta mais desses detalhes. Por exemplo, um que eu percebi dessa última vez que assisti é que durante o flashback que mostra o ônibus caindo da pedreira, há um close no rosto do motorista. Nesse momento vemos que ele ficou com uma marca na bochecha por causa da queda. Durante a história de “Sam” há também um breve close no rosto do Sr. Kreeg em que podemos ver uma cicatriz no exato lugar que vemos no rosto do motorista. Mais uma vez o filme já está conectando histórias sem a gente se dar conta disso.

Sr. Kreeg, personagem do segmento de "Sam" que é revelado ser o motorista da história "Halloween School Bus Massacre"
A beleza está sempre nos detalhes

Nesse segmento também existe um detalhe que o doce que salva o Sr. Kreeg nós vemos uns minutos antes dando uma mordia. Porém ele faz uma careta, cospe o pedaço como ele estivesse estragado e deixa o restante em cima da sua mesinha. Após o que aconteceu com Charlie é seguro assumir que aquele doce era mais um dos chocolates envenenados que o diretor Wilkins estava distribuindo, contudo o Sr. Kreeg foi esperto o bastante para perceber que havia algo de errado no gosto.

E falando novamente do diretor e Charlie, quando os dois estão conversando ele menciona para o garoto que o seu pai lhe ensinou quando pequeno sobre as tradições do local. Uma delas é que deveríamos respeitar os mortos porque é nessa noite que eles visitam o nosso plano. E o que acontece exatamente na história seguinte? Os adolescentes desrespeitam o lugar no qual os jovens do ônibus morreram ao utilizá-lo para pregar uma pegadinha de mau-gosto numa menina autista e, vejam só, os mortos aparecem para punir o grupo.

A qualidade de Contos do Dia das Bruxas não está apenas em como ele conta as suas histórias, mas também em como ele é capaz de manter todas elas perfeitamente conectadas dentro do seu universo. Embora nenhuma delas dependa necessariamente da outra para existir, as relações estão ali para manter esse universo mais unido e coeso dentro de todos seus contos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Bom, não acho que exista qualquer coisa a adicionar aqui. Discorri até muito mais tempo do que eu imaginei que faria quando comecei a escrever esse texto. Tenho até medo de ver quantos minutos de leitura ele tempo.

Espero que tenha conseguido deixar claro porque Contos do Dia das Bruxas é uma das melhores escolhas para essa data. É um filme fantástico que cresce toda vez que você revê. Novamente acho uma tremenda injustiça não haver uma sequência, contudo tiro satisfação de existir um filme tão bom assim de Halloween. Então só para enfatizar mais um pouco:

Assistam Contos do Dia das Bruxas!!!

E isso é tudo pessoal!


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4 comentários em “Porque Contos do Dia das Bruxas é o melhor filme de Halloween”

  1. vocês estão de sacanagem, kkkkkk. Filme ruim pra caramba. E vocês escrevendo aí que ele não trm continuação, sendo que rem sim e o subtítulo dela é “Sam is back”. Hoje em dia, qualquer pessoa medíocre e desinformada ganha dinheiro na internet, né?

    1. 1. Você, no singular. Só uma pessoa conduz esse blog

      2. Bom, gosto é subjetivo. Mas é uma pena ver que você tem tão mau gosto para filmes

      3. Não, não existe sequência de Contos do Dia das Bruxas e não sei de onde você tirou essa ideia de “Sam is back”. Uma sequência foi anunciada em 2013, porém não foi pra frente. Mas o diretor continua tentando viabilizar um novo filme e tempo atrás ele falou que já tem algumas versões de roteiro prontas. Também tem um quadrinho chamado Trick ‘r Treat: Days of the Dead, que é mais uma spin-off do que sequência.

      4. Acredito que sua intenção é somente tumultuar, afinal a única desinformação passada aqui foi por você. Mas ok, meu blog é um espaço livre para se comentar de tudo. Inclusive bobagens como essa no seu comentário

      5. Sério, arranja um gosto melhor pra filmes!

      6. Olha, eu adoraria estar ganhando dinheiro na internet. Adoraria!

      PS: tive que ir atrás pra saber de onde você tirou essa baboseira de “Sam is back”. É uma fan art! Pô, colega. Chegou na internet ontem?

  2. eu assisti o filme ontem.. e achei ele muito bom. Fiquei meio confusa com alguns pontos e sua explicação me deu até vontade de assistir novamente… esse filme é muito bem feito e tem vários detalhes que só quem gosta de filme entende! obrigada adorei !!

    1. Olha… ASSSISTA DE NOVO! Real, é o mesmo efeito de quando você assiste O Sexto Sentido pela segunda vez e vai notando vários pontos que fazem todo sentido com a revelação final. A história da Chapéuzinho Vermelho em particular fica muito mais legal quando olha já sabendo o que vai acontecer

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