Stellar Blade, 2024, reviveu um antigo debate sobre sexualização em vídeo games que relembra a época de Bayonetta
Minha mãe deve estar tão orgulhosa do meu blog…

Eu tentei evitar até onde pude essa pauta mais-do-que-saturada da comunidade gamer. Mas eu preciso agradar o algoritmo de vez em quando com uma treta atual para ver se o Backlogger volta a aparecer no Google Discover. Então *sigh* vamos falar de Stellar Blade!

Acho muito difícil alguém não saber sobre esse jogo, afinal ele está nos assuntos mais comentados há dias. E claro que se apareceu aqui no BO da Semana não é por razões muito positivas. O problema da vez é a sexualização da protagonista de Stellar Blade, Eve.

A primeira vez que eu me lembro de ouvir falar do jogo foi semanas atrás num tweet que mostrava um dos figurinos da personagem. Não sei se esse é o… uniforme padrão dela ou se é apenas uma skin selecionável. De qualquer forma, a roupa fazia parecer que a Eve estava pelada. Bastante óbvio, bastante exploratório e eu falaria “bastante brega” também se eu não odiasse quem usa essa palavra. Então só revirei os olhos e fiz o que toda pessoa supostamente normal faria: scrollei para baixo e segui com a minha vida.

Eu não tinha muito interesse em ir atrás de mais informação sobre o Stellar Blade, algo que eu só fiz superficialmente agora para os fins desse texto, e os últimos dias não alteraram isso. Nem para mais e nem para menos. Porém uma coisa é fato: eu não aguento mais ouvir falar sobre a sexualização da Eve!

Não que eu não me importe com o tema, é que simplesmente ele caiu no mesmo lance de Skullgirls no ano passado. Ambos os lados dessa “conversa” são igualmente irritantes e nem me parecem de fato discutir o tópico com honestidade dentro das suas respectivas visões. O principal interesse é antagonizar o opositor na mais superficial guerra cultural que amaldiçoa tudo relacionado a entretenimento. Qualquer opinião que foge aos extremos desse fogo-cruzado será igualmente antagonizada e por ambos os lados! Logo não existe qualquer incentivo para dar seus dois centavos sobre o tema porque as chances são que você vai ser atacado independente do que fale.

Quanto ao meu posicionamento, ele está em algum ponto entre as vozes mais extremas, tanto no sentido figurado quanto literal, dessa discussão. Por um lado eu realmente acho ridícula a sexualização da personagem e não do sentido de extravagância. Para mim é só um design pueril, uma tentativa barata de agradar o gamer solitário que tem noções superficiais de beleza. Até The Last of Waifus eu acho mais honesto com sua exploração da sexualidade, ainda que de maneira igualmente pueril, do que Stellar Blade. Por outro lado, eu não sou um sarkeesiano para tratar isso como uma questão tão problemática – ainda que reconheça que é um problema – e escandalosa a ponto de ficar dias e mais dias discutindo esse tópico na internet. Sexo ainda vende.

Só que tem um aspecto desse debate que passou a me incomodar quando trouxeram Bayonetta para o centro dele. Também foi usada a 2B, protagonista de Nier: Automata, porém eu escolhi ignorá-la. Como essa pauta já está cheia de gente insuportável eu não quero trazer mais uma fanbase tão irritante quanto pedante para cá. Já arranjei sarna o suficiente para coçar no momento que decidi falar desse assunto no meu blog.

Mas enfim: Bayonetta!

Trouxeram o jogo para a mesa quase como um exercício de memória, relembrando as controvérsias que a protagonista homônima passou por conta do seu design escrachadamente sexualizado. Se não estou enganado, o ápice foi no lançamento do segundo jogo em 2014. Nesse mesmo período, organizava-se uma militância feminista em ambientes gamers impulsionada por eventos como Gamergate e figuras como Anita Sarkeesian e Zoë Quinn.

Só que há um porém nessa história toda. Embora algumas pessoas estivessem usando Bayonetta apenas como um exemplo de como lá trás esse tipo de controvérsia já tinha acontecido (argumento este que não é tão bom como essa galera acha que é), teve uma outra parcela fazendo algo diferente. Há dias que eu vejo pessoas usando a Bayonetta, para minha surpresa, para fazer uma comparação com Stellar Blade. Digo surpresa porque essas pessoas estão hoje tratando a sexualização de Bayonetta como positiva ou, para usar uma expressão que considero mais adequada, uma “sexualização do bem”. Ao mesmo tempo, essas pessoas categorizam Stellar Blade como um uso errado do erotismo* nos vídeo games.

