Não sei se ficou evidente, mas eu gosto um pouquinho de cinema. E dentro dessa área, eu diria que M. Night Shyamalan é um diretor que podemos chamar de, no mínimo, curioso.

A não ser em casos extremos como a sua adaptação de O Último Mestre do Ar – que eu pessoalmente classifico como uma ameaça terrorista cinematográfica – os filmes dele sempre estimulam algum debate. E não digo em relação aos comentários que seus filmes fazem, ou pelo menos menos tentam fazer, sobre o mundo em que vivemos. Falo de debater sobre os filmes em si. Mesmo que você não goste deles, é sempre divertido discutir alguma obra do Shyamalan. Desde o divisível A Vila até o bizarríssimo e autoindulgente A Dama na Água. Claro que de vez em quando ele solta um Depois da Terra que a gente prefere fingir que não existiu. Contudo, no geral, o diretor arrisca com alguns conceitos, que para bem e para mal, vale a pena de se conversar.

Esse ano ele lançou o seu mais recente longa-metragem: Batem À Porta. E o trailer, tal como a premissa do filme, chamou a minha atenção na hora. Senti que haveria o potencial dos bons tempos de O Sexto Sentido, onde o Shyamalan pega essa roupagem de thriller psicológico para te empurrar um bom drama familiar. Porque por trás de todo o lance de ver pessoas mortas você tem um casal passando por problemas no relacionamento e uma mãe solteira tendo dificuldades de se conectar com seu filho.

Em Batem À Porta, Wen (Kristen Cui) está de férias com seus pais adotivos, Eric (Ben Aldrige) e Andrew (Jonathan Groff), numa cabana isolada no campo. As férias são interrompidas quando a família é abordada por um grupo de três estranhos armados (Rupert Grint, Nikki Amuka-Bird e Abby Quinn) e seu líder Leonard (Dave Bautista). Após invadirem a cabana e prender a família, Leonard revela que ele e seus companheiros foram atraídos aquele lugar por um propósito. Todos os quatro receberam visões apocalípticas do fim do mundo. E para impedir que ele aconteça, um dos membros daquela família precisa se oferecer voluntariamente como um sacrifício.

É o tipo de história que eu gosto porque confronta os protagonistas com um dilema terrível. A história não é o centro, mas sim as discussões que nascem a partir do conceito iniciar. E o interessante é ver como os personagens irão reagir ao dilema imposto. Portanto eu estava bastante empolgado para esse filme. Assisti no mês o passado e infelizmente me decepcionei!

Não é como se Batem À Porta não tenha qualidades. Até no pior filme do Shyamalan você consegue pontuar alguma coisa de positivo. Aqui, por exemplo, é a cinematografia. As jogadas de câmera criam um dinamismo tão bom que você nem para pra pensar que o filme se passa num único local, com exceção dos flashbacks. E tem também a atuação do Dave Bautista que pra mim é quem rouba os holofotes em cada cena que aparece. Os outros atores também são bem competentes, mesmo aqueles que são limitados pelo material do roteiro, mas é o Bautista que carrega esse filme.

Agora vamos ao que Batem À Porta tem de negativo:

O problema é que eu comprei a ideia do filme logo de cara. Como assim? Pela premissa vocês já imaginaram que o que sustenta a história, ou que deveria sustentar, é essa dúvida se Leonard e seu grupo estão falando sério. Será mesmo que o mundo está acabando ou é apenas um grupo de fanáticos religiosos numa histeria coletiva? Esse deveria ser o mistério que te mantém atento a cada segundo. O que alimenta a trama são as incertezas. Entretanto, pela direção que o Shyamalan tomou nesse filme, em momento algum eu tive qualquer dúvida se aqueles personagens estavam ou não dizendo a verdade. Você sente já desde o início que tem algo estranho no ar. Isso acaba com as dúvidas que o roteiro precisava que a audiência tivesse para ser efeito.

Todas as tentativas dos personagens de Eric e, sobretudo, de Andrew de dar uma explicação racional para os desastres, que acontecem ao se negarem a se oferecer como sacrifício, soam tão falsas. E não é porque os personagens internamente acreditam que aquilo tudo pode ser verdade. É o filme que não cria um ambiente propício para que esses questionamentos tenham qualquer validade.

