Pois bem, publiquei o conto abaixo uma década atrás na antiga Centro RPG Maker durante um evento de Halloween. Apesar de não ter uma seção de contos no blog, e não vejo razão por enquanto para criar uma, eu queria registrá-lo aqui. Então, aproveitando que estamos no mês do Dias das Bruxas, vou colocá-lo na seção de textos pessoais. Tenham uma boa leitura!


Uma vela na escuridão

01 de outubro de 2013

Janice se foi há 2 meses e eu continuo bebendo. Menos do que nas primeiras semanas, mas ainda muito mais do que eu deveria. Lisa ligou e disse que vem esse mês pra cá passar uns dias assim que Michael sair de férias. Não quero que ela me veja nesse estado, porém ela insistiu. Ela disse que tem grandes surpresas. Pareceu muito feliz, então é melhor não falar para ela que parei de tomar os remédios que o doutor me prescreveu. Não vi diferença. Pelo menos voltei a escrever, me ajuda a dormir.

02 de outubro de 2013

No trabalho é a mesma merda de sempre. Assalto na avenida principal, garotos vandalizam algum prédio público. Mas no final da tarde tivemos uma denúncia de violência doméstica. A esposa morreu… Droga, preciso de uma bebida!

03 de outubro de 2013

Ontem a cerveja acabou, então vou aproveitar para comprar mais quando passar no posto. Tem havido muitos desde a última semana e meu o gerador está pela metade. Melhor completar e comprar um galão extra para não ter surpresas quando Lisa chegar.

04 de outubro de 2013

Não sinto vontade de escrever hoje, então vou apenas deitar.

05 de outubro de 2013

Lisa ligou hoje cedo. Infelizmente Michael passou mal depois da festa da firma, então eles vão atrasar uns dias. Mesmo assim já comprei tudo para chegada deles, além da cerveja e gasolina. Tenho o suficiente para o mês todo. Me refiro a comida.

07 de outubro de 2013

Maravilha! Pois graças a minha ressaca perdi o horário pela primeira vez em anos justos no dia chefe estava de péssimo humor. Houve um desaparecimento na noite anterior: Marisa Fagundes, 32 anos, solteira, vivia sozinha. Estranhamente não teve nenhum sinal de arrombamento ou de luta na casa. E além disso, não parece que levaram alguma coisa do apartamento. O vizinho disse que ela chegou num táxi por volta das onze da noite e hoje de manhã não saiu para trabalhar. Enfim, fiquei com o caso e agora tenho algo para ocupar minha cabeça que não seja álcool.

Sinto sua falta, Janice.

08 de outubro de 2013

Ainda nenhum avanço no caso da Marisa. Não encontramos nada no apartamento e ninguém a viu, mas é só o começo da investigação. Pelo menos recebi alguma boa notícia: Michael está melhor então Lisa vem nesse final de semana. Aliás, preciso diminuir com a bebida. Não só pela visita, mas também porque hoje fiquei com a impressão que o dia escureceu mais rápido. Estamos no solstício de inverno, não é? Mesmo assim o dia pareceu curto demais.

10 de outubro de 2013

A mulher simplesmente evaporou. Revisamos a câmera do prédio várias vezes, não tem qualquer sinal que ela saiu daquele apartamento ou que alguém entrou. Não faz sentido e mesmo assim o chefe continua me pressionando. Não queria, mas hoje vou precisar beber um copo para clarear a mente. Clarear, ha!

PS: lembrar de ligar pra companhia de energia porque todo dia tem um pique de luz em casa.

11 de outubro de 2013

Acho que o caso da Marisa mexeu comigo. Ontem fiquei com a impressão que havia alguém dentro da minha casa. Por precaução reforcei as fechaduras e estou deixando as luzes do corredor acesas. Liguei para a companhia de energia mais cedo, porém disseram que está tudo normal na rede.

12 de outubro de 2013

Achei que tinha acordado de madrugada, entretanto eram apenas sete horas. O dia amanheceu muito escuro, acho que talvez vai chover mais tarde. Enfim, foi Lisa que ligou. Resolveram viajar cedo, mas o carro quebrou no meio da estrada. Eu já falei para Michael que ele precisa fazer pelo menos uma revisão anual. Vou ter que buscá-los.

***

Eles estão bem. Mais do que bem. Lisa está grávida! Janice teria adorado, ela sempre quiser ser avó. Fizemos um churrasco de última hora para comemorar. Então chamei um dos amigos do trabalho que também estão precisando tirar a cabeça do caso. Foi um bom dia, um dia necessário. Tive uma desculpa para beber e não me orgulho nada disso.

PS: Ouvi uns passos na casa agora pouco. Será que Michael é sonâmbulo?

15 de outubro de 2013

Os dias foram tão bons que nem tive tempo de escrever. Lisa tem me ajudado a dar uma geral na casa. Agora quase que parece um lar. Michael me perguntou do trabalho porque ele viu no jornal que houve outro desaparecimento. Não queria que Lisa ficasse sabendo, mas ela nos ouviu conversando. Então, dessa vez foi um casal: Luís e Maria Gusmão. Estavam casadas há mais de 40 anos, que inveja, e foram os filhos que reportaram. Também não teve nenhum sinal de arrombamento, igual no apartamento de Marisa. Teria conexão? Não sei, mas há estamos trabalhando com essa hipótese. Coloquei “lanternas” na minha lista de compras porque são 6 horas da tarde e está um breu lá fora.

16 de outubro de 2013

Pedi para Michael levar Lisa de volta para a casa deles no meu carro. Ela protestou, porém não quero que eles corram qualquer risco, ainda mais com um bebê a caminho. Enquanto tomávamos café meu celular tocou. O número do serviço. Então… outro desaparecimento! Só que dessa vez foi um bem grande: uma família de cinco, os Mendes, que morava num bairro próximo daqui. Todos desaparecidos. Estou indo para delegacia agora, só preciso me despedir de Lisa.

***

Fomos até a casa dos Mendes. Pensaram que o cachorro tinha desaparecido também, porém ele apenas fugiu. Encontraram escondido numa caixa metros da casa. Alguma coisa assustou o animal. Conforme o padrão: sem sinal de arrombamento, luta ou furto. O mais estranho acima de tudo é que a mesa estava posta como se os Mendes estivessem prontos para jantar. A única coisa de estranha que conseguimos encontrar foi um quadro onde estava escrito a palavra “Croatoan“, aparentemente com carvão, em cima da pintura. Uma pista? Talvez, então anotei para pesquisar depois. Os jornais não param de falar dos casos e agora a cidade toda está em pânico.

20 de outubro de 2013

Foram os quatro dias mais infernais da minha vida desde que perdi Janice. Agora os desaparecimentos estão na casa das dezenas, tivemos pelo menos dois casos novos por dia. Um dos nossos homens, o Matias, um bom garoto, sumiu também assim como a namorada que vivia com ele. Para piorar, os apagões estão acontecendo com mais frequência. A companhia de energia não sabe o que está causando esse problema, o que deixas pessoas mais assustadas e algumas já estão indo embora da cidade. Meus vizinhos perguntam todo dia se sabemos de algo e eu não sei mais o que inventar para acalmá-los. Voltei a ouvir barulhos, no plural, na casa então vou ter que espalhar algumas ratoeiras.

22 de outubro de 2013

As ratoeiras estão do jeito que as deixei. Mas resolvo isso outro dia. Ultimamente não paro de pensar naquele quadro. Croatoan. Acabei voltando mais cedo para casa e a cabeça anda tão cheia que esqueci que não tenho computador. Janice sempre dizia que eu deveria comprar, mas eu já não gosto de usar o do trabalho. Enfim, amanhã eu pesquiso essa palavra.

PS: Essa merda de solstício! São um pouco depois das cinco e já está escurecendo.

23 de outubro de 2013

Eu vi. Não sei o que vi, mas sei que eu vi! As luzes estavam piscando a tarde toda. Primeiro achei que fosse o gerador, então o enchi de novo. Aliás, preciso comprar mais um galão porque não sei como gastei tanto num único mês. Depois fui conferir a caixa elétrica para ver se algum fio estava com mau contato, se era um fúsil, o que quer que fosse. Porém estava tudo normal. Foi então, quando me virei, que deu outro pique de energia. Quando a luz piscou havia uma forma, uma sombra parada na minha frente. Era humana e ao mesmo tempo não era. Durou um segundo e me arrepiou até a alma. Talvez seja só uma ilusão causada pelo estresse do trabalho. Ainda bem que mandei Lisa e Michael irem para casa. Saber que eles estão seguros é o mínimo que me conforta.

PS: Sinto-me vigiado, então tive que tomar remédio para conseguir dormir.

24 de outubro de 2013

Contei para um colega sobre o episódio de ontem. Ele só me deu um olhar estranho. Ainda não sei se ele pensa que fiquei louco ou se ele também viu. Depois de ontem, estou deixando minha arma em cima do criado-mudo.

***

Não preciso mais pesquisar sobre Croatoan porque o jornal da noite fez o trabalho por mim. Pelo visto alguém deixou escapar a informação do desaparecimento dos Mendes e assim algum jornalista foi atrás da história. Encontram um caso em 1590 em que população de uma colônia nos Estados Unidos, Roanoke, simplesmente desapareceu sem deixar qualquer rastro. Existem várias teorias sobre o que aconteceu com aquelas pessoas, mas nenhuma evidência definitiva. O mistério sobre esse desaparecimento ganhou notoriedade pelas palavras “Cro” e “Croatoan” que foram cravadas numa árvore e numa cerca. Coincidência? Meu Deus, eu já estou falando como os apresentadores do telejornal. De qualquer forma… não, não. São só histórias.

25 de outubro de 2013

Então… fui dispensado temporariamente da força! Merda, eu sabia que devia ter ficado calado. A história da sombra chegou nos ouvidos do chefe que já estava irritado por causa da histeria que as matérias sobre a colônia de Roanoke causaram, por isso acho que descontou tudo sobre mim. Porém enquanto ele gritava comigo senti que havia algo estranho no olhar dele. Será que ele viu algo também? Enfim, estou em casa. As ruas estão praticamente desertadas pois ninguém tem coragem de sair depois que o sol se põe. Quando cheguei, o telefone tocou. Era Lisa querendo saber como eu estava. Menti. Depois ela me disse que Michael viria no final de semana para me entregar o carro. Falei na mesma hora que não era para ele nem pensar em vir para cá e que eu mesmo iria buscar, pois eu estava de “férias”. Só preciso organizar algumas coisas.

PS: Ah, hoje o dia escureceu às quatro da tarde e não consigo dormir.

26 de outubro de 2013

Foda-se essa cidade! São nove da manhã e está escuro. Assim que o sol sair eu vou correndo para a delegacia. Alguém tem que saber de alguma coisa.

***

Acabei de chegar em casa. Não encontrei ninguém na delegacia. A porta da recepção foi deixada aberta e havia papéis para todos os lados. Alguns jovens devem ter entrado na noite anterior porque encontrei uma das paredes pichadas. “Eles estão na escuridão”. As linhas não funcionam. Nenhuma. Entrei na sala do meu chefe, mas nem sinal dele também. Olhei os relatórios que estavam na mesa e, de acordo com os últimos registros, os desaparecimentos já estão nas centenas. Quando saí não encontrei nenhum um ônibus circulando. Vez o outra um carro passava a toda velocidade, provavelmente para a saída mais próxima. Encontrei algumas pessoas pela rua. Algumas balançavam desesperadas papéis com fotos de parentes. Outras, por outro lado, só andavam pelas ruas sem rumo com os olhares vazios. Acho que vi um corpo pendurado numa árvore. Deus, não quero pensar nisso.

PS: Quando o relógio deu exatamente três horas o céu em total escuridão. Cheguei a tempo em casa e tranquei a porta. Amanhã eu vou embora desse lugar!

27 de outubro de 2013

Meio-dia, isso foi quando voltou a ficar claro lá. Na mesma hora corri até o meu vizinho, Carlos, rezando para que ele ainda estivesse casa. Felizmente o encontrei na sala e infelizmente não foi do jeito que eu esperava. Carlos estava com o rosto afundado nas mãos, no meio de um mar de garrafas. Nunca vi o homem daquele jeito. Perguntei como estava Julia, sua esposa, e ele começou a chorar sem parar. Reconheci a expressão, foi assim que eu fiquei quando Janice faleceu. Quando ele se acalmou o convenci que precisávamos deixar a cidade imediatamente. Ele concordou, fui até em casa para pegar a mala que já tinha deixado pronta na noite anterior, mas quando voltei não encontrei Carlos em lugar algum. Fiquei trinta minutos procurando-o sem sucesso. Quando olhei pra cima, juro por tudo que é mais sagrado, o sol já estava se pondo. O que está havendo?

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Eu não sei quanto tempo se passou desde o último raio de sol porque joguei o relógio na parede. A TV não sintoniza em canal algum. Telefone e celular estão mudos. E o pior, a gasolina está acabando. Estou trancado em casa, nunca senti tanto medo assim na minha vida. Liguei todas as luzes, mesmo sabendo que isso só vai gastar o que me restou no gerador, pois estou com medo do que tem na escuridão!

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O sol apareceu e sumiu antes de eu conseguir sair. Só consegui abrir a porta e ver que não havia ninguém na rua além de uns vira-latas. Meu Deus, será que eu sou a última pessoa nessa cidade?

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Agora me tranquei no meu quarto. Ouço barulhos pela casa toda. Numa hora pensei ter visto um poste na rua acender e olhei rapidamente. Lá embaixo vi aquela mesma sombra de novo na calçada e acho que ela me viu também. Meu Deus, ela não está sozinha!

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Não vejo nenhuma luz além da minha casa. A gasolina acabou, deveria ter comprado mais. Não sei quanto tempo mais o gerador vai aguentar. Já desliguei todos os aparelhos da casa, mas agora não faz muita diferença. Eu ainda tenho lanternas, só que estou com medo de sair porque estão todos lá fora me esperando. Aquelas malditas sombras! Oh Deus, por quê? Lisa, minha filha, papai te ama!

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