De uns anos para cá, principalmente depois de conhecer o Savino do canal The Flying Kick, eu voltei a me inteirar um pouco sobre esse universo dos beat’em ups. E mais recentemente eu me aventurei um pouquinho, bem pouquinho, na comunidade de OpenBOR. Mesmo eu não podendo me classificar um entusiasta do gênero, o tema de beat’em up volta e meia ressurge aqui. Seja por meio de um artigo ou na forma de uma crítica de algum jogo. Hoje, mais uma vez, o beat’em up marcará presença no blog graças a Caverna do Dragãode novo!

Zvitor é um desenvolvedor independente brasileiro que atua bastante na comunidade de M.U.G.E.N fazendo jogos de luta ou criando personagens. Ele também tem seu pézinho na de OpenBOR com diversos jogos de beat’em up. No caso particular do Zvitor, ele geralmente faz fangames que homenageiam vários dos títulos clássicos, como seus jogos de Alien vs Predator e Golden Axe Returns, até outras propriedades intelectuais populares, como Justice League Legacy e Infinity War.


Todos esses jogos podem ser baixados gratuitamente no site do autor


O fangame de Caverna do Dragão foi um projeto iniciado lá em 2020 e cuja versão completa ficou pronta em 2021. Foi nessa época que eu fiquei conhecendo tanto o Zvitor quanto o jogo. Eu já o referenciei aqui no meu texto sobre curva de aprendizagem, mas nunca discorri muito sobre o fangame. Há alguns dias o Zvitor lançou a versão final de Caverna do Dragão, que ele já havia atualizado anteriormente nesses dois anos. Como eu estou tentando dar mais espaço para jogos brasileiros aqui no Backlogger, acho que é uma oportunidade mais do que válida de falar dele hoje. Mas antes disso, temos um elefante na sala para comentar brevemente.

A INFLUÊNCIA DA NOSTALGIA

Fangame de Caverna do Dragão, feito pelo Zvitor
Algumas coisas não dá para negar que surtem efeito no julgamento

Sempre que a gente vai falar de fangames tem um fator que devemos inserir na equação que é a nostalgia. Por mais que tentemos largar dos nossos vieses, a nostalgia é uma força muito forte para se ignorar. Ela vai, independente dos nossos esforços, com mais ou menos grau, afetar a nossa percepção sobre qualquer coisa que remeta ao nosso passado. Isso tanto positiva quanto negativamente dependo do tipo de saudosista que você é. Talvez seja por isso que esse fator nostalgia é tão explorado conscientemente ou não nesses tipos de fangames.

HQ de Caverna do Dragão feita pelo brasileiro Reinaldo Rocha. Ela conta a história que faria parte do último episódio do desenho, Requiem, que nunca chegou a ser produzido devido o cancelamento da série, porém teve o roteiro original divulgado pelo por um dos roteiristas no seu site pessoal
Você encontra essa HQ para baixar em vários lugares pela internet. Aqui está um deles

Caverna do Dragão não seria diferente pois o desenho foi bem popular no Brasil. Diria até mais do que no exterior, pois aqui ele atravessou gerações. Eu nasci nos anos 90 e gente nascida tanto antes quanto depois de mim teve o desenho como parte da sua infância. Sendo assim, Caverna do Dragão está muito integrado no imaginário da cultura pop brasileira.

Podemos aqui lembrar aqui o sucesso que foi aquele comercial da Renault de 2019. Até hoje sonhamos com um filme da série por causa dele!

O desenho teve um impacto tão grande aqui que, antes mesmo existir aquela animação feita por fãs do último episódio que nunca foi produzido, Requiem, um brasileiro já tinha nos dado uma conclusão. Em 2011, o ilustrador Reinaldo Rocha criou um HQ desse episódio. Para isso ele usou como base no roteiro que um dos roteiristas do original, Michael Reaves, publicou no seu site pessoal.

Aliás, acho válido mencionar que em relação ao final de Caverna do Dragão o Brasil tem sua própria história. Antigamente circulava o boato que no último capítulo do desenho era revelado que os protagonistas na verdade tinham morrido na montanha-russa e estavam no Inferno. Tanto o Vingador quanto o Mestre dos Magos eram o Diabo que ficava enganando o grupo para que achasse que havia uma saída. E o Tiamat? O Tiamat seria na verdade um anjo que tentava avisar para as crianças que elas estavam mortas. O brasileiro se empolga!

