Uma cena de Monster World RPG em que o protagonista Max encara um dos dragões que seu grupo enfrenta

Semanas atrás – acho que agora já faz quase um mês – eu joguei Aggelos, um jogo indie que não deixa qualquer dúvida da sua inspiração em Wonder Boy. Nesse período, um colega meu falou que existia um fangame da série feito no RPG Maker 2k3 por uma dupla de um italiano e um brasileiro: Monster World RPG. Aliás, este mesmo colega está desenvolvendo seu próprio fangame com os personagens de Chapolin no RPG Maker. Vale muito a pena conferir!

Pois bem, curioso que sou, peguei esse tal de Monster World RPG para jogar. Se você quiser jogá-lo também é só clicar aqui.

Falar que ele um fangame nem é uma descrição tão boa assim, porque Monster World RPG é O fangame. Os desenvolvedores parecem mais historiadores do que fãs porque eles usaram tudo, tudo mesmo, da franquia de Wonder Boy. Monstros, áreas, dungeons, músicas, personagens (incluindo protótipos que foram descartados dos jogos originais), etc. Se existiu em Wonder Boy em algum momento, existe em Monster World RPG em alguma extensão.

E tem mais!

Os desenvolvedores resolveram ir um passo além pegando referências de fora dos jogos oficiais. Personagens de outros fangames, dos jogos da Turma da Mônica publicados pela TecToy e até mesmo títulos que se inspiraram em Wonder Boy. Tanto o protagonista de Aggelos quanto o de A Lenda do Herói fazem umas pontas em Monster World RPG. E essas são apenas referências que eu reconheci, tenho certeza que dezenas de outros detalhes me passaram despercebidos.

Então, como podem ver, esse é um fangame volumoso. Não apenas no elenco, o jogo em si é enorme e foge um pouco do escopo de outros projetos feitos no RPG Maker. A maioria dos jogos dessa comunidade, quando concluídos, ficam entre 100-200 mapas. Alguns tem até bem menos que isso. Já Monster World RPG tem, deixa eu conferir aqui… MIL SEISCENTOS E QUARENTA E CINCO. O jogo se divide em quatro capítulos, sendo o segundo e o quarto bem extensos, que garantem algo em torno de 24 horas de jogatina. Isso chutando baixo e assumindo que você tentará completá-lo 100%.

Pelo nome, vocês já devem imaginar como é a jogabilidade de Monster World RPG e se conhece o RPG Maker 2k3 sabe qual é o sistema de batalha. Só que o combate não é lá muito bem balanceado, com inimigos que levam tempo demais para serem derrotados. Não porque sejam difíceis, mas sim por serem esponjas de dano. Por causa disso, o jogo corre bastante risco de ficar monótono para alguém que não esteja tão investido assim em Wonder Boy. Acho que até mesmo alguns fãs não conseguiriam suportá-lo até o fim.

Um dos chefões, um dragão-múmia que guarda a chave para uma das dungeons

No balanço geral, eu me diverti à beça com Monster World RPG. O último capítulo em particular foi um que gostei demais por se passar na região de Monster World IV, o meu favorito da franquia, e também por tomar mais liberdade criativa e montar uma lore para o icônico Biomeka, vilão dos dois últimos jogos da série no Mega Drive. Mas eu estaria mentindo se não dissesse que em vários momentos o jogo testou bastante a minha paciência. Consigo visualizar perfeitamente alguém ficando entediado com as centenas de lutas que passamos pelas dúzias de dungeons de Monster World RPG.

Acredito que os desenvolvedores consideraram essa possibilidade, porque dá para notar um esforço em preencher o jogo com muitas sidequests, segredos, puzzles e, por fim, minigames. Neste último caso, os minigames ocorrem em passagens específicas em que Monster World RPG larga um pouco o RPG do nome e temporariamente dá uma mexida na sua gameplay.

O que nos leva ao tema de hoje. Há anos que penso como alguns jogos, especialmente RPGs, precisam sair um pouco do seu padrão e incorporar outras mecânicas para mitigar os efeitos que uma jogabilidade repetitiva traz. Mas antes de falarmos sobre como Monster World RPG aborda essa questão, precisamos voltar um pouco no tempo até o PlayStation.