Isso me fez, enfim, perceber um problema que eu tenho de longa data com o M. Night Shyamalan. Vem desde o dia que meu amigo me fez assistir Fim dos Tempos. Não cheguei a pensar muito nisso na época, mas a suspeita ficou guardada num canto da minha mente e foi aumentando a cada novo exemplo. Agora com Batem À Porta eu tenho plena certeza do porquê de vários dos filmes desse diretor não clicarem comigo: porque o Shyamalan não tem a menor capacidade de trabalhar com ambiguidade.

É a partir dessa perspectiva que eu gostaria de reavaliar algum dos seus filmes, só três para não estender muito esse texto. Além disso, pretendo usar esses exemplos para reforçar meu ponto que Batem À Porta falha exatamente por conta dessa limitação do Shyamalan. Mas talvez não seja nem uma limitação e ele conscientemente rejeita finais ambíguos para seus filmes. Isso fica a aberto a interpretação de cada um, coisa que Batem À Porta deveria ter feito.


ATENÇÃO

O texto a seguir conterá spoilers de vários filmes: O Sexto Sentido, Corpo Fechado, Sinais, Fragmentado, Tempo e Batem À Porta. No caso dos dois últimos, também haverá
spoilers sobre as obras originais das quais os filmes forom adaptados


ÀS VEZES NÃO SER AMBÍGUO FUNCIONA

"Eu vejo gente morta", frase icônica de O Sexto Sentido
O Sexto Sentido, 1999. Um dos poucos consensos que podemos
destacar na filmografia de M. Night Shyamalan

A melhor forma de iniciar essa discussão, ao meu ver, é com um contraexemplo. Pois existem horas em que essa falta de ambiguidade serve a favor do Shyamalan. Não existe uma escolha melhor dentro da sua filmografia do que aquele que é um consenso entre críticos e audiência sobre a sua qualidade: O Sexto Sentido. Tenho pra mim é a mais segura obra de se considerar uma unanimidade entre tudoque Shyamalan produziu. Esse foi o filme que o destacou como um diretor e criou um dos seus traços mais conhecidos que é o plot twist. Até hoje o filme é uma referência e frequentemente entra naquelas listas de melhores reviravoltas do cinema.

Pois bem, O Sexto Sentido é tão ubíquo nesse sentido que eu não preciso nem falar nada sobre ele. Quem não viu esse filme? Vocês já conhecem a história, já sabem do plot twist, sabem das excelentes atuações do Haley Joel Osment e do Bruce Willis e podemos todos concordar que é um filme do caralho. Então vamos partir para o que interessa.

Como todo bom thriller, o filme começa criando um certo grau de dúvida sobre a natureza dos eventos. Isso não é mandatório, mas deixar espaço para a interpretação que tudo aquilo pode ser o personagem enlouquecendo cria uma atmosfera instigante. Contudo, dá segundo metade até o final, não nos resta qualquer dúvida que o Cole vê de fato pessoas mortas. E nesse caso, não existir essas dúvidas é muito necessário para o impacto do plot twist que é descobrir que o psicólogo, Malcolm, havia morrido logo no início do filme.

É uma revelação chocante que ao mesmo tempo que te faz olhar pra tudo que tinha acontecido na história com outros olhos, é também imensamente satisfatória de um ponto de vista narrativo. Da mesma forma que o Malcolm consegue ajudar o Cole a aprender lidar com seus traumas, Cole o ajuda a finalmente fazer a passagem para o pós-vida. Não ter ambiguidade nesse história não atrapalha seus temas e fecha perfeitamente o arco desses dois personagens. Cole entende que seu dom não é uma maldição e ao contar tudo para sua mãe ela finalmente consegue se conectar com seu filho. E do outro lado da história, ao finalmente partir para o além, Malcolm consegue “libertar” sua esposa de toda a dor do luto que ela sentia e que a impedia de continuar sua vida.

Viu? Tudo bem fechadinho e satisfatório!

