Wulverblade: o melhor beat’em up que eu sei que você não jogou

Capa de Wulverblade, mostrando todos os personagens no centro da imagem e o título do jogo no centro deles

Hoje para um beat’em up receber algum destaque ele precisa fazer parte de uma franquia consagrada. Ou ser publicado pela Dotemu. Ou os dois! Vide Streets of Rage 4 e Teenage Mutant Ninja Turtles: Shredder’s Revenge que provavelmente são as referências mais recentes que o público geral vai conhecer. Entretanto, isso não significa que o gênero está morto como o folclórico gamer médio vai tentar te convencer. Beat’em ups apenas não gozam da mesma popularidade de outrora.

Estúdios menores e desenvolvedores independentes produziram e produzem muita coisa boa nesse gênero nas últimas décadas. Infelizmente a maior parte não caiu nas graças do povo. Eu me incluo nesse grupo, porque meu “despertar” só foi acontecer de uns anos para cá. No meu pouco conhecimento eu consigo citar exemplos de jogos da comunidade de OpenBORtenho uma lista com alguns deles aqui no blog – e outros como Fight’N Rage, Mayhem Brawler, Maximus 2, Dawn of the Monsters e Mother Russia Bleeds. Também tem exemplos de jogos que buscaram mesclar as mecânicas de beat’em up com outros estilos de jogos como The Friends of Ringo Ishikawa, River City Ransom: Underground e Brok: The InvestiGator.

Enfim, tem muito jogão por aí que não recebe o devido reconhecimento porque não é um Sifu da vida. E eu gosto de Sifu, tá? O mais “recente” que eu descobri foi Wulverblade, um side-scrolling beat’em up desenvolvido pelo estúdio Fully Illustrated em 2017. Se fosse resumi-lo numa única frase eu diria que é um dos melhores beat’em ups da última década que eu tenho TOTAL certeza que vocês NUNCA jogaram. Sete anos na Steam e Wulverblade soma um pouco mais de 200 análises e acho difícil que um dia passe das 1000. Fight ‘N e Mother Russia Bleeds, ambos contemporâneos de Wulverblade, são alguns dos casos de maior sucesso e estão suando para bater as 5000 análises.

Claro que não podemos achar que a Steam é o centro do mundo. A maioria desses jogos são vendidos em outras plataformas e também temos casos como o de Maximus 2. Apesar de ter apenas 40 análises na Steam, na Play Store ele já passa das 30 mil avaliações. Mas eu não tô aqui para falar de números, só queria mostrar a dificuldade que os beat’em ups tem de alcançar mais jogadores atualmente. Além disso, com essas informações fica mais estatisticamente fácil de eu afirmar que vocês não ouviram falar de Wulverblade. Tem poucos vídeos dele no YouTube, menos ainda brasileiros. Mas vocês devem imaginar como fiquei sabendo da sua existência. Sim, pelo canal que eu mais faço publicidade gratuita aqui: The Flying Kick.

(curiosamente o Davy Jones também tem vídeo)

A história também dá pra se resumir numa linha . Wulverblade segue a jornada dos irmãos Caradoc, Brennus e Guinevere, guerreiros de uma tribo do sul da Britânia lutando contra a invasão do Império Romano. O jogo insere seus eventos ao redor da Legio IX Hispana, uma legião romana real que desapareceu naquela região por volta de 120 d.C. Apesar de não haver consenso, a teoria mais aceita é que os romanos foram eliminados pelos nativos. Assim Wulverblade aproveita a brecha histórica para construir uma versão ficcional que traz junto elementos fantásticos dos mitos dos povos daquela época.

Isso faz parte do que eu considero a maior qualidade do jogo, contudo vamos com calma. Quando o assunto é beat’em up, o que o pessoal quer mais saber é sobre a jogabilidade, então inevitavelmente eu tenho que cobrir esse tópico:

Wulverblade, assim como muitos dos beat’em ups da atualidade, vem com a proposta de resgatar a mesma gameplay que aprendemos a gostar nos anos 90. Ele não tenta reinventar a roda e replica todas as marcas registradas desse período. Os personagens, por exemplo, só os arquétipos que o público está acostumado. Temos um personagem equilibrado (Caradoc), um fortão (Brennus) e uma ágil (Guinevere). Todos os três têm o mesmo combo simples, combinado com outros golpes padrões da maioria dos beat’em up: dash, ataque aéreo, agarrões, desperation attack, etc.

Caradoc agarrando um dos inimigos pelas costas em Wulverblade

Você encontra várias armas pelo jogo, algumas que você pode atirar contra os inimigos e outras que pode usar até que quebrem. Também existem algumas armas especiais que liberam um ataque mais poderoso, porém lento. Se você for atingido durante a animação, o personagem derruba a arma e o mesmo acontece caso ele morra. Por fim, os personagens possuem uma segunda barra que quando preenchida libera o modo berserk em que eles ficam mais fortes, velozes, não sofrem dano e ainda recuperam parte do HP.

Falta destacar que, tal como o clássico Knights of the Round, parry é um valioso recurso no combate de Wulverblade. O jogo até enfatiza bastante isso, pois tem um sinal de exclamação que aparece para quando um inimigo vai dar um ataque mais forte. É uma colher-de-chá que te ajuda a acertar o timing do bloqueio, ou sinaliza para você sair da frente. Por isso eu nem chego a dizer que é Wulverblade é um jogo difícil. Não tem nem mesmo esse nível de dificuldade, apenas o fácil e o normal. É um beat’em up muito acessível para qualquer jogador.

Mas se por um lado Wulverblade não é brutal na sua dificuldade, por outro ele é na estética. Dado o contexto de guerra, você vê muito sangue e cadáveres por todo lado. Corpos decepados, fincados em espetos, enforcados, alvejados por flechas. Vira até um elemento da jogabilidade, pois ao derrotar um inimigo tem uma chance de um membro ou uma cabeça ficar para trás que seu personagem pode pegar e lançar no próximo soldado. Também em alguns momentos você pode executar um golpe finalizador em alguns inimigos inconscientes cortando ou esmagando a cabeça deles.

Toda essa violência é muito presente nas cutscenes que costuram a narrativa entre cada fase. Também tem muito sangue, mas o mais importante é que mostra que a equipe soube investir o orçamento do jogo na melhor forma possível. Wulverblade usa muitas imagens estáticas com o mínimo de animação em momentos pontuais, acompanhado de uma excelente narração. Eu não estava esperando que o jogo fosse completamente dublado e, mais do que isso, contasse com uma dublagem tão boa.

As fases são um pouquinho longas, as últimas passam até da marca dos 20 minutos. Isso pode te levar a achar o jogo repetitivo, mas o combate é suficientemente bom para mitigar essa impressão. O jogo também sempre entrega alguma coisinha diferente nos mapas para não deixá-los cair na mesmice. Nada muito significativo, como na segunda fase que inimigos atiram facas em você de cima das árvores ou então na quarta fase que em vez de um chefão você tem que destruir a torre de guarda, só para ter algo minimamente diferente da fase anterior. Outro detalhe muito que adicionaram em Wulverblade é que no fundo ou na frente da tela você de vez em quando vê os outros personagens passando e lutando contra os inimigos. Dá aquela sensação de um universo mais vivo e maior do que apenas aquela única linha que estamos seguindo.

Caradoc andando pela floresta. Ao fundo podemos ver seu irmão Brennus e sua irmã Guinevere entre as árvores

Beleza! Mas assim, se botarmos o chapéuzinho de cínico profissional, não tem nada que eu falei aqui que torne Wulverblade particularmente impressionante. Jogabilidade por jogabilidade, eu considero que Fight’N Rage está acima dele. Não que isso signifique alguma coisa, apesar do gamer achar que signifique. Só que não importa porque, como eu falei parágrafos atrás, a maior qualidade de Wulverblade está no alicerce histórico e cultural que o sustenta. Tudo isso é fruto de uma extensa pesquisa que acompanhou a sua pré-produção.

Wulverblade é um jogo repleto de apêndices. Não apenas as clássicas artes conceituais, mas sim o material que ajudou a inspirar seus cenários, personagens e trama. No menu de seleção das fases, por exemplo, tem fotos, descrições e pequenas gravações com narração de fundo que comentam sobre a história real daquele lugar. Além disso, ao longo do jogo você coleta documentos que trazem mais detalhes sobre os elementos históricos presentes em Wulverblade, como a arquitetura e armamento romano e também o folclore dos povoados da antiga Britânia. Entre esses documentos também se encontram cartas que expandem a trama, mostrando outros pontos de vista sobre a guerra.

Apesar de toda a estética bem estilizada, o trabalho de campo feito em Wulverblade lhe concede uma grande autenticidade. Não é apenas mais um “briga de rua” a jogabilidade da década de 90 com uma skin de bretão. Tentaram trazer um pouco de história para dentro do jogo, tanto dentro da sua narrativa como na forma de anexos.

Podemos ser cínicos e dizer que isso não tem nada demais, afinal jogos como Read Dead Redemption, Assassin’s Creed ou Kingdom Come: Deliverance também tem muita pesquisa sobre suas respectivas eras. Mas aqui eu acho que vale a pena pensar que estamos falando de um beat’em up, um gênero que não é tão comum vermos desenvolvedores se dando todo esse trabalho. Boa parte dos jogadores vai ignorar isso e apenas descer o cacete nos romanos, mas também haverá aqueles que irão se interessar por toda a cultura que Wulverblade traz. Isso que de fato o diferencia da média.

Eu sinto que pelas suas raízes lá no arcade, o beat’em up é largamente subestimado. Até mesmo pelos seus próprios fãs. Colocam o gênero nessa caixinha de jogo de porradinha que não precisa ser mais do que isso. Vai para frente, soca uns inimigos e continua até o jogo terminar. Não tem para que explorar nenhum potencial narrativo ou qualquer outra coisa do tipo, é só pensar na jogabilidade pura. Para que fazer mais? Não quero dizer que um jogo que se propõe a esse tipo de experiência esteja errado. Dando um pequeno spoiler de um possível texto futuro, um dos meus jogos favoritos desse ano saiu esses dias e é nada mais do que um jogo de porradinha com piratas. Só não precisamos ficar presos a isso sempre.

Mapa representando o sul da Britânia em Wulverblade

Eu vou citar Fight’N Rage de novo porque o usei de exemplo num texto de alguns anos atrás falando sobre narrativa. Lá eu comento que uma das características que eu mais curti na sua gameplay é como você pode seguir diferentes linhas narrativas de acordo com as rotas que toma. Por causa disso eu zerei Fight’N Rage várias e várias vezes para experimentar os diferentes caminhos que o jogo me permitia citado. Ainda é um beat’em up à moda antiga, entretanto tem esse detalhezinho que lhe deixa mais único.

Mais um exemplo? Sifu! O combate dele é excepcional. Se tratando de brawlers 3D é o meu favorito, até mais que o combate caótico e literalmente briga de rua de The Warriors. Mas mais do que isso, eu gosto que Sifu não se limita apenas a pegar o estilo de kung fu do Bak Mei para ser a arte marcial específica do jogo. Ele também traz o conceito do wude e o torna um símbolo importante do núcleo emocional da trama.

Dois jogos, dois beat’em ups, cada um buscando coisas diferentes para incorporar ao gênero para além do combate. Wulverblade faz o mesmo com toda essa bagagem histórica e cultural que a gente pode acessar através do jogo. Se você quiser apenas aproveitar o seu lado beat’em up, vai fundo. A jogabilidade é muito boa, não é um jogo difícil, tem uma dublagem e uma direção artística ótimas. Mas se você também quiser, pode aprender bastante sobre a Britânia durante a sua gameplay. Está tudo lá para você!


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