RPGs: UMA LITERAL LONGPLAY

Menu de Monster World RPG que mostra a quantidade de horas passadas no jogo
P-L-A-T-I-N-A-D-O

Desde tempos imemoriais, jogos de RPG são considerados como os mais longos entre os diversos gêneros. A realidade mudou de gerações para cá, ainda mais com jogos de mundo aberto que conseguem passar da margem de 100 horas com facilidade. Diria até mais, jogatinas extensas se tornaram uma demanda porque o gamer precisa justificar para si o preço de novos lançamentos.

De qualquer forma, RPGs de fato costumam ser mais longos que a média e a gente já espera pelo menos umas 25 ou 30 horas de duração quando pega um deles para jogar. Se perguntássemos o motivo de serem tão longos, a resposta mais provável é a de que RPGs tendem a dar mais ênfase na história. O que estaria certo. Bem, meio certo! Concordo que tem uma parcela de razão, porém o foco narrativo não explica tudo. Sim, é um gênero que se dá ao luxo de explorar diversas linhas narrativas, com um grande, passando por muitas regiões e com uma vasta sucessão de eventos onde outros jogos costumam ser mais restritos. Só que falta inserir a jogabilidade nessa equação.

Vamos pegar alguns títulos mais antigos, antigos mesmo, de exemplo como os primeiros Dragon Quest ou os primeiros Final Fantasy. Nenhum deles é sinônimo de uma história complexa – o Final Fantasy II é discutível – apesar de que ainda existe uma construção de universo ali que os sustente. Suas tramas não são das mais intrincadas e recheadas de reviravoltas, mesmo assim passam da marca de 10 horas de gameplay. Por quê? Se eu fosse resumir a uma única palavra eu escolheria grinding.

Dragon Quest & Final Fantasy

Na maior parte do tempo você não está explorando o mapa ou progredindo na história. Este último só acontece eventualmente. Primeiro você tem que ficar andando de um lado para o outro, lutando contra vários fictícios para seus personagens conseguirem sobreviver numa dungeon com monstros fictícios mais fortes. Lugar este onde você terá que passar por mais umas dezenas de batalhas até chegar no chefão. Que se você der sorte consegue fazer na primeira tentativa (tive flashbacks horríveis de Dragon Quest II agora). Depois, caso você consiga sobreviver na primeira tentativa, você terá que repetir o processo para a dungeon seguinte.

Diabos, enquanto eu escrevo este texto sabem o que eu estou jogando? Pokémon Red. Tenho umas 50 horas no jogo e pelo menos 90% desse tempo eu passei treinando os pokémons e não avançando na história. Portanto, uma parte considerável da gameplay de RPGs você desprende em repetidas lutas. Ênfase em ‘repetidas’.

Ok, mas aí a gente pode argumentar também que a repetição é natural de qualquer jogo que envolva combate. Você está sempre enfrentando dúzias e mais dúzias de inimigos, seja num FPS, um hack ‘n slash, beat’em up, estratégia, etc. Porém o que vejo pesar nos RPGs, mais especificamente aqueles com combate baseado em turnos, é que eles dividem uma característica em comum: são bem chatinhos.

Caso não pareça, este que vos fala é um fã de RPGs baseados em turnos.

Mesmo que ao longo do tempo foi se investindo em formas de deixar esse combate mais dinâmico, como o fantástico ATB 2.0 de Chrono Trigger, a qualidade repetitiva da jogabilidade se mantém, abrindo espaço para a gameplay ficar monótona. Um dos meus RPGs favoritos do PlayStation, Legend of Legaia, sofre bastante com isso, mesmo com o diferencial de transformar o botão de ataque numa série de golpes que você escolhe para formar um combo. Porque você tem que fazer essa seleção para três personagens diferentes e aguardar as animações de ataque, suas e dos inimigos. Isso estende mais as lutas e quem não tem interesse (e paciência) por esse tipo de jogo tem chances altas de se entediar rápido.

E aí que chegamos em Final Fantasy VII.