Aqui daria até pra mencionar outro filme do Shyamalan desse mesmo período que funciona muito bem sem ambiguidado: Corpo Fechado. Não existe qualquer dúvida que o personagem do Bruce Willis tenha capacidades físicas, e até psíquicas, sobre-humanas. E isso é necessário porque o diretor está discutindo ali a gênese de um herói e o que compõe o seu mito e sua essência. E mais uma vez rola outra reviravolta no final que, mesmo não sendo tão chocante quanto a de O Sexto Sentido, ela serve ao seu propósito.

Só que aí o Shyamalan se empolgou!

A MANIA DO PLOT TWIST

Imagem promocional do filme Tempo (2021)
Tempo, 2021. Um dos mais recentes filmes de M. Night Shyamalan, baseado na graphic novel franco-suíça, Castelo de Areia.

Com o passar do tempo, os filmes do Shyamalan passaram a ser conhecidos pela sua tendência em usar, e eu diria abusar, de reviravoltas. A ponto que surgiu a piada que agora o plot twist de um filme dele seria não ter plot twist. Uma reviravolta não é um recurso ruim. Como tudo numa história, vai depender da forma como você a utiliza. Para o Shyamalan isso virou um problema porque por vezes parecia que ele só incluía uma reviravolta para ter uma no seu filme. Que é o exato caso de Tempo.

O filme é uma adaptação de uma graphic novel do autor Pierre-oscar Lévy, em colaboração com o ilustrador Frederik Peeters, chamada Castelo de Areia. Ela foi lançada aqui no Brasil pela editora Tordesilhas, então quem quiser conhecer basta procurar numa Amazon da vida aí. O filme e a graphic novel conta a história de um grupo de pessoas que se vê preso a uma praia que é afetada de forma diferente pelo tempo. 30 minutos ali equivalem a um ano. Os personagens são mantidos na praia por uma força misteriosa e, incapazes de escapar, são obrigados a testemunhar o envelhecimento acelerado e eventual morte de todos.

A história original discute temas pesados como mortalidade e envelhecimento, tal como a indiferença que o tempo tem com a nossa existência. Por isso o título original, Castelo de Areia, carrega um peso simbólico muito mais poderoso do que o escolhido para o filme que, em inglês, se chama Old. E a publicidade brasileira ainda deu um jeito de deixar mais óbvio e genérico.

A versão do Shyamalan vai na mesma linha do original até certo ponto e com as mudanças necessárias que precisam ser feitas quando você passa de uma mídia para outra diferente. Então todos os temas que vemos na graphic novel vão aparecendo aqui e ali no filme. Até que chega o momento dele meter o maldito plot twist. Em Castelo de Areia, temos uma sombria e desoladora conclusão na qual os últimos sobreviventes aceitam seu destino e simplesmente morrem, fechando o arco temático sobre o tempo e como a humanidade é tão perene em relação a ele.

Mas em Tempo, dois personagens que iniciam o filme como crianças e durante sua estadia na praia se tornam adultos de meia-idade, descobrem uma forma de escapar da ilha. O filme poderia acabar aí, dando um final mais esperançoso, e meia-boca, sem o mesmo impacto brutal da graphic novel. Só que o Shyamalan resolve ir um pouquinho mais além. Apesar da anomalia da ilha nunca ser explicada (ainda bem), o filme revela que o resort na qual os personagens tinham se hospedado trabalha para uma empresa farmacêutica que usa os efeitos de envelhecimento rápido da ilha para acelerar a pesquisa de remédios. E assim a história conclui com os dois personagens que escaparam da ilha revelando todo o esquema para a polícia.

Ai, Shyamalan… O que custa deixar um final em aberto? Hein?!

Não querendo defender isso, pelo menos essa reviravolta não estraga os temas que foram discutidos no restante do filme. Ela apenas dá uma conclusão conspiracionista tosca para a história e fica numa crítica fraca a indústria farmacêutica. Mas e quando a mania “reviravoltesca” do diretor acaba indo contra ao que ele foi construindo no filme? Nesse caso eu cito Sinais.

Sinais (2002), um clássico questionável de M. Night Shyamalan
Sinais, 2002. Esse exemplo aqui me machuca!

Sinais não goza da mesma unanimidade que O Sexto Sentido tem. Dependendo de quem você perguntar, o filme é ou brilhante ou uma completa idiotice. Eu tô mais ou menos ali no meio. Sinais para mim é o maior exemplo – na verdade era, agora eu acho que Batem À Porta serve como um exemplo melhor – de como o fato do Shyamalan não saber trabalhar com ambiguidade estraga as suas histórias.

Passando rapidamente pela sinopse, em Sinais temos Mel Gibson no papel de um ex-pastor, Graham Hess. O personagem perdeu a fé depois que sua esposa morre num acidente de carro há alguns meses. Ele vive numa fazenda com seu irmão ex-jogador de beisebol Merril (Joaquin Phoenix), seu filho asmático Morgan (Rory Culkin) e sua filha, que fica espalhando pela casa copos com água pela metade, Bo (Abigail Breslin). Depois que círculos estranhos aparecem não só na fazenda de Graham, mas como também ao redor do mundo, e somado a outros eventos estranhos que vão acontecendo, as pessoas entram numa enorme histeria pela possibilidade da Terra estar sendo invadida por alienígenas.

E, bom, estava mesmo!

No final é revelado que os alienígenas tentaram invadir a Terra, mas como o corpo deles reage ao contato com a água eles desistem. Porém, um último alien tenta pegar o filho de Graham e, por causa das várias coincidências que se acumulam no filme, Graham e o irmão conseguem derrotá-lo e salvar o garoto com vida. E, olha, eu não acho que existe uma outra reação possível a esse final que não seja: meu Deus, que coisa idiota!

O alien de Sinais
Aliens alérgicos a água. Meus parabéns, Shyamalan!

E não falo isso nem porque é uma história em que alienígenas resolvem invadir um planeta que 2/3 da sua superfície e composta pela substância que pode matá-los. É idiota pelo quanto isso destrói o que o roteiro vinha construindo a cerca dos seus temas. De certa forma é o mesmo erro que Batem À Porta comete, porém pior.

Sinais é um filme com uma pegada muito mais voltada para o Cristianismo do que para a ficção científica. É bem óbvio que tema principal aqui é a fé, especificamente pela busca constante de significados que deem algum sentido para nossa existência e também todas as mazelas que acontecem na nossa vida. E para uma história que lida com esse elemento, a ambiguidade é de extrema importância. Entretanto, quando o Shyamalan chega e nos releva que todas essas coincidências aconteceram para um único motivo, ele remove a mística da história, o seu mistério, a sua magia. Por querer dar uma explicação ele destrói a própria essência que o filme deveria se utilizar.

Porque então tudo vira factível e diminui o arco que o personagem do Mel Gibson. Ele não recupera a sua fé depois através e introspecção e uma reavaliação da existência humana através das lentes da espiritualidade que consegue lhe dar algum novo propósito na vida. Não! Ele recupera a fé PORQUE A PORRA DE UM ALIEN ALÉRGICO A H20 TENTOU MATAR O FILHO ASMÁTICO DELE!!!

Desculpem a falta de compostura, meu eu realmente odeio o final de Sinais.

E finalmente isso nos leva 2023 com Batem À Porta, onde mais uma vez a incapacidade do Shyamalan em lidar com questões filosóficas e existenciais com um pouco de subjetividade e abstração, o leva a tirar a força de qualquer discussão que história poderia levantar.

BATEM À PORTA E CHUTAM A DROGA DA AMBIGUIDADE

Batem À Porta, mais recente filme de M. Night Shyamalan
Só queria dizer mais uma vez que o Dave Bautista é a estrela desse filme

Batem À Porta é a execução da piada shyamalesca em que o grande plot twist é não ter plot twist. Ao final do filme fica bem explícito que, sim, o final do mundo estava em curso por ação divina. Acreditando então que o grupo de Leonard representava os Quatro Cavaleiros do Apocalipse, Eric resolve se oferecer como sacrifício para garantir que seu marido Andrew e a filha deles Wen tenham um futuro juntos. E assim, Andrew acaba dando um tiro nele pondo um fim… no fim dos tempos.

O filme não é prejudicado pela falta de alguma reviravolta. Na verdade eu acho até louvável que Batem À Porta se mantém fiel ao conceito apocalíptico do roteiro. O problema, como eu falei logo no início, é que em momento algum você duvida que o fim do mundo não esteja em curso. Já desde o começo o Shyamalan faz com que o filme tenha uma atmosfera que indica que algo estranho está ocorrendo. Em vez de tirar os primeiros minutos para nos dar algum senso de normalidade, conhecendo melhor Wen e sua família, o roteiro já insere Leonard falando com Wen e revelando que algo muito ruim vai acontecer. Antes de chegarmos aos 20 minutos de filme a cabana já foi invadida e os personagens amarrados. E aos 30 minutos a trama já foi toda explicada, só nos resta aguardar o desenrolar dos eventos.

Ao correr para chegar no ponto em que a escolha é imposta aos personagens de Eric e Andrew, Shyamalan não tira tempo para estabelecer a normalidade dentro do universo do seu filme. Numa decisão um tanto estranha, que eu ainda não consegui entender se foi consciente ou um erro de edição, uma das cenas mais básicas para o roteiro que é a família chegando a cabana para entendermos um pouco da dinâmica entre esses personagens só vem a parecer na metade do filme, quando toda a ideia de que o fim do mundo se aproxima já foi introduzida. Essas inserções parecem uma tentativa desesperada de nos fazer simpatizar com os personagens enquanto tenta trazer algo de real para esse mundo e duvidarmos de Leonard e seus companheiros.

Por isso que o Dave Bautista acaba sendo a melhor parte de Batem À Porta. Não apenas pela sua atuação, mas porque é o personagem dele quem traz um pouco de ambiguidade para trama. Isso vem na própria estética do figurino de Leonard que é essa massa de músculos que o Bautista é, contida por trás de uma roupa que parece ser de um contador todo caxias. O jeito que ele se expressa também causa esse estranhamento já que ele fala com tamanha polidez dizendo um coisa absurda que é pedir que alguém se ofereça como sacrifício para impedir que o fim do mundo aconteça. Só que essa ambiguidade deveria estar espalhada pelo filme e não concentrada num único personagem.

Decepcionado com o filme, eu resolvi então procurar mais sobre a obra original. O roteiro de Shyamalan é uma adaptação do livro O Chalé No Fim Do Mundo que foi publicado aqui pela Bertrand Brasil. E o que reparei é que até ali pela metade as histórias seguem bem parecidas, desconsiderando alguns detalhes como ordem dos eventos e coisinhas sem muita significância assim como a descrição do Leonard no original ser de um rapaz bem jovem.

As versões vão se distanciando mais quando Andrew consegue escapar e vai até o carro pegar sua arma. No livro, nessa parte ele acaba matando a personagem de Adriane, uma das companheiras de Leonard. No filme, nesse momento a personagem já tinha sido sacrificada pelo grupo então quem ele acaba matando é Sabrina. Porém a grande diferença aqui é que no original, durante um confronto com Leonard, a arma acaba disparando e matando também a pequena Wen. Um momento chocante que no livro serve pra alimentar as dúvidas e aumentar a tensão na trama pois Leonard diz que a morte dela não vai servir para impedir o fim do mundo já que ela foi morta acidentalmente e não como um sacrifício voluntário.

Antes de falar do final do livro, vou descrever o do filme. Sobrando apenas Leonard, ele fala para Eric e Andrew que eles terão apenas alguns minutos para impedir que o mundo acaba depois da sua morte. Então ele corta a própria garganta e Eric decide se oferecer como um sacrifício, já acreditando em tudo que aconteceu. Andrew que embora estivesse relutante para aceitar a realidade, atira em Eric e deixa cabana junto de Wen. No final eles chegam a uma lanchonete onde um jornal mostra que todos os desastres que estavam ocorrendo até horas atrás simplesmente pararam. E assim Andrew e Wen vão embora de volta para casa.

No livro não é assim.

Como Sabrina ainda está viva nessa versão, depois que Wen morre ela decide abandonar seu dever. Então ela mata Leonard e decide levar Eric e Andrew para o carro no qual eles vieram. Chegando lá, ela entrega as chaves, pega uma arma que estava escondida, fala para Eric que ainda há tempo de interromper o fim do mundo e se suicida na frente deles. Eric aqui também se oferece como um sacrifício, porém Andrew não atira nele como na adaptação. Pelo contrário, além de impedi-lo ele argumenta que, mesmo que o mundo esteja de fato acabando, ele não irá obedecer a um deus que não considere a morte de Wen como o bastante. Sendo assim, os dois decidem ficar juntos e aguardar pelo fim. Ou seja, o livro deixa em aberto se o apocalipse foi real ou não.

Admito que o final do Shyamalan chega a ser um pouco sombrio. Afinal Andrew e Wen tem que seguir a vida sabendo que o mundo está a mercê de uma divindade que exige que sejam feitos sacrifícios para que a Terra não seja destruída e permitiu que a família deles fosse destruída, além de fazer 4 estranhos se matarem por essa causa. Porém não sinto o mesmo impacto emocional que o livro tem.

O subtexto com o casal gay é muito mais pungente no livro, porque ali Eric e Andrew mantém o direito do seu amor até o fim. Ele se recusam a deixar de ser uma família pela exigência de uma força externa, ficando firmes na posição que o mundo em que não aceita que eles vivam juntos é um mundo no qual eles preferem não fazer parte. É um comentário bem contundente a homofobia que ainda se mantém em setores da sociedade moderna que, apesar de pessoas afirmarem categoricamente que não tenham preconceito com pessoas LGBTQI+, ainda existe uma grande resistência em deixar que essas pessoas consigam expressar o seu amor e até formar uma família.

O filme do Shyamalan até tem um pouco disso, mas no final ele acaba indo contra o que a história está tentando dizer e se perde na sua própria mensagem – se é que ele tinha alguma – por não saber ou por não querer lidar com um desfecho ambíguo.

Na sua versão, Shyamalan cria um roteiro em que para Andrew conseguir ter uma família ele precisa abdicar de seu parceiro. O filme, invariavelmente, acaba reforçando um velho tropo conhecido como Bury Your Gays, onde personagens não-heterossexuais tem uma tendência maior em ser mortos. Mas no caso, o que o Shyamalan “enterra” não são necessariamente os personagens homossexuais e sim o amor que existia entre eles. O personagem gay, um deles pelo menos, sobrevive ao custo da vida seu parceiro. É quase como o filme falasse “tudo bem ser gay, só pode se relacionar com ninguém”.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Cena do filme Batem À Porta
Sinto que Shyamalan estava bem intencionado no seu filme, mas acaba
se atrapalhando nas suas próprias visões

Só para deixar claro por causa do meu último ponto, eu não acho que o Shyamalan cometeu esse erro propositalmente. Estou dando o benefício da dúvida que ele apenas se atrapalhou na mensagem e tudo foi uma consequência das escolhas que ele toma em seus roteiros para evitar que as histórias fiquem ambíguas.

Não seria a primeira vez que ele não pensa direito nas implicações da sua história. Sinais tem isso, mas um exemplo melhor me foi apontado recentemente com o filme Fragmentado. Ao final do filme, a Fera só deixa a personagem da Anya Taylor-Joy escapar porque percebe que ela foi abusada. A implicação aqui é que houve uma “boa” razão para ela ter sofrido um abuso quando criança, afinal no futuro isso salvou a vida dela. Que é o mesmo raciocínio torto que ele fez em Sinais e acaba afetando Batem À Porta também.

Enfim, eu vejo os tropeços dos filmes do M. Night Shyamalan como uma consequência inevitável da sua incapacidade de ter uma história que acaba de maneira ambígua. Assim nos terminamos com um filme que parece estar querendo provocar alguma discussão, mas se atrapalha nos seus próprios ideais e no final só consegue entregar mais um desfecho decepcionante que seus filmes tem apresentado há décadas.


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