A gente pode observar o quanto existe uma significativa nostalgia por Caverna do Dragão pelo canal do próprio Zvitor. Até hoje o trailer do fangame segue como o seu segundo vídeo mais visualizado. Está na frente até mesmo do trailer do Infinity War que ele fez no auge do MCU. Eu sou uma dessas pessoas que divide um pouco de saudades pelo desenho. Até porque eu sempre fui aficionado pela temática de fantasia medieval. Não vou chegar ao ponto de dizer que sou um grande fã, mas foi sim uma das animações que eu mais gostava de assistir naquela época.

Indo além do desenho, pode-se dizer que tem uma camada dupla de nostalgia associada ao fangame. Ao mesmo tempo que ele presta homenagem a Caverna do Dragão, o jogo também puxa muitas ideias e sprites de clássicos do arcade dos anos 90. O mais fácil de identificar é The King of Dragons que tem uma influência direta na sua jogabilidade. Mas também podemos notar que Knights of the Round e Golden Axe foram duas outras importantes inspirações para o Zvitor.

Portanto não vou negar que, embora eu tente me distanciar dessas memórias afetivas ao falar das coisas aqui, a nostalgia vai afetar em algum nível a minha visão sobre o jogo. Mesmo assim eu acredito, ou ao menos quero acreditar, que Caverna do Dragão tem muito mais a oferecer do que aplacar o saudosismo por um desenho (e jogos) querido da nossa infância.

MAIS DO QUE APENAS NOSTALGIA

As três campanhas do modo história de Caverna do Dragão
Nas suas últimas versões, Caverna do Dragão adicionou novas campanhas para o modo história

O maior indicativo que temos de como Caverna do Dragão não foi desenvolvido apenas visando a nostalgia do público “oitento-noventista” é como o Zvitor, ao longo desses dois últimos anos, continuou trabalhando no fangame. Possivelmente é um dos projetos que ele mais se dedicou para completar. De 2021 para cá muitos ajustes, correções e adições foram incluídas na versão original. Duas campanhas extras no modo história, novos personagens, novos chefões, fases levemente remodeladas, etc. Isso tudo em cima de um jogo base que já funcionava bem por si só.

Obviamente que o jogo está lotado de referências ao desenhos. Muitos dos personagens e vilões mais icônicos marcam presença aqui, seja na forma de chefões ou de personagens jogáveis. Então, nesse quesito o fã não vai dormir de barriga vazia. Mas e pra quem não é fã? O jogo se sustenta para além da nostalgia? Eu diria que sim!

Em jogabilidade, como eu havia dito, o que vemos aqui é algo similar a The King of Dragons. Isso é tanto para os recursos gráficos quanto para as mecânicas principais. Caso alguém aqui não conheça, The King of Dragons foi um beat’em up de 1991 que veio no boom dos arcades. Ele se diferenciava por ter um sistema simples de evolução de personagem tal como num RPG. Os personagens passavam de nível, o que aumentava sua barra de HP, derrotando inimigos e também encontravam upgrades para suas armas e vestimentas. No caso de Caverna do Dragão, o Zvitor eliminou a experiência, porém manteve os upgrades que melhoram uma habilidade específica do personagem que os pegarem.

Comparativo com a jogabilidade de The King of Dragons e Caverna do Dragão

Aqui entra outra influência que foi mantida de The King of Dragons que é a noção de classe de personagens. Cada um dos protagonistas do desenho – Diana, Hank, Eric, Presto, Sheila e Bobby – tem um estilo de luta e atributos próprios. Isso se estende aos novos personagens das outras campanhas, que contam com Mestre dos Magos e outros personagens populares como Sir John e também com o Vingador e seus aliados. Mas para os fins desse texto eu focarei apenas nas crianças protagonistas.