*escrevo erotismo aqui de forma bem solta porque
até o momento a presença dele em Stellar Blade
me parece mais para fins exploratórios
do que fins artísticos.

Para mim tem três fatores que colaboram para essa nova tomada com a personagem:

  • Já tem 15 anos desde que a franquia nasceu, gerando um distanciamento grande o suficiente para permitir que as pessoas gostem de algo com a justificativa de entender aquilo como um produto da sua época;
  • Durante esse período, a Bayonetta passou por varias reavaliações e ressignificações de forma que para alguns grupos ela é interpretada como um símbolo de empoderamento e também uma forte ícone queer;
  • Por fim, e esse é o fator que mais me chama atenção, é a dificuldade do progressismo online em aceitar suas contradições internas.

Aqui a gente precisa definir que, na internet, existem progressistas e progressistas. Isso não é nenhuma exclusividade do grupo, é uma consequência da natureza performática da nossa atuação em redes sociais. Então ao mesmo tempo que você encontra pessoas legitimamente engajadas nas suas causas, existem outras que apenas tem interesse de se apropriar dessas mesmas causas para obter capital social dentro da sua bolha. O problema nesse segundo grupo é que por vezes eles adotam os seus princípios e valores de forma irredutível e não-nuançada. Eventualmente isso os leva a ter uma pane mental quando precisam encarar um dos fenômenos mais comuns da experiência humana que são nossas contradições.

Como a vida é um emaranhado de variáveis complexas, é virtualmente impossível viver segundo nossas ideologias, posicionamentos políticos e os valores que adotamos sem, em algum momento, cair numa contradição. Claro que temos que separar os casos que isso acontecem na boa ou na má-fé, mas de qualquer forma contradições serão inevitáveis. Pode ser algo bem pequeno como gostar de um jogo de um gênero que você despreza ou algo maior como ter afeição por um título que tem dúzias de elementos que você considera problemático e já condenou em outras obras.

Como telhados de vidro são o alvo favorito da internet, é até compreensível porque as pessoas tentem esconder os seus. É nesse medo que reside o paradoxo da “sexualização do bem” que Bayonetta e Stellar Blade evidenciaram nos últimos dias. Muitas das pessoas que adotaram a máxima de que sexualização é errado e precisa ser combatida com todas as forças precisam lidar que boa das coisas que elas adoram tem isso em algum nível. Ao que leva a não a uma tentativa de ressignificação legítima e sim a um revisionismo tosco quando não uma total negação do passado.

Com Bayonetta eu vejo muita gente desesperadamente fazendo isso para justificarem para si e seus seguidores o porquê deles gostarem de uma gostosona dos games enquanto criticam outra gostosona dos games. O comentário que acabou servindo de pontapé para esse texto foi um tweet com mais de 6 mil curtidas em que o autor tentava defender que a sexualização da Bayonetta não era “degradante” como a de Eve. Para isso ele chegou ao ponto de dizer que o jogo era na verdade uma crítica a hipersexualização de personagens femininas da época.

Por eu ser um defensor da ideia de morte do autor, eu não sou contra uma tentativa de leitura do apelo sexual de Bayonetta para além de fins exploratórios. Mas não ser contra não significa que eu concorde e nesse caso eu discordo muito. Porque eu vejo toda essa tentativa de revisionismo para cima desse jogo não como uma reavaliação sincera por parte dos seus fãs. É só alguém tentando se convencer que não gosta de uma personagem hipersexualizada para poder criticar outros que admitem isso abertamente. O que inclui o próprio criador de Bayonetta!

É por isso que essa conversa toda me irrita. É muito difícil ter discussões sérias na internet que não descambem para trocação de farpa. Só que nesse caso particular o que parece manter a discussão é um lado querendo condenar a gostosona que o coleguinha dele gosta enquanto livra a barra da gostosona que ele gosta. Não é um debate real e sim uma guerra para determinar qual erotismo pode e qual erotismo não pode, definindo assim uma “sexualização do bem” que já nasce paradoxal.

Não há o que fazer nesse cenário, você não consegue argumentar contra quem não está realmente interessado em ter um debate. