De uns meses para cá eu comecei a explorar o universo dos tokusatsus. Nada muito ousado, por enquanto tudo minha jornada partiu do mangá e das séries de Kamen Rider Black. Foi uma experiência divertida que tem me incentivado a procurar saber um pouco mais dessas séries. Porém meu interesse não inciou exatamente de Kamen Rider. Antes dele eu esbarrei com um pequeno beat’em up chamado Jaspion – The Game semanas antes de eu assistir qualquer coisa

Obviamente eu não era estranho ao nome Jaspion. Eu estava bem ciente da popularidade de longa data dessa série aqui no Brasil, apesar de nunca tê-la assistido nos anos que passou por aqui. Mesmo assim, quando postaram a gameplay num grupo de Facebook que eu sigo, bateu aquela vontade de jogar porque nos últimos anos eu também tenho explorado um pouco mais do mundo dos beat’em ups.

MacGaren, chefão recorrente em Jaspion - The Game

Mas falando do jogo, Jaspion – The Game é um beat’em up 2D no qual você contra, bem, o Jaspion! E quem conhece um pouco do gênero ali na geração do Mega Drive, com certeza notará uma certa familiaridade com alguns dos recursos e das mecânicas do jogo*. Ele foi feito pelo Rafael Souza ali por meados de 2020 graças a engine do OpenBOR.

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Para quem desconhece, o BOR ali é uma sigla para Beats of Rage, um antigo projeto do Senile Team que faz tributo a franquia Streets of Rage. Desse jogo derivou-se a engine que hoje é chamada de OpenBOR que é um software open-source para criação de beat’em ups 2D. A engine é bem popular no seu meio e gerou uma comunidade ativa e cooperativa com seus membros. Já existem tem dezenas de jogos desenvolvidos ou sendo desenvolvidos até no OpenBOR. Um bom exemplo é Avengers United Battle Force é mais outro exemplo de uma produção brasileira possibilitada por essa engine.

Como eu tenho buscado falar mais sobre jogos brasileiros aqui no Backlogger, não podia deixar Jaspion – The Game de lado. Porém não queria falar dele no formato de crítica. Porque, sendo honesto com vocês, não tenho muito o que comentar. É um jogo bem simples e não falo isso como demérito, só não há nada de muito relevante para se destacar.

O “esqueleto” do jogo lembra um pouco de Mighty Morphin Power Rangers: The Movie, versão do Mega Drive, que é um beat’em up que não me enche os olhos*. Bonitinho, mas com uma jogabilidade mediana. Dá para reconhecer muitas das animações e fases do jogo original no fangame do Rafael. Os controles e combos são bem parecidos, com Jaspion – The Game tendo algumas particularidades como o fato do personagem não iniciar com seu traje. Isso só acontece no meio da fase em momentos scriptados, o que é uma referência direta a série sempre tinha uma luta inicial com o Jaspion sem sua armadura. De resto, o jogo é o seu “briga de rua” side scroller padrão.

*fui informado que o jogo do Jaspion foi baseado num outro jogo de OpenBOR chamado Power Rangers – Beats of Power. Mistura um pouco do jogo do Mega Drive com o do Super Nintendo além de adicionar alguns elementos originais próprios

Certamente Jaspion – The Game não vai compor nenhuma lista de melhores beat’em ups da história. Contudo, tenho certeza que os fãs da série irão adorar cada segundo dele. E foi pensando nisso que encontrei um bom ângulo para abordar o jogo. Ou melhor, uma característica específica dele que é a sua sonoplastia. Dentro todas as possíveis qualidades que você poderia listar de um fangame, ao meu ver é esse elemento da sonoplastia que mais faz Jaspion – The Game funcionar.

Mas antes disso precisamos falar sobre a série, a extinta TV Manchete e, acima de tudo, a boa/ruim – dependendo de para quem pergunte – e velha nostalgia!

