Evidências apontam que eu talvez goste de jogos antigos. E não falo somente daqueles considerados clássicos atemporais como Chrono Trigger. Eu gosto até mesmo daqueles que não são tão bons assim. Tem uns que não são bons de forma alguma. Esse não é um hábito de agora, ele me acompanha desde que meu primo me ensinou a usar emuladores. Contudo, de quatro anos para cá, isso se intensificou exponencialmente. De tal modo que a maior parte das coisas que eu jogo hoje tende a ter entre 15 a 30 anos de idade.
Não é muito complicado explicar os motivos, mas também não é algo que eu consiga resumir em algumas linhas. Já abordei o tópico duas vezes por aqui, sendo a primeira em Arqueologia de jogos ou “porque eu não me considero um retro gamer”. A segunda foi em Dragon Quest: O Bom, o Mau e o Feio, só que nesse caso eu só pontuo o tema mais diretamente apenas na introdução.
Resolvi tocar no assunto uma terceira e não-última vez. Porém hoje eu tenho um objetivo diferente. Naqueles dois primeiros textos eu falei essencialmente sobre mim. Dessa vez eu quero falar com você, o leitor. Ou melhor, para você. Esse artigo será uma tentativa minha de explicar qual o valor que eu enxergo nesses jogos antigos e porque eu acho que vale a pena jogá-los hoje.
Isso se estende para outras mídias, como filmes e livros, mas eu acho que é na comunidade gamer que essa conversa se mostra mais necessária. Eu tenho essa impressão porque, ao contrário do que eu vejo no cinema, remakes de jogos não são apenas mais aceitos como existe uma demanda por eles. E pra mim tem um problema, ou pelo menos uma preocupação, nessa mentalidade.
Sei que por alguns comentários meus passo a impressão que eu odeio remakes – e em parte eu odeio mesmo – mas eu não tenho nada contra eles. Conceitualmente, ao menos. O que me incomoda o comportamento do gamer que parece achar que tudo que tem mais de dez anos, às vezes até menos que isso, já está antiquado. E veja bem que eu digo antiquado e não velho. Antiquado transmite a ideia que algo se tornou obsoleto e não apenas velho. Qualquer bobeirinha, por menor que seja, na jogabilidade precisa ser “consertada” ou “atualizada para os tempos modernos”. Tudo isso para dar a suposta melhor experiência possível em termos de gameplay que eles tanto almejam. E em muitos casos isso já havia sido atingido no original!
Isso culminou numa thread que postei no Twitter que podemos dizer que eu estava um pouco… desgostoso com o gamer médio no dia que a escrevi. Nessa thread eu acabei dizendo como eu acho que o abstrato gamer médio parece ter vergonha da história da sua mídia. E eu continuo concordando com esse meu ponto específico da thread. Só percebo agora tom agressivo foi contraproducente para tentar persuadir qualquer pessoa a aprender mais sobre o passado dos jogos.
Esse foi o fator mais importante para me motivar a abordar o tema novamente num texto mais elaborado e, se Deus quiser, mais calmo. Juro, eu vou tentar! E isso abre uma oportunidade de falar de Mother também. Não exatamente da franquia, mas sim o primeiro jogo. Pois acho que ele é pouquíssimo jogado, às vezes até subestimado, mesmo em meio aqueles conhecem e apreciam a série.
E como podem ver pelo título eu vou falar sobre a importância da experiência original, porém não no sentido de jogar no console original da época. Eu mesmo não faço isso, minha relação com o retro gaming é, e sempre será, por meio da emulação. Me refiro aqui a conhecer e, acima de tudo compreender, a proposta do jogo levando em consideração o contexto do período em que o produziram. É algo que difere bastante da Experiência™ que é o que eu acho que o tal gamer médio supervaloriza erroneamente. É importante entender a diferença desses dois conceitos, então tentarei me explicar melhor no próximo tópico já que essa introdução está longa o suficiente.
A EXPERIÊNCIA E A EXPERIÊNCIA™
Todo jogo tem como objetivo passar uma experiência ao público. E embora se alimente esse discurso generalizado que o propósito dos jogos seja divertir – e é um dos motivos de visual novels e títulos como Death Stranding sofrerem críticas muito injustas – a principal função de um jogo não é necessariamente a do entretenimento. Diversão pode ser sim uma proposta, uma proposta muito válida aliás, mas não devemos limitar a nossa visão a essa ideia apenas.
Eu comecei a ficar mais consciente com essa questão da experiência quando joguei Shadow of the Colossus pela primeira vez. Ainda mais especificamente no primeiro colosso que a gente enfrenta. Acho que a reação que a maioria teve ao chegar na luta foi de pensar “como eu derrubo esse negócio?”. Toda a gameplay é projetada para reforçar essa qualidade de Davi vs Golias. Você consegue sentir toda a dificuldade que o protagonista, que é um mísero garoto, passa para derrotar esses titãs. A escalada não é fácil, você perde o equilíbrio, você perde força, até mesmo dar um simples ataque não é uma tarefa tão simples. O jogo foca no esforço do protagonista para concluir sua jornada.
Shadow of the Colossus tem uma proposta totalmente diferente de, por exemplo, um Sengoku Basara. Esse te permite destruir hordas e mais hordas de inimigos com facilidade pois nesse a intenção é ser uma power fantasy para o jogador. Ele te dá uma ilusão de poder maior porque a intenção não é exatamente a de conquista em superar um grande desafio. Sengoku Basara quer que você se sinta um guerreiro lendário com habilidades de luta sobre-humanas.
É exatamente disso que me refiro quando falo na experiência verdadeira de um jogo. Ela está atrelada as emoções e efeitos que os gamer designers e todos os artistas envolvidos na produção de um jogo querem causar na audiência.
Só que quando eu vejo gamers falando sobre experiência me parece que eles estão discutindo é na verdade é sobre desempenho. É sobre ter os gráficos na mais alta definição possível, os controles afinadíssimos, dublagem de primeira, uma história complexa porque alguns acham que isso significa ser bom e dezenas – às vezes centenas – de horas de gameplay recheada de conteúdos muito deles insignificantes.
Tecnicamente isso não está errado, afinal qualidade técnica também é necessária para qualquer obra. Só que os gamers discutem isso com base que eles percebem que sejam os padrões e tendências do momento, independente de qual seja a proposta do jogo. Por exemplo, Murder House intencionalmente usa gráficos low poly porque o jogo é um tributo aos jogos de terror antigos. É parte da visão dos designers. E mesmo assim eu me deparei com comentários criticando o fato do jogo ter “gráficos datados” porque hoje tudo tem que estar atualizado com tecnologia de ponta. Isso que eu chamo de Experiência™.
Por isso que eu acabei criando um pequeno ranço com essas demandas por remakes. Vejo nelas apenas uma melhoria, que considero superficial, de desempenho. São pequenos ajustes nos controles, melhorarias nos gráficos, colocar a gameplay nos padrões atuais. Nada que venha a dar uma nova experiência significativa ao título. Somente adequá-lo aos tempos modernos desconsiderando o contexto que fez aquele jogo se destacar na sua época. Não existe uma intenção artística genuína, só uma ideia de se conformar ao que é popular e “funciona” agora.
Espero que tenha conseguido explicar como essa ideia de experiência funciona na minha cabeça. Dito isso, vamos falar de jogo velho e porque eles são importantes. E para despontar essa discussão é preciso saber que não tem nada ver com nostalgia!
É SOBRE ISSO, MAS ISSO NÃO É NOSTALGIA
Em mais uma sequência de achismos meus, acredito que muitos associam o hábito do retro gaming com a nostalgia. Afinal a maioria desses jogos nós conhecemos na infância ou adolescência. Pode ser verdade para muitos que reservam sua atenção para os jogos mais velhos, mas quem leu aquele meu texto sobre “arqueologia gamer” sabe que não se aplica ao meu caso. Pelo menos não na maioria das vezes.
Brave Fencer Musashi, por exemplo, que é um título que eu descrevo como sendo o jogo da minha vida é um que eu volto a jogar de tempos em tempos. Boa parte da razão para eu voltar a esse jogo é pela nostalgia que ele me faz sentir da época que eu tinha meu PlayStation. Entretanto, para maior parte dos jogos antigos que eu tenho jogado nesses últimos anos – títulos como Alundra, Tengai Makyou Zero e Eternal Darkness: Sanity’s Requiem – são obras que eu não tenho qualquer memória associada a elas.
Fatal Frame, que hoje se configura como a minha franquia de survival horror número 1, eu comecei a jogar no final de 2020. Antes disso eu só a conhecia por nome. O mesmo se aplica a série Mother, que falaremos mais sobre no último tópico. A primeira vez que eu joguei foi no início de 2021 quando me despertou a curiosidade conhecer a franquia tal como fiz com Dragon Quest.