Diana, por exemplo, é a mais veloz dentre os personagens além de ter pulo duplo. Bobby tem muita força enquanto Eric tem muita defesa, sendo até capaz de refletir projéteis. Hank é ótimo para combates a longa distância, claro, e Sheila pode pegar os inimigos de surpresa com sua capa de invisibilidade e se esquivar de ataques. Até com Presto temos uma peculiaridade no jogo, que faz alusão ao personagem do desenho, já que suas magias tem chance de falhar. No ataque, todos os personagens tem um combo simples e mais dois ataques especiais de acordo com suas armas mágicas. Um pode ser usado a qualquer momento, como as flechas de energia de Hank ou o tacape de Bobby que lança inimigos no ar. O segundo é um ataque mais forte, exceto no caso de Eric e de Sheila, que consome MP que se recupera com o tempo.

O que acho interessante na jogabilidade de Caverna do Dragão é que em vez de fazer igual ao The King of Dragons, onde você escolhe um personagem e segue com ele o jogo todo, aqui você tem a opção de alternar entre todos eles a qualquer momento no meio das fases. Com isso você consegue se ajustar melhor pra diferentes situações, sobretudo os chefões onde determinados personagens são bem mais úteis que os demais. Um exemplo é logo no começo quando você enfrenta o Merlin e o escudo do Eric torna a luta absurdamente mais fácil.

Vários chefões de Caverna do Dragão
Tem pau pra toda obra

Aí eu acho que reside o grande problema de Caverna do Dragão: ele não é particularmente desafiador. Talvez até seja porque eu estava acostumado com as fases e os chefões já que joguei a versão original. Mesmo assim, tem muito item de cura e vidas extras de forma que você não precisa se preocupar em levar um game over. Fora que tem chefões que você consegue “queijar” facilmente com ataques a longa distância como é o caso do Warduke.

Para não deixar que a gameplay seja apenas bater nos monstros, o Zvitor coloca um outro desafio. Ao longo das fases, fazendo outra alusão ao desenho, o Mestre dos Magos aparece te dando pistas de pedaços de mapa que você precisa coletar para conseguir entrar no castelo do Vingador. Não é particularmente difícil entender as dicas, porém se você não estiver prestando atenção pode deixar algum pedaço passar despercebido. Aqui eu também tenho uma leve rusga com o fato que você recebe uma dica fundamental para conseguir o final verdadeiro, que te leva a uma luta contra o Tiamat, somente depois de derrotar o Vingador e assim tem que recomeçar o jogo todo de novo. Contudo, uma vez que você se acostuma com Caverna do Dragão, é fácil avançar nas fases rapidamente para chegar no verdadeiro chefão final.

Dá para pontuar outra implicância aqui e ali, mas dentro dos limites do que a ferramenta do OpenBOR te permite fazer, para mim o Zvitor entregou um ótimo fangame, que não apenas soube aplicar corretamente a nostalgia como também não se apoia unicamente nela.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Um dos finais do fangame de Caverna do Dragão
Finalmente de volta para casa… mas não com o final verdadeiro

Caso sejam novos por aqui e estão esperando alguma nota pro jogo, saibam que eu não faço isso. Não só não faço como acho o próprio conceito de dar nota ridículo. Uso as considerações finais apenas para reforçar todos os pontos que listei ao longo do texto.

Caverna do Dragão é um fangame muito bem feito. Tem todo o seu apelo nostálgico, mas agrega outros valores em cima disso. Não esperem desse jogo animações muito intrincadas e nem combos mirabolantes. Mas também não precisam subestimá-lo achando que encontrarão só o básico. Mesmo com alguns tropeços, é uma gameplay muito agradável e que entrega uma boa experiência para os fãs do desenho e também entusiastas do beat’em up.

Recomendo dar uma olhada nos outros jogos do Zvitor – que percebo agora que deveria ter chamado de Vitor nesse texto afinal ele é uma pessoa, mas enfim – como aqueles que citei lá atrás. Talvez no futuro eu venha falar de algum deles por aqui. E recomendo também a HQ de Requiem porque foi a conclusão ideal para série que me deixa feliz de ter sido desenhada por um brasileiro.


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2 thoughts on “Caverna do Dragão: nostalgia bem aplicada”
  1. Curto muito os jogos da Capcom The King of Dragons e Knights of the Round e claro o clássico Golden Axe da Sega. Adoro os fangames, pois além da nostalgia da animação… há também com os jogos mencionados que serviu de inspiração para o autor.

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