JASPION, NOSTALGIA E AS “VIÚVAS DA MANCHETE”

Logo da extinta TV Manchete
Rede Manchete foi o lar de uma séries e desenhos japoneses no Brasil

A TV Manchete foi uma rede de televisão brasileira que foi ao ar no início da década de 80 e conseguiu se manter a duras penas até quase o último suspiro dos anos 90. Sedeada no Rio de Janeiro, a TV Manchete chegou com um investimento pesado de equipamentos de alta qualidade mirando nas classes altas. Muita ambição que acabou sendo um tiro pela culatra. O aumento dos gastos gastos somados a um baixo retorno e acúmulo de dívidas não deram qualquer chance para a emissora se recuperar. Ainda mais depois do desastre da Copa de 98!

O destaque da TV Manchete vinha da sua programação muito variada: do jornalismo, cobertura de esportes, séries, programação infantil e teledramaturgia. A novela Pantanal, exibida originalmente em 1990, é até hoje considerada um dos grandes marcos da TV brasileira e talvez o maior sucesso da emissora. Porém se você é mais do público de internet certamente não é por isso que você ouve da TV Manchete.

A emissora também conseguiu atingir um público mais jovem, até mesmo alguns adultos, graças a transmissão de séries de TV e animações do Japão. Sendo assim, aTV Manchete serviu de porta de entrada para os brasileiros para o universo dos tokusatsus e dos animês. Muito dos otakus mais velhos de hoje provavelmente começaram a assistir um Cavaleiros do Zodiácio, Yu Yu Hakusho, Super Campeões, Sailor Moon, Shurato, entre muitos outros por lá. Ou então iniciando por um Changeman, Jiraiya, Lion Man, Ultraman, Cybercop, Jiban, etc. Nomes é o que não falta. É por isso que muita gente de mais de trinta anos carrega muita nostalgia pelos tempos da TV Manchete.

E claro que isso tem seu lado bom e ruim.

Já nos tempos de Orkut criou-se o termo “viúvas da Manchete”, que tinha suas variações para fãs de séries específicas. O termo adquiriu um tom pejorativo para descrever saudosistas que pareciam menosprezar qualquer outra série de tokusatsu que não tivesse sido transmitida na TV Manchete. O que é um pensamento besta e limitado, considerando que a emissora não exibiu nem 10% de todas as produções japonesas daquele período. E obviamente o surgimento desse grupo produziu as “antiviúvas da Manchete” que são tão insuportáveis e pedantes quanto os originais.

Mas enfim, não tô aqui pra falar de gente chata do Twitter ou da tokunet brasileira, vim falar de Jaspion. Kyojuu Tokusou Juspion, no seu nome original, foi uma série muito importante para a história do tokusatsu no Brasil. Ela foi, de longe, um dos maiores fenômenos em popularidade que tivemos aqui. O Fantástico Jaspion, como ficou conhecida por aqui, foi um sucesso tamanho para a TV Manchete que ela chegou até bater a Globo na audiência em algumas ocasiões.

Ninguém aqui precisa achar que Jaspion é a melhor série de todos os tempos ou da sua época. Ninguém precisa achá-la nem a melhor dentre os metal heroes produzidos. Contudo é inegável a sua importância aqui para o nosso contexto. Mesmo não sendo uma produção nacional, Jaspion virou uma parte integral da cultura televisiva brasileira e mantém fãs até hoje carregam muito carinho pela série.

A nostalgia é algo pernicioso, como já comentei por aqui, levando a pessoa a ficar presa no tempo. Porém eu não acho que precisa ser assim sempre e dá para falar de nostalgia numa nota mais positiva. Inclusive eu gosto muito dessa postagem que comenta sobre essa questão das “viúvas da Manchete”. Particularmente gostei dessa distinção entre nostalgia e saudosismo, para mostrar quando o apego as séries do passado sai dos limites saudáveis e se torna tóxica.

Só que não bem sobre nostalgia que eu vou falar no texto e sim sobre o uso dela para criar uma conexão do público com o seu jogo, por mais simples que ele seja. E no caso específico de Jaspion – The Game, como eu havia dito, a sonoplastia é fundamental para alcançar esse objetivo.

SONOPLASTIA E IDENTIDADE SONORA

Vou tentar ser rápido nesse tópico para podermos falar logo do fangame do Jaspion.

Para muitos sonoplastia pode ser apenas a adição de efeitos sonoros seja num vídeo, filme, programa de TV ou num jogo. Porém isso é só uma descrição bem superficial da capacitação dos profissionais dessa área. E acho que isso acontece porque as pessoas enxergar a sonoplastia como uma mera edição, contudo isso é um conceito bem mais amplo.

A sonoplastia é uma forma de comunicação através do som. Ou seja, ela é uma linguagem e como tal, ela transmite sentimentos, emoções, pensamentos, etc; estabelecendo signos e significados através da manipulação de efeitos sonos, músicas e falas. De tal forma, um artista consegue enfatizar a intensidade de uma ação, criar um efeito cômico ou então estabelecer o tom e a atmosfera de uma cena tudo com base em recursos sonoros dos mais diferentes tipos. Em Castlevania, imaginação e a entrada triunfal eu falo exatamente disso quando menciono o uso de efeitos sonoros e música para atiçar a imaginação dos jogadores.

E nos casos que a sonoplastia se torna tão emblemática para uma determinada obra, dá para considerar que ela se torna um símbolo para identificação da própria marca.

Mas vale destacar que sonoplastia e identidade sonora são conceitos diferentes. Esse último é mais utilizado mais na publicidade e no marketing. Ele expressa um conjunto de estratégias para atrair e engajar o público, criando uma identificação com a marca através dos sons. Porém eu acho que em algumas ocasiões podemos ter uma interseção desses dois conceitos. se tratando de arte eu acho que dá perfeitamente para criar uma interseção exatamente porque muitos sons nós associamos a um nome em particular.

Quer ver um exemplo bem emblemático? “Cavalo!”. Tenho certeza que alguns de vocês leram com uma entonação especial que fizeram vocês pensar na mesma hora no programa do Rodrigo Faro. Não importa o contexto que você utilizar, a sua mente vai direto nele.

Nos jogos é onde eu costumo ver isso acontecer com mais frequência e intensidade, até porque muitos dos títulos de terminadas franquias reutilizam esses recursos e usam temas específicos nas suas trilhas sonoras que viram sinônimos das própria marca. O tema de The Legend of Zelda que eu coloquei no início do tópico é talvez um dos exemplos mais notáveis nos jogos. Ela se tornou tão icônica que até hoje ela marca presença na franquia, seja com uma nova instrumentação ou até uma mixagem com outra música. E não somente isso, a música do Overworld se tornou um símbolo do espírito de aventura e desbravamento que são signos tão importantes para a série.

Então, se ela permite essa conexão tão forte assim entre a obra e o público, é óbvio que a sonoplastia é uma ótima ferramenta para mexer com a nostalgia.

O USO NOSTÁLGICO DA SONOPLASTIA

Transformação do Jaspion
Você ouviu a trilha sonora, eu sei!

Pelo pouco que eu vi de tokusatsus – e por pouco eu me refiro a duas três séries de Kamen Rider e Jaspion – eu percebi como a sonoplastia é tão importante para a execução de uma cena quanto os suit actors e a equipe dos efeitos práticos. E já que o tema do artigo é Jaspion, vou usar ele de exemplo para ilustrar esse ponto.

Todo episódio da série tem mais de uma cena de luta, onde geralmente o personagem enfrenta alguns dos capangas do Satan Goss até chegar no vilão da semana. Um detalhe dessas primeiras lutas é que em grande parte elas iniciam com o Jaspion sem a sua armadura, deixando para se transformar no meio de uma sequência de ação. E algo que fica bem nítido é como os efeitos sonoros de socos e chutes do protagonista mudam de acordo contra ele luta e como luta. Quando ele está sem o traje são golpes normais, porém quando veste a armadura tem uma sonoridade mais “metálica”.

Na realidade da série, o que o Jaspion usa é alguma espécie de liga metálica alienígena. Porém, é óbvio que na verdade é só uma fantasia de material plástico para dar mais mobilidade ao suit actor. Portanto a sonoplastia entra aqui para nos ajudar a criar essa ilusão que é um traje metálico através do som que ela produz.

De volta ao jogo, Jaspion – The Game é, como eu disse, um beat’em up bem modesto nas suas mecânicas. Ele é bem feito, com certeza, mas não seria a sua primeira escolha num universo que existe Streets of Rage, Final Fight, Captain Commando, entre outros. Até mesmo o Power Rangers do SNES eu escolheria antes dele.

Jogabilidade de Jaspion - The Game

E está tudo bem porque eu não acho que o Rafael fez esse esse fangame com muitas ambições. Jaspion – The Game não pensa no macro e sim na comunidade de jogos de OpenBOR. E, claro, pensa também nos fãs de Jaspion, grupo do qual o Rafael provavelmente faz parte.

Obviamente o simples fato de ter Jaspion no nome seria o bastante para acionar a nostalgia do antigo público da TV Manchete. É possível que converse até com as pessoas que foram conhecer o personagem anos depois. Referências ao material original é o que não falta. Já na fase um o jogo te põe no controle do Gigante Guerreiro Daileon enfrentando Marigos, o monstro do primeiro episódio da série. O MacGaren, filho do Satan Goss e um dos principais vilões da série, dá as caras na maioria das fases servindo como um miniboss entre um estágio e outro. Além disso, vários dos vilões mais memoráveis também dão as caras aqui como Ikki, Purima, Zampa, Gyoru e Kilza.

Mas assim, isso é nada mais que o básico do básico para qualquer fangame. Se estivéssemos falando de, sei lá, Power Rangers, lógico que esperaríamos encontrar a Rita Repulsa e Goldar em algum momento e ter uma luta com os Megazords. E está aí a chave nesse diálogo, dá ao fã aquilo que ele espera.

O texto do jogo é inglês e assim poderia se imaginar que o Rafael queria atingir os fãs de diferentes países. Porém já na intro, quando toca a abertura original da série,e nós escutamos o narrador falar: “O Fantástico Jaspion. Versão brasileira, Alámo”. E ao longo de todo jogo todas as frases que escutamos são sempre da dublagem brasileira.

Gigante Guerreiro Daileon em Jaspion - The Game

Quando o personagem grita “Cosmic Laser” é a voz do Carlos Takeshi e não do Hikaru Kurosaki que a gente escuta. No final de todo confronto com o MacGaren ele foge soltando o seu clássico “Maldito Jaspion!” na voz do Ricardo Medrado. Nas duas oportunidades que podemos usar o Gigante Guerreiro Daileon e usamos o especial, o Jaspion não diz “Cosmic Crash” e sim “Golpe Daileon.

O próprio barulho dos golpes parece ser o mesmo que foi utilizado na série, inclusive com aquela distinção que eu mencionei quando o Jaspion está sem o traje de metal e depois quando se transforma. O mesmo se aplica aos raios do Satan Goss e os efeitos sonoros durante a sequência de transformação.

Pode parecer uma bobeira e talvez o Rafael nem tenha feito intencionalmente, era puramente o mais lógico a se fazer num fangame de Jaspion voltado ao público brasileiro. Porém o resultado inegavelmente é que ao trazer a mesma sonoplastia, com as músicas e os efeitos sonoros originais junto com as falas da dublagem brasileiro, o jogo se comunica diretamente com aquele fã que veio lá dos tempos da TV Manchete através da sua nostaliga. Com isso, até mesmo que ele nem curta beat’em ups, vai sentir um grande prazer durante a gameplay.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Eu não acho que a nostalgia precisa sempre ser mal vista e acho mais do que natural que explorem ela em adaptações. Óbvio que quando é um estúdio fazendo isso para não se preocupar em criar algo novo em cima de uma propriedade intelectual as críticas são mais do que necessárias. Porém no caso de fangames como Jaspion – The Game, que são feitos mais pelo valor da homenagem do que para qualquer fim lucrativ – até mesmo porque os desenvolvedores não podem nem comercializar esses jogos não-licenciados – o apelo a nostalgia é mais bem-vindo.

E como vimos no texto não existe um aliado melhor que a sonoplastia, pois os fãs de longa data vão sempre ter essa “memória auditiva”. Sendo assim, você consegue impactar um público até mesmo com um joguinho mais simples que não tem qualquer outra ambição além de fazer um tributo a uma série que marcou seu desenvolvedor no passado.

Agora se me dão licença, eu ainda preciso terminar de ver a série, he he!


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