Uns dois anos atrás, eu escrevi um longuíssimo ensaio (que eu tive que revisar todo só para fazer essa citação porque esse é meu nível de obsessão) comentando sobre o que faz dele um clássico e sobre a triste ingratidão do tempo com essas obras. Em dado momento do texto, eu menciono algo que me chamou atenção em Final Fantasy VII que era como de tempos em tempos o jogo introduz um minigame que se distanciava do formato tradicional dos RPGs. Um grande exemplo é o último capítulo do primeiro ato do jogo em que controlamos o Cloud numa perseguição de moto que faz pensar em Road Rash.

Vários minigames que você se depara ao longo de Final Fantasy VII

Nessas partes ele incorpora elementos de outros tipos de jogos como esportes, corrida e até tower defense. Tais minigames ocorrem várias vezes e você começa a ficar curioso em ver o que mais ele pode mostrar. Não era nenhuma exclusividade para a época, no texto mesmo eu menciono o exemplo da corrida de jet bike em Chrono Trigger, mas o que me impressionou foi a frequência com a qual isso ocorria em Final Fantasy VII.

Dá para dizer que os desenvolvedores estavam apenas explorando o potencial do PlayStation, entretanto eu gosto de adicionar outra camada. Para mim, ali percebeu-se a dificuldade que o gênero de RPG tinha para reter jogadores para além do seu nicho. RPGs que continham elementos de ação, como as séries de Tales, Ys e Mana, eram mais atrativas nesse aspecto, mas para os baseados em turno era necessário uma outra solução.

E agora podemos falar de Monster World RPG!

O VASTO CONTEÚDO DE MONSTER WORLD RPG

Vários exemplos da gameplay de Monster World RPG

Jogos de RPG Maker, em sua maioria, não se destacam pelo sistema de combate. A depender da versão da engine, você terá o de Dragon Quest ou o de Final Fantasy sem muitas possibilidades de personalização. Isso foi mudando mais a partir do RPG Maker XP pela introdução do RGSS e mesmo assim os makers focam mais nas opções que vêm nas engines. De vez em quando um título surge com algum diferencial, o caso de Grimm’s Hollow é um que me vem à mente, porém são exceções e não uma regra.

Outro aspecto comum na maior parte dos projetos é que o sistema de batalha tende a não ser muito balanceado. A gente costuma relevar isso por entender que jogos de RPG Maker são feitos por equipes muito reduzidas, quando não um único desenvolvedor, e quase sempre de amadores. Tanto que eu gosto de imaginar o RPG Maker como uma espécie de Lego para o desenvolvimento de jogos. Algumas pessoas se tornam muito profissionais no uso dessa engine e afins, mas o que vejo de mais importante na comunidade maker é a experimentação.

Monster World RPG não é uma das exceções, o combate é facilmente o ponto mais baixo do jogo. Repetindo o que falei na introdução, os monstros têm mais HP do que deveriam ter e, para piorar, boa parte dos personagens não causam dano massivo como o protagonista. Até mesmo as ultimates não chegam a ter muita utilidade. Assim, quase todas as lutas se resumem a você spammar o botão de ataque até todos os inimigos serem derrotados. Tem até umas magias em área úteis e mesmo com elas ainda leva um tempo considerável para derrotar monstros da metade do jogo para frente.

Agora pensem nisso por mais de 20 horas? Não ajuda muito que a própria estrutura de Monster World RPG gira em torno de padrões facilmente reconhecíveis. Como exemplo eu cito o capítulo 2 que consiste em você se deslocar até uma região, entrar numa dungeon, enfrentar um dragão para pegar uma chave, usar essa chave para abrir uma segunda dungeon e enfrentar o vilão e resgatar uma personagem que ele sequestrou. E você tem que fazer isso mais sete vezes!

Até mesmo no humor Monster World RPG se repete bastante porque cada personagem tem uma piada recorrente.

Junior, um dos personagens principais de Monster World RPG

O protagonista Max vive se apaixonando por uma das personagens femininas só para descobrir mais a frente que ela tem namorado. Um dos seus companheiros, Shabo, só pensa em dinheiro e toda nova missão ele tenta ganhar alguma vantagem. Já os diálogos do Hotta quase sempre terminam com ele falando sobre comida. Por fim temos Júnior, um bebê dragão, que interpreta tudo que os outros personagens falam no sentido literal. Inclusive ele é o que mais me fez rir.

Por ser um jogo longo, esses padrões ficam mais aparentes e eu vejo que os desenvolvedores encheram a gameplay de diferentes conteúdos para tentar mitigar essa sensação. Ironicamente isso causa outro padrão de repetições, mas que comparado ao fator das lutas é bem menor.

Em cada região você encontra um guerreiro que te dá uma habilidade especial para você progredir no jogo e conseguir novos itens. As dungeons tem temáticas diferentes e apresentam vários desafios distintos. Aliás é digno de elogio a quantidade de puzzles que os desenvolvedores adicionaram em Monster World RPG, que o deixa ainda mais familiar aos jogos de Wonder Boy. São várias sidequests, algumas que te acompanham até o último capítulo. Fora as novas mecânicas que o jogo introduz o tempo todo: genes, gears, magias, um personagem com um estilo de luta único, etc.

Então, apesar de uma natureza repetitiva, Monster World RPG sempre tenta adicionar mais alguma coisa por meio das sidequests, das mecânicas e, por fim, dos minigames. Em determinadas seções, Max tem que desviar de obstáculos com algum veículo, seja um skate, um carrinho de mina ou um tapete voador. Numa dungeon em particular o jogo muda para uma perspectiva 2D e você precisa fugir de um pedregulho através de um plataformismo simples. Uma hora o jogo replica o bom e velho jokenpô de Alex Kidd. Tem até mesmo um shoot’em up de navinhas no fim do capítulo 3.

Um minigame de shoot'em up feito no RPG Maker

Óbvio que esses minigames não são tão polidos, outro problema consequente da própria engine. O RPG Maker foi construído para simplificar o desenvolvimento de jogos, portanto ele carece de ferramentas para criar sistemas mais complexos. Mas como falei no meu texto de Ahriman’s Prophecy, isso nunca impediu os makers de tentar inseri-los nos seus jogos, mesmo que ficassem longe do ideal. A perfeição técnica nunca foi e nunca deve ser um objetivo dentro da cultura do RPG Maker.

Os minigames de Monster World RPG nem são lá muito criativos. Mais de uma vez o jogo apela a quizzes que para mim são a forma mais baixa de desafio. O bacana é ver os desenvolvedores se esforçando para entregar algo a mais do que batalhas que depois de um certo ponto viram uma inconveniência. Nessas horas em que o jogo sai um pouco do seu padrão que ele brilha e isso é uma necessidade para qualquer outro título, seja ele um fangame ou um AAA.

CONCLUSÃO

Tenho esse problema de não ter muita confiança se fui claro o suficiente, até mesmo estando consciente de como sou prolixo. Por isso eu queria enfatizar que eu não defendo que os RPGs precisam é de soluções para “dinamizar” mais seu sistema de batalha. Deus me livre de viver num mundo só de RPG de ação (disse o cara cuja franquia favorita é Ys). O que eu acredito que esses jogos precisam está fora do combate deles.

Já tem décadas que gênero não faz mais tanto sentido no contexto de vídeo games. Muitas mecânicas que muitas gerações atrás eram vistas como exclusivas de um determinado gênero hoje em dia aparecem o tempo todo entre jogos diferentes. O próprio RPG é um ótimo exemplo porque o que mais temos são jogos integrando em algum nível um sistema de progressão de personagem. Dá para observar isso há mais de décadas, como os personagens que passavam de level e conseguiam equipamentos melhores em The King of Dragons ou as comidas que aumentavam seus atributos em River City Ransom. Ou o melhor exemplo que eu gosto de pensar que é Sweet Home. Na prática ele foi um jogo de RPG, mas que incorporou elementos de jogos de aventuras e acabou sendo base para o surgimento do gênero de survival horror anos depois.

Portanto, não existe motivo para não inserir mecânicas diferentes no seu jogo. Essa quebra de padrão é uma coisa ao menos curiosa de se ver. Mesmo que seja algo que nem pareça ter tanto sentido como fazer o seu personagem descer uma montanha fazendo snowboarding. Ainda mais se você tiver recursos para tal. Dois caras em dois continentes diferentes fazendo um fangame que eles nem poderiam comercializar tiveram esse esforço, então aposte na sua criatividade também.


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