Não vejo problema algum em querer jogar algo por nostalgia, mesmo que isso pode te levar a decepção já que revisitar o passado depois de muito tempo nem sempre será positivo. Mas acho que é fundamental não atrelar o valor da experiência dos jogos antigos apenas por esse sentimento nostálgico pois isso diminui a real importância dessas obras.
Também, como já comentei recententemente, esse apego ao passado pode levar a um comportamento tóxico, portanto use com moderação. Outro fator importante para deixar nostalgia fora da equação é que ela limita nosso público-alvo já que as gerações mais novas não irão se identificar com o sentimento. Por isso eu acho que é preciso irmos além dessa ideia de reviver a infância para mostrar qual é o real valor dessas experiências.
APRENDENDO A RECONHECER O CONTEXTO DE UMA OBRA
Em qualquer formato de mídia, as obras mais antigas são essenciais para se conhecer a sua história. E também é através da história de uma mídia que a gente entende como ela evoluiu ao longo do tempo. Mas eu não limito o valor dessas obras apenas em compreender o passado, acredito que conhecê-las também nos traz benefícios pela forma que a gente consome, percebe e interpreta as mais atuais.
Uma coisa básica para se saber sobre criticismo de qualquer mídia é entender que essas obras não existem no éter, sejam elas antigas ou novas. Todas são fruto de uma soma de fatores culturais, políticos e históricos que variam para cada cultura em diferentes períodos. Portanto, um jogo produzido em 1990 vai carregar valores bem diferentes de um produzido em 2010 ou um feito no ano passado.
E há de se considerar nesse somatório a influência da própria capacidade tecnológica da época bem como as pessoas envolvidas na produção dessa obra. Para explicar melhor esse último caso: a forma com que eu escolho abordar uma análise de jogos indies como Dust: An Elysian Tail ou The Friends of Ringo Ishikawa é bem diferente da que eu aplicarei para um jogo da Capcom ou da Naughty Dog. Afinal, ambos os jogos são de autoria de game developers individuais com ajuda de alguns poucos colaboradores. Já os grandes estúdios tem acesso a centenas de profissionais, sem contar os recursos. Sendo assim eu estou muito mais aberto a fazer concessões aos indies por entender as limitações ao qual eles estão mais vulneráveis.
Eu sou bem… crítico – vamos colocar de maneira mais branda – da forma que o gamer médio fala sobre jogos com essa supervalorização da Experiência™. Isso porque essa visão de querer que o jogo ofereça a experiência “perfeita” em termos de gameplay por vezes leva o jogador a desconsiderar o contexto daquela obra, isso se tratando dos títulos mais antigos. Mas também colocam a própria proposta do jogo às vezes de lado e isso é algo que se aplica para os casos mais velhos e mais novos também. Eu falei do caso de Murder House, mas teve uma anedota recente que também acho boa para ilustrar o que eu estou falando.
Meu amigo Savino lançou um tempo atrás uma review de Trek to Yomi para Nintendo Switch. Só pela estética o jogo já ganhou meu interesse e fui dar uma olhada em alguns comentários sobre ele lá na Steam. Também sou… crítico das reviews da Steam, mas ainda gosto de dar uma lida em alguns comentários e análises honestas por lá. Eis que me deparo com um rapaz criticando o fato do jogo ser em preto e branco, porque ele assumiu que em algum momento o jogo deveria ficar colorido.
*sigh*
Cês não tem noção do quanto eu tô me controlando para não começar a xingar nesse texto. Ok, qual o problema desse pensamento?
A equipe de Trek to Yomi não decidiu fazer o jogo em preto e branco só porque eles acharam legal. É uma escolha artística tomada porque o jogo, tanto na sua ambientação, roteiro, temas e estética, evoca a cinematografia dos clássicos filmes de samurai que foram tão influentes na história do cinema japonês. Assim em Trek to Yomi podemos notar inspirações nas obras de Daisuke Itō e Masahiro Makino, que iniciaram carreira no período do cinema mudo, e principalmente de Akira Kurosawa que dirigiu grandes clássicos como Os Sete Samurais, Yojimbo, Ran, entre muitos outros. Por isso que você não pode tratar a estética monocromática do jogo como uma mera escolha, esse todo um contexto cultural por trás dela. E sim é importante ter isso em mente antes de apenas dizer que seria melhor se o jogo fosse colorido.
Isso se estende para todos os outros aspectos, especialmente a sua jogabilidade. E nesse campo que eu vejo muito gamer caindo no erro fácil de dizer que uma mecânica envelheceu mal só porque ela deixou de ser um padrão do game design atual. Novamente deixando de considerar o contexto do desenvolvimento do jogo.
O maior exemplo disso são os famigerados controles de tanque que caíram em desuso há algumas gerações. É muito fácil, e eu diria desonesto também, criticar um jogo antigo que usa esse tipo de controle. Para quem não conhece, esse era um sistema em que os jogadores controlavam o movimento em relação à posição do personagem do jogador, em vez da perspectiva da câmera do jogo. Essa era uma necessidade de jogos que utilizavam câmeras fixas, como Resident Evil e Dino Crisis por exemplo, para que a movimentação não ficasse confusa com as mudanças súbitas do ângulo da câmera.
Conforme vídeo games evoluíram, sendo que agora os game developers conseguem com mais facilidade implementar uma câmera que “flutue” ao redor do personagem, os controles de tanque se mostraram cada vez menos necessários. Mas um jogo ter uma tecnologia “antiquada” não faz ele necessariamente ser ruim. Até porque ele foi construído com esse tipo de limitação em mente. Até mesmo em Resident Evil 4, o jogo que revolucionou e criou toda uma nova geração de shooters em terceira pessoa, você ainda via a presença de controles de tanque para tornar o personagem mais vulnerável a ação dos inimigos. E mesma ideia de você não poder andar e atirar ao mesmo tempo, aumentando a tensão que o jogador sente para mirar. Esses são elementos que definem a experiência que o jogo quer te transmitir.
Por isso que – eu tenho que bater nessa tecla de novo, me perdoem – me incomoda essa mentalidade aplicada aos remakes na qual a gameplay precisa ser sempre atualizada para adequar um jogo aos tempos modernos, apagando um pouco do seu valor na história da mídia. Mas se eu me estender nessa discussão não vou conseguir cumprir a promessa que fiz a mim mesmo de tentar ser mais calmo. Vamos em frente!
Tudo que eu quiser dizer nesse tópico é que não é muito correto analisar um jogo com “os olhos de hoje”. Saber o contexto importa. E importa muito! Por exemplo, eu recentemente zerei Final Fantasy III que foi lançado em 1990. E eu afirmo com toda tranquilidade que ele é um excelente RPG. Só que se a gente for olhá-lo com base no padrão da franquia nos últimos anos, obviamente vão considerar o jogo, na melhor das hipóteses, antiquado. Alguns até dirão que ele é ruim.
Contudo, se você olhar o histórico de RPGs no final da década de 80 e início dos 90, Final Fantasy III é facilmente um dos top tiers. A narrativa dele não chega ser tão fantástica quanto ao do seu antecessor, Final Fantasy II ou do maravilhoso Dragon Quest IV, mas em questão de world-building ele dá um show. Graficamente falando também, é um dos jogos mais bonitos do Nintendinho. A jogabilidade então nem se fala. Foi muito mais balanceada em comparação ao I & II o que tornando-o muito mais acessível para novos jogadores na sua época e ele consegue te estimular a testar as várias classes que tem disponíveis para os personagens.
Mas eu só consigo ter essa visão exatamente porque eu conheci o cenário dos RPGs daquela época jogando os títulos contemporâneos como os Final Fantasy anteriores, os Dragon Quests, Sweet Home, Phantasy Star, busquei conhecer Ultima e Wizardry que foram uma influência para várias franquias de RPG, e, obviamente, o jogo que dá título a esse texto: Mother!
POR QUE JOGAR MOTHER?
Inicialmente, esse texto foi pensado com Final Fantasy I em mente, o original do Nintendinho, porque eu tinha começado a jogá-lo pouco tempo antes. Imaginando que esse era um título que ninguém em sã consciência jogaria, a não ser que fosse um fã muito doente da franquia, supus que haveria uma chance ali de mostrar qual o valor de visitar esses jogos mais antigos. Contudo rolou um “pequeno” probleminha que é fato que eu passei a odiar Final Fantasy I com todas as minhas forças. Sim, até eu, que sou bem generoso com as coisas que jogo, tenho meus limites. Felizmente, eu tinha um título de reserva preparado para essa situação.
A série Mother não tem a mesma presença no imaginário popular, o ocidental pelo menos porque no Japão vendeu muito bem, dos RPGs eletrônicos da mesma forma que outras franquias como Dragon Quest, Final Fantasy, Tales, etc.
Tem vários fatores que colaboram com isso, mas para mim tem dois principais. Primeiro porque Mother não foi lançado com a mesma frequência que seus contemporâneos. O primeiro jogo veio em 1989, a sequência em 1994, no Super Nintendo e, depois de um longo hiato, lançaram o terceiro e último em 2006 para o Game Boy Advance. A título de comparação, nesse ano já saía ou tinham saído o Final Fantasy XII, Dragon Quest VIII e Tales of the Tempest, o nono jogo da franquia Tales. Outro problema é que dos três, somente um foi lançado oficialmente fora do Japão na sua época que foi Mother II com o nome de EarthBound. Sendo assim, a maior parte do público ocidente que gosta de RPG não chegou nem ao menos a conhecer Mother como série.
Mesmo assim, Mother conseguiu cativar uma audiência fora do Japão, especialmente graças ao cult following gerado em torno de EarthBound. Seus jogos se tornaram uma influência principalmente para os desenvolvedores indie, notavelmente Undertale e também Oddity, que começou como um fangame da franquia e agora tem se encaminhado para ser uma marca própria. E graças as traduções por fãs você consegue facilmente jogar Mother 3, atualmente o único sem um lançamento oficial fora do Japão, e aproveitar a franquia como um todo
Agora o primeiro é algo um pouco mais complicado.
Não que seja difícil baixar uma ROM em inglês, ainda mais agora que tem uma tradução em oficial. Só duvido muito que alguém que não seja um fã de carteirinha tentar jogar o Mother do Nintendinho. O que é uma pena, porque apesar dos pesares ele é um RPGzinho muito do carismático que tem várias qualidades que, ao menos eu, julgo relevantes até hoje. E olha que eu tento ser um pouco compreensível nessa questão. Afinal reconheço que um guri desmamado a PlayStation 3 vai ter uma enorme dificuldade de jogar algo feito pra um console de 40 anos atrás. Mas eu estou aqui exatamente para tentar abrir a cabeça desses mais novos. Figurativamente, claro… mas não garanto que eu não vou tentar, um dia, literalmente se não começar uma terapia rápido.
Então: por que Mother?
Se eu fosse resumir em uma palavra seria história. Mas não me refiro a história do jogo. Ela tem sim seus pontos altos, mas não chega a ser tão impressionante em comparação ao que suas sequências atingiram. Sobretudo Mother 3 que é um jogo carregado de sentimentos e que terminou a franquia no seu apogeu. Eu me refiro a história de Mother como série e também a história dos RPGs como um todo. Jogar o primeiro Mother não é apenas para se ter uma experiência comum de gameplay, é para observar um recorte específico de uma época para entender como essa mídia foi se desenvolvendo ao longo das suas gerações.
Novamente, eu tenho consciência que isso não é algo que a vasta maioria dos jogadores busca. Como falei, ainda impera a visão que jogos são única e exclusivamente produtos de entretenimento. E até mesmo dentre aqueles que estão abertos a esse tipo de experiência, para alguns dele a idade do jogo vai, invariavelmente, entrar na equação como um fator negativo.
Entendo quem não consegue pegar um RPG de quase 35 anos e simplesmente jogá-lo apesar de alguns elementos de game design datados. Entendo, porém não tenho qualquer respeito por isso! Ok, ok, falei que não tentaria ser agressivo nesse texto.
Voltando ao tópico, tem vários obstáculos na gameplay de Mother. A narrativa precisa fazer elipses já que naquela época você não podia disponibilizar muita memória pra encher o jogo de texto. Então você não vai ter aquele mesmo desenvolvimento de personagem ou diálogos tão comoventes que a série possui tanto em EarthBound quanto em Mother 3. Apesar de que eu defenderia que, ainda com essa limitação, Mother tem muitas cenas com uma emoção sincera que funcionam perfeitamente dentro do seu contexto.
As lutas não tem dinamismo e são bem monótonas pela falta de animações e só um fundo preto sem graça. Acho o character design dos monstros tem um charme especifico, ainda que role muita repetição, e o jogo tem umas escolhas bem criativas que vou cobrir daqui a pouco. Mesmo assim é só aquele RPG de turno com visão frontal derivada de Dragon Quest. O grind é necessário para conseguir prosseguir no jogo, o que deixa a gameplay exaustiva e falta um pouco de direcionamento para para trama. E, por fim, o simples ato de comprar e trocar os equipamentos é frustrante.
Só que muito desses problemas não são defeitos propriamente ditos. Eles se tornaram defeitos. É uma consequência do padrão que a gente tem hoje e acontece em outras mídias também. Mas como eu falei no meu tópico anterior, o contexto da produção de uma obra tem que ser levado em consideração. E entender a história da mídia faz você não apenas apreciar mais as qualidades que aquela obra conseguiu alcançar apesar das limitações como também te faz apreciar as coisas que temos hoje pois você percebe como elas evoluíram.
Mesmo para um RPG “antiquado” do final dos anos 80, Mother tem muitas características dignas de elogio. E são essas qualidades que ajudaram a preparar o terreno para as sequências que aprimoraram a série jogo a jogo.
A sua ambientação mistura os elementos da ficção científica dos anos 50 e 60 bem com a iconografia da cultura americana dos meados do século XX. Isso serviu para criar uma personalidade única Mother numa época em que seus RPGs contemporâneos iam por uma estética de fantasia medieval. Até mesmo aqueles que na teoria eram ficções científicas, como Phantasy Star, ainda dependiam muito da estética medieval. Mother, apesar de ter alguns elementos mais fantásticos, permanece nessa ambientação de pequena cidade do interior americano, regada de uma nostalgia que foi bem marcante durante a década de 80.
Mother também tem muitas pitadas de criatividade que definem não apenas o senso de humor do jogo, mas como também viram elementos da sua jogabilidade.
O meu exemplo favorito é um dos status negativos que o jogo cria. Bem no comecinho é definido que o protagonista sofre de asma durante. Mais a frente, como muito dos inimigos são objetos e máquinas que ganham vida, você enfrenta veículos cujo um dos ataques é soltar fumaça nos personagens. Os seus companheiros sofrem algum dano, mas o protagonista por ter asma começa a sofrer uma crise que não só impossibilita ele de lutar como também pode ser fatal caso você não vença a luta logo.
Outra sacada criativa é que você não tem o clássico status de envenenamento. Em vez disso, os personagens ficam resfriados. Você pode pegar o status enfrentando inimigos, mas também acontece que de vez em quando você fala com um NPC que está gripado que acaba espirrando em você e deixa seus personagens doentes. Podem parecer pequenos detalhes triviais se olhados isoladamente, mais em conjunto colaboram para transformar Mother num RPG muito especial em meio aos títulos que saíram naqueles anos.
Toda essa criatividade é de fato potencializada nas sequências, mas Mother já começou a erguer as primeiras pedras que iriam sustentar esses pilares no futuro. Por isso que jogá-lo hoje ainda tem seu valor. Ele te faz apreciar muito mais o que a série alcançou depois. Além disso, ele mostra como bons game designers conseguem usar toda sua imaginação e habilidade para dar mais personalidade aos jogos e superar as barreiras das limitações tecnológicas da sua época. Mother poder não parecer uma novidade hoje, mas ele ofereceu uma experiência bem inovadora para a sua geração e é um pedaço da história dos vídeo games muito necessário de se conhecer.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Existem uma penca de jogos antigos que podem ser jogados tranquilamente, e enfatizo o tranquilamente, hoje. E não digo apenas aqueles que são considerados clássicos. Porém é necessário entender que o grande valor desses títulos está mais pela sua contribuição para a história dos vídeo games do que pela tão supervalorizada Experiência™ que os gamers vivem discutindo.
Compreender a história da mídia faz você ter um enorme respeito pelo que foi conquistado na época e admirar mais ainda o ponto que estamos hoje. Além disso, vai te beneficiar também na sua forma de analisar jogos, caso você tenha interesse por isso.
Então não existe alguma conclusão mais elaborada para tirar desse meu texto. Eu fiz ele mais como um apelo. Genuinamente gostaria que mais pessoas – sei que é um pensamento muito idealista – se dispusessem a essa experiência de conhecer o passado dos jogos e ter mais paciência ao analisá-los sem cair nesse papo obtuso de “envelheceu mal”.
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