Mega Man 2 é um clássico do Nintendinho lembrado e reverenciado até hoje não só como um dos melhores jogos já feitos como também um dos mais importantes títulos que ajudaram a definir o gênero de plataforma. Mega Man 1 é lembrado por ser o primeiro Mega Man! Pode soar uma simplificação um tanto grosseira, mas não deixa de ser real.

Se Mega Man é o que é hoje foi por conta dos esforços do Akira Kitamura e sua equipe. Eles insistiram parafazer uma sequência que executasse o potencial que o primeiro jogo não conseguiu alcançar. Não significa que Mega Man 1 é um jogo ruim. Pelo contrário, considerando o padrão da franquia ele tem uma gameplay bem sólida e até certo ponto divertida se você conseguir tolerar o dificuldade histórica dos jogos daquela época. Especialmente um cara…

Yellow Devil de Mega Man 2
Eu te odeio tanto, seu filho da puta!

De qualquer forma é inegável Mega Man 2 foi responsável por colocar a franquia no mapa. Ele se tornou um sucesso tanto comercial quanto de crítica, além de definir a fórmula na qual seus jogos se baseariam por anos a fio.Provavelmente esse não era o início que vocês estavam esperando. Mas podem ficar tranquilos que irei dar um dar um salto no tempo para chegamos ao tema do texto.

Vamos para o início dos anos 2000 onde surge a CD Projekt RED. Ela começa como um departamento criado na publisher polonesa já estabelecida CD Projekt S.A. co um objetivo em mente: desenvolver uma série de jogos baseados na obra do autor Andrzej Sapkowski, The Witcher. Tal objetivo viria a se concretizar em 2007, ano do lançamento do jogo homônimo. Eventualmente ele se tornaria o primeiro capítulo de uma consagrada trilogia de RPGs de ação. Na década seguinte vieram The Witcher 2: Asssassins of Kings, em 2011, e The Witcher 3: The Wild Hunt, em 2015.

Assim como Mega Man 1, o jogo da CD Projekt RED só é conhecido por ser o primeiro título da franquia. Diria até mais, a maior parte das pessoas só sabe que ele existe porque tem o número 3 no título de The Wild Hunt. Assim pressupõe-se que existe um número 1, a não ser que estejamos falando de Ninja 3: A Dominação. Ah, saudades da Cannon Films…

O primeiro Witcher e o primeiro Mega Man tem algo em comum porque ambos sofreram com o infortúnio de serem os antecessores de títulos que se tornariam referências tanto para comunidade quanto para a indústria de jogos, resultando numa sombra ainda maior sendo projeta sobre eles. E esse não é um fenômeno isolado, pois esse é um mal que aflige qualquer franquia de longa data. Quem aqui fala sobre o primeiro Dragon Quest de 1986 ou então Final Fantasy de 1987? Bom, eu falo. Mas isso não vem ao caso. Ninguém fala deles a não ser sobre o fato deles serem o inicio das suas respectivas franquias. Acho que tem um exemplo ainda melhor desse caso: Street Fighter.

Street Figher I
Não tenho dúvidas que existam pessoas que achem que esse jogo foi um delírio coletivo

Tá certo que a maior parte dos títulos que eu citei aqui são do final da década de 80. Então é mais do que natural que as gerações mais novas não os conheçam. O que é peculiar no caso do The Witcher é que ele é relativamente recente. Tem menos da metade da idade dos outros jogos, e ainda assim é praticamente apagado da mente do povão. Por que será? Bom, para começar uma resposta temos que falar primeiro sobre o elefante na sala:

UM MUNDO PÓS-THE WITCHER 3

Assim como nos quadrinhos, jogos tem uma vantagem para atrair uma nova audiência para si. Isso porque você consegue ingressar numa série em andamento há algum tempo por um dos títulos do meio. Muitas dessas histórias acabam sendo narrativas fechadas, com continuidades bem finas ou até inexistentes, que não dependem tanto que a audiência conheça os eventos do título anterior para compreender o que se passa.

Nos jogos vemos isso isso com ainda mais força onde os elementos comuns geralmente são aspectos da gameplay e não da história e seus personagens. Usando o citado Final Fantasy como exemplo, você pode iniciar a franquia lá pelo IV do Super Nintendo, ou o VII do PlayStation ou o XII do PlayStation 2. Você tem toda liberdade de ir para frente ou para trás sem a sensação que está perdendo algo.

Mas é notório que as novas audiências tem uma tendência a priorizar os títulos mais recentes. Ainda mais quando não existe essa necessidade de ver o que aconteceu lá trás para entender o que aconteceu aqui na frente. E até mesmo quando isso é necessário, a pessoa pode se sentir satisfeita apenas em ler um resumão na Wikipédia e seguir para o título que mais lhe interessa.

Pois bem, a fim de confirmar um achismo meu eu uma enquete no meu perfil no mês que joguei The Witcher. Aquela época eu achei que esse texto sairia mais cedo:

E já imaginando o resultado, eu fiz uma outra enquete logo em sequência:

Admito que eu esperava uma margem maior para The Witcher 3.

De qualquer forma, o resultado confirmou a minha impressão que a maior parte do público veio a conhecer a história de The Witcher pelo último jogo da trilogia. Claro que uma enquete de Twitter como menos de 50 votos está longe de ser uma amostragem confiável para inferir qualquer coisa. Por isso vou reforçar meu ponto olhando para as vendas.

Andrzej Sapkowski e seus livros ganharam o status de cult na Polônia e outros países do Leste e Centro Europeu ao longo da década de 90. Pelo que eu pude pesquisar (lê-se “vi na Wikipedia”) até 2019 foram vendidas mais de 15 milhões de cópias da Saga do Witcher pelo mundo. Já os jogos, segundo o que foi reportado, já ultrapassaram a marca das 60 milhões de cópias vendidas. Sendo que 40 milhões são exclusivamente do terceiro título, quase 3 vezes mais que os livros. The Witcher 1, por outro lado, não chegou nem a 2 milhões de cópias vendidas um ano depois do seu lançamento. E não me surpreenderia se até hoje ele não conseguiu atingir essa marca.

Como a realidade nos mostra, pouquíssimas pessoas jogaram o primeiro The Witcher. E conforme os anos forem passando as chances são que ele desaparecerá quase que por completo do imaginário popular. Isso porque um dos seus sucessores, The Witcher 3: The Wild Hunt, tem o pequeno detalhe de ser considerado um dos melhores jogos já feitos. Ele é aclamado pelo nível detalhe colocado na sua gameplay, desde a construção do seu universo como as nuances de cada quest.

Header de The Witcher 3: The Wild Hunt
O cara que ela diz para você não se preocupar

Esse é um dos poucos jogos em que você pode dizer que as side quests são tão interessantes quanto a trama principal pelas histórias que são contadas nelas. Até mesmo os pequenos trabalhos de witcher que o Geralt assume de vez em quando conseguem compor narrativas cativantes. Um exemplo que eu sempre cito é a quest Wild at Heart. A princípio ela se mostra como uma simples missão para encontrar uma esposa desaparecida e no meio dela vira uma tragédia motivada pelo ressentimento de um amor secreto. E essa é apenas uma em meio há dezenas de outras histórias interessantíssimas que o jogo consegue contar nas suas side quests.

Não é de se surpreender que com tantas qualidades The Witcher 3 tenha sido esse tremendo fenômeno que atraiu milhares de pessoas para dentro dessa franquia. Desde aquelas que desconheciam por completo o universo de Witcher e até mesmo aquelas que estavam fora dessa bolha de RPGs de ação.

Se há um lado bom nessa história, apresentar mais pessoas para esse universo, tanto o dos jogos quanto dos livros, há também um lado ruim: toda a expectativa que The Witcher 3 criou no público. Os jogos foram se aprimorando ao longo de cada título e a maior parte do público conheceu a franquia no seu pico. Assim fica mais complicado para esse mesmo público testar os outros dois títulos retroativamente. Talvez não tanto com The Witcher 2, mas não tenho qualquer dúvida que o primeiro jogo sofre com esse problema.

Por isso também não foi nenhuma surpresa para mim quando, ao pesquisar sobre o jogo em fóruns e Reddits da vida, me deparei com o questionamento:

THE WITCHER ESTÁ DATADO?

Resposta curta: nem tanto!

Reposta longa:

“Estar datado” ou então “não envelheceu bem” são duas frases que não clicam muito bem comigo. Eu as enxergo como muletas usadas para arrastar um criticismo barato nas mais diversas mídias. Em outras palavras, na maior parte das vezes eu acho que elas são faladas por pura ignorância ou frescura. Mas ao mesmo tempo são termos completamente compreensíveis em muitos casos.

Por exemplo, eu consigo entender alguém que cresceu já na geração do PlayStation 3 e Xbox 360 e não consegue aproveitar um jogo do Mega Drive ou do Super Nintendo. Esses consoles pertencem a três gerações anteriores, uma época muito diferente em termos de tecnologia e game design da que ele nasceu. Em certos casos eu até mesmo entendo alguém que passou por essa época e já não consegue mais jogar os títulos daquelas gerações considerando tudo que ela já experimentou no presente ou passado recente. Eu mesmo admito isso no meu texto sobre os primeiros jogos de Dragon Quest:

Um problema frequente que eu passo, e acredito que muitas outras pessoas também, com jogos antigos é que por mais que eu tente colocar a minha mente no contexto da época em que eles foram lançados, para levar em consideração os limites da tecnologia e também de game design, é impossível não deixar de sentir incômodo com várias mecânicas antiquadas daqueles tempos.

O primeiro The Witcher não é tão velho assim. A não ser que as pessoas chegaram num de “vanguardismo gamer” que um jogo de quinze anos atrás já é considerado velharia. Porém eu consigo entender essa impressão dele estar datado. Não porque as mecânicas dele estejam de fato antiquadas, mas sim porque a maioria vai chegar nele a partir de The Witcher 3 que tem uma jogabilidade um tanto diferente dele.

Cena de The Witcher 1

Só pra citar alguns exemplos que parecem ser coisas bobas e triviais, só que ao longo da gameplay acabam dando certo incômodo. No primeiro The Witcher não tem um botão que para que o Geral sente e medite. Para fazer isso você precisa ir até uma fogueira, hospedaria ou casa de algum NPC que permita que você durma ali. O jogador precisa meditar tanto para distribuir os pontos de habilidade adquiridos quanto para fazer as poções e óleos dos witchers. Além disso, como algumas missões dependem que você esteja num período específico do dia. Logo você tem que caçar o tempo todo um lugar para poder realizar a meditação. Cada vez que isso se repete a tarefa se torna mais enfadonha.

Isso se conecta a outra problema é que nesse jogo você não tem um cavalo e nem um sistema de fast travel para chegar aos lugares já visitados rapidamente. Todo lugar você chega através da “viação canela”. Isso consume um bom tempo já que a velocidade do Geralt não é das mais altas e alguns pontos são bem distantes um dos outros. Em dado momento você até tem acesso a um teletransporte, porém que só leva a três lugares pontuais. Na maior parte das vezes eles não estão nem próximos do seu objetivo. Então mesmo assim você tem que andar bastante chão. Outra tarefa enfadonha.

Cena de The Witcher 1

Até mesmo o tema de sexo eu diria que não é bem antiquado, mas sim juvenil além de preguiçoso. Salvo o relacionamento com a Triss e a Shani, a maior parte dos encontros sexuais do Geralt no jogo são produto de uma fetch quest qualquer. Isso quando não apenas a escolha da linha de diálogo correta, que culmina numa ilustração erótica aparecendo na tela por uns segundos. Até hoje eu dou risada quando lembro que para habilitar uma dessas “cenas” de sexo o Geralt tem que falar para uma NPC “você é uma garota safada” e lhe entregar um diamante.

Diálogo de The Witcher 1
KKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKK

Pausa que eu preciso dizer que nesse lance do Geraltão uma das minhas frases de NPC favoritas está nesse jogo quando às vezes andando na rua você ouve um deles gritar: “Um witcher! Escondam suas esposas!”. Algo que faz todo sentido dentro desse universo porque você realmente pode pegar umas casadas no jogo.

Outro exemplo numa missão durante um banquete em que uma personagem de um dos livros é introduzida. Quase que automaticamente tem uma cena de sexo. E não é como se o jogo tivesse interesse de colocar a personagem como um possível interesse amoroso para o Geralt. Só foi para colocar mais outra cartinha erótica pro jogador coletar. Como eu disse, muito preguiçoso e juvenil. Dá a impressão que os desenvolvedores só queriam fazer o jogo parecer mais adulto dizendo: “olha só, no nosso jogo você pode T-R-A-N-S-A-R!”.

*imaginar aquele meme do Coringa aqui*

Há também a questão dos gráficos, que é um tópico que eu geralmente não gosto de cobrir. Acho que analisar jogos com base nos gráficos é uma atitude muito ingrata quando não totalmente irrelevante. Contudo, como eu disse lá trás, em alguns casos eu até entendo. E em The Witcher a gente nota que a animação é um pouco truncada. Principalmente quando o jogo tem que fazer uma transição para uma cena de diálogo. Os modelos dos personagens se repetem muito no jogo (isso também acontece em The Witcher 3, mas a frequência no primeiro é maior) e essa repetição também é observada nos mapas internos. Toda casa, caverna e cripta passa a impressão de ser a mesma.

Cena de The Witcher 1

Só que muito desses problemas são perfeitamente explicados pelo fato desse ser o primeiro jogo de um estúdio que ainda estava surgindo, tendo uma equipe ainda crua e recursos mais limitados. Então voltando a pergunta/afirmação do começo, The Witcher está datado?

Sim, mas talvez não da forma que a maioria pense. Porque não é exatamente que ele seja um jogo com mecânicas antiquadas. Como eu já falei, o “problema” dele é o mesmo que muitos dos primeiros jogos de outras franquias sofrem. Conforme as séries avançam, a equipe adquire mais experiência e um entendimento melhor sobre os conceitos que queriam executar no jogo. Acima disso, o sucesso de um estúdio facilita a conseguir os recursos necessários, sejam financeiros ou simplesmente tempo, para que a jogabilidade possa ser polida e os outros aspectos técnicos possam ser melhorados. Sendo assim, os primeiros jogos vão parecendo cada vez mais antiquados comparados com os títulos mais recentes.

E para piorar o caso de The Witcher ainda temos o sistema de batalha…

O “VERDADEIRO” PROBLEMA DE THE WITCHER

Resolvi deixar a parte do sistema de batalha num tópico separado pois acho ele uma questão distinta. Mais do que os pequenos detalhes que faltam na jogabilidade (compreensível para o primeiro título de uma série), gráficos (novamente compreensível) ou como o jogo coloca o tema de sexo na sua gameplay (que só eu e meia dúzia de pessoas no mundo se importam com isso), o sistema de batalha é mais complicado de relevar. Assim vejo que ele é o principal fator que mantém novos jogadores longe do primeiro Witcher. E, embora tenha visto um ou dois comentários classificando ele erroneamente como datado, foi mais um problema das escolhas feitas pela equipe.

Todos os três The Witcher’s são RPGs de ação. Hoje temos um espectro até que bem variado de tipos de RPGs desse gênero indo desde o Diablo até os jogos da série Tales, que apesar de colocar um nome chique de “Linear Motion Battle System”, no seu âmago é uma série de RPGs de ação. Ora, podemos até citar também aqui títulos como Deus Ex e Mass Effect que algumas pessoas associam ao termo role-playing shooter.

Enfim, existem vários tipos de RPGs de ação diferentes. Porém a gente precisa de um elemento em comum de onde possamos partir para estabelecer uma classificação para esse subgênero. E aqui é a batalha em tempo real que contrasta com a baseada em turnos como Pokémon, Final Fantasy, Dragon Quest e outros RPGs clássicos. Tanto The Witcher 2 e The Witcher 3 são RPGs de ação seguindo essa linha padrão de combate em tempo real. O The Witcher de 2007 também é, só que existe um diferencialzinho no sistema dele.

Cena de The Witcher 1

No seu RPG de ação tradicional o jogador espera ser capaz de executar combos ao pressionar o botão de ataque mais de uma vez. Geralmente são três ou quatro ataques concatenados. Em The Witcher você também consegue concatenar os ataques, só que não é de forma tão em tempo real assim. O combate vai por uma abordagem mais rítmica. Depois de dar o primeiro golpe você precisa esperar o ícone de ataque ficar dourado para só então atacar novamente. Acertando o timing o Geralt dá sequência a um combo. Se clicar depois do tempo Geralt apenas dá um golpe normal e se clicar antes você erra e fica exposto a um ataque do seu inimigo.

Cena de The Witcher 1

Além disso o Geralt pode alternar entre três estilos diferentes de combate que são ideias para situações específicas. Tem o strong que aumenta o dano de cada ataque, ideal para os inimigos mais fortes. Depois vem o fast que serve para enfrentar inimigos mais ágeis que podem facilmente desviar dos seus ataques. Por fim tem o group cujo nome é autoexplicativo. Os demais aspectos do sistema de combate é que você encontra nos outros jogos (dodge, magias, poções, óleos, as duas espadas diferentes, etc) que não tem necessidade de nos aprofundar. Ah, o parry nesse caso ocorre automaticamente de acordo com a sua chance de bloquear um golpe do oponente.

Enfim, nada muito complexo e é possível que você saia do prólogo já dominando o sistema. Porém isso não impede que tropeços futuros venham a acontecer.

A rusga que eu tenho com o combate desse Witcher é que pra mim acaba sendo contraintuitivo para qualquer um que esteja acostumado ao padrão de RPGs de ação. Ainda que você tenha entendido ideia do combate mais rítmico, por conta das longas animações de ataque que por vezes envolvem Geralt dá vários golpes que equivalem a apenas um, você acaba errando o timing. Isso também é influenciado por como o nosso cérebro já está condicionado a nos fazer apertar o botão de ataque múltiplas vezes para realizar um combo.

Não é a toa que algumas pessoas acham que tem algo errado no jogo ao levar tempo demais para derrotar um único inimigo. Elas não estão cientes que você tem que esperar o momento certo para atacar caso contrário isso fará o Geralt errar o golpe. E quando você finalmente entende tudo isso é que o combate fica realmente chato!

Cena de The Witcher 1

O combate de The Witcher 3 é criticado por alguns jogadores por ser muito repetitivo e essencialmente um button smash no qual você alterna com uma magia aqui e acolá e dá uns pulos pro lado para escapar de um ataque de vez em quando. Nada muito desafiador, né? No primeiro The Witcher isso é ainda pior!

No começo até que há uma certa dificuldade porque você ainda tem pouca vida, defesa e força. Porém depois de distribuir alguns pontos de atributos e conseguindo uns equipamentos mais fortes a luta se resume a você ficar parado atacando os inimigos. Não existe nenhuma razão para você se mover. Desviar não é tão efetivo e o máximo que você faz é alternar entre um Igni ou um Aard. São lutas monótonas, sem emoção e desafios e que se tornam ainda mais repetitivas que as de The Witcher 3. Só não dá pra classificar como button smash porque existe esse pequeno intervalo entre um ataque e outro que você precisa esperar.

Aí entra a pergunta:

VALE A PENA JOGAR THE WITCHER HOJE?

Depois dos últimos dois tópicos pode parecer que eu detesto The Witcher, contudo é justamente o contrário. Está muito longe de entrar pra minha lista dos RPGs favoritos. Até porque eu sou incapaz de fazer uma lista. Mas eu o coloco como uma experiência mais do que válida. Não só para se conhecer a evolução da série The Witcher e também porque ele é de fato um bom jogo com suas falhas e qualidade.

Tudo bem que o sistema de combate não seja grandes coisas, porque pra mim o grande valor dos jogos de The Witcher estão na exploração do universo criado pelo Andrzej Sapkowski e os temas sociais e políticos que são abordados neles. E no que tange a representação do universo dos livros, o primeiro The Witcher faz um excelente trabalho na construção da região de Vizima ainda que os mapas internos pareçam tão iguais. As nuances de cada parte da cidade é capaz de transmitir todas as diferenças sociais, econômicas e culturais da sua população.

Cena de The Witcher 1

Por exemplo, quando você está nos arredores da cidade você nota que há poucos soldados guardando a região obrigando o povoado a formar milícias para se proteger. Além disso, muitas das casas que você encontra estão abandonadas e com várias crianças órfãs perambulando pelas estradas. Quando você finalmente tem acesso a cidade, o jogo te coloca num dos bairros mais carentes onde você nota uma concentração de personagens não-humanos. Já quando você passa para os ditos bairros mais nobres você já não encontra nenhum deles, deixando claro a segregação que é imposta naquela civilização. Tudo isso fica ainda mais explícito no roteiro. Porém já agrega muito para narrativa quando você pode simplesmente entender todos esses aspectos apenas observando o ambiente.

O roteiro também é outro ponto forte do jogo. O fato da maioria dos jogadores virem do terceiro Witcher faz o de 2007 perder uma valiosa qualidade que é como ele te conduz bem para dentro do universo dos livros mesmo não tendo contato com eles. Tá certo que o jogo precisa se valer da velha trope do protagonista com amnésia, mas a princípio era um “mal necessário” para ajudar a apresentar as peculiaridades desse mundo para o jogador. Tanto em termos de história como de jogabilidade também.

Cena de The Witcher 1

O ritmo pode ser um problema para alguns. Depois de um prólogo que funciona como um ótimo pontapé inicial para por a trama em andamento a progressão fica evidentemente mais lenta. Não só pela narrativa, mas como também pelo que já mencionei de como demora para ir do ponto A ao B na viação canela.

Contudo o que The Witcher faz muito bem aqui é amarrar suas quests junto com o que pensávamos que seria o foco narrativo do jogo que é a missão de Geralt em rastrear os bandidos que assaltaram a fortaleza dos witchers em busca dos seus mutagênicos. Logo você se vê em meio a história de um garoto com poderes misteriosos, confabulações políticas, a degradação moral de um velho witcher e uma eminente guerra civil promovida pelo conflito do grupo dos rebeldes dos Scoia’tael e a organização em ascensão da Ordem da Rosa Flamejante, que a principio parecem ser tramas paralelas entretanto no final o jogo consegue uni-las de forma orgânica onde cada linha fortalece o quadro geral desse mundo.

Cena de The Witcher 1

Aliás o conflito dos Scoia’tael e a Ordem da Rosa Flamejante é de longe a melhor parte de The Witcher. É nele que vemos nascer o aspecto na qual a série ficou conhecida que é sobre as escolhas complicadas que você precisa tomar já que as histórias nem sempre são preto e branco. A luta dos Scoia’tael e a Ordem não produz apenas um conflito para a trama, mas também para o próprio jogador que nunca se sente 100% em tomar partido em um dos lados.

A principio você pode se sentir inclinado a lutar pelos Scoia’tael pois eles tem uma causa nobre de lutar pelos direitos iguais dos não-humanos. O próprio Geralt teria motivos para se inclinar a esse lado afinal os witchers são também são marginalizados nessa sociedade. Porém quando você observa algumas das ações que os Scoia’tael sob a liderança de Yaevinn decidem tomar você já não fica tão confortável a se aliar a luta deles. Da mesma forma você pode a principio querer ajudar a Rosa Flamejante, afinal seu primeiro contato com ela é através de Siegfried que não se mostra como uma figura tão antipática quanto Yaevinn e bem intencionada em manter a ordem e lutar pela justiça. Porém, quanto mais você observa a Ordem da Rosa Flamejante como uma organização militar e que tem fundamentos num preconceito explícito contra os não-humanos, você também acha melhor ficar longe deles.

Então você pode decidir ir pelo caminho da neutralidade por estar mais alinhada a filosofia dos witchers, porém a forma que o jogo desenvolve os cenários te faz questionar se essa é a melhor decisão. Ainda mais quando você percebe que pessoas inocentes serão pegas nesse fogo-cruzado. E esse é um sentimento que se mantém ao longo do jogo tanto onde você fica constantemente se deve ou não apoiar um lado e, caso tenha feio uma escolha, se ela foi a certa ou se você deveria considerar a possibilidade e mudar de time.

É uma escolha tão complicada que você pode achar páginas e páginas e páginas… e páginas internet a fora de jogadores discutindo quão seria o melhor lado, o que levou eles a tomar uma decisão ou a mudar de posição. É o tipo de discussão que acaba tornando o jogo muito maior e muito mais interessante, te motiva a explorar mais e refletir sobre universo mesmo sabendo que tudo é fictício. O jogo faz você voltar para si mesmo, questionar os seus valores e seus ideais e isso é algo que ainda fica marcado com você mesmo depois de muito tempo de ter zerado.

Por conta disso que eu considero que a experiência de jogar The Witcher é mais do que válida, independente se você acha ou não que a jogabilidade dele passou no teste do tempo. Há dezenas de ótimos elementos para experimentar que vão muito além de um mero sistema de batalha meio atrapalhado.

CONCLUSÃO

Final de The Witcher

Esse foi um texto que demorou mais do que eu esperava para sair. Até que foi particularmente mais difícil de escrevê-lo, eu comecei como a ideia de fazer uma espécie de review retroativa tanto é que o subtítulo inicial era “Uma análise pós-Witcher 3” que serviu para o primeiro tópico. Foi só pela metade que eu acabei decidindo mudar a ideia do texto para algo nos moldes de um vídeo-ensaio e foi aí que as coisas complicaram e eu tive quebrar a cabeça para reformular a estrutura do texto onde acabei me desanimando.

Chegando no final eu vejo que não é bem a ideia do texto que me desanimou e sim a constatação que esse é um trabalho meio inútil. Não digo isso pelo fato de eu não ter muito alcance de leitores (de verdade tenho praticamente nenhum), e sim pela tal “maldição” que assola os primeiros jogos. Por mais que eu fique aqui exaltando as qualidades de The Witcher, e ele tem sim várias, infelizmente o jogo sempre estará na sombra dos títulos que vieram logo após ele.

Mas como diz a sabedoria popular, a esperança é a última que morre! Se esse texto for suficiente para convencer uma pessoa a jogar, é uma pessoa a mais que terá a oportunidade de passar pelas mesmas experiências que passei com The Witcher. E torço para que sejam positivas. Para mim isso já basta, então obrigado por ler até aqui!


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3 thoughts on “The Witcher: A maldição de ser o primeiro”
  1. A trama parece interessante, criei uma vontade de testar o jogo. Se funcionar para mim seria o segundo que jogo por me animar com os seus textos, o primeiro foi Mother 1 que estou na metade da jogatina. Ótimo texto.

    1. Legal saber que você se interessou por Mother 1. Caso não conheça o resto da franquia eu recomendo bastante, sobretudo o 3. O TW1 é muito bom se a pessoa conseguir relevar os lados menos lapidados dele, a história com certeza vale a pena. É só treinar a mente sobre o combate ter uma pega mais de ritmo e não exatamente em tempo real como outros RPGs de ação

      1. Tenho essa mesma sensação que jogos muito legais são deixados de lado por uma ou outra “falha” que era na verdade uma limitação da época ou teste de conceito que acabou por não funcionar tão bem. Nem tudo tem que ser tão coeso para uma experiência com o jogo valer a pena. Curti Mother, pretendo jogar a franquia toda e fiquei feliz de começar pelo 1 pela esquisitisse da obra, vai ser legal ver o desenvolvimento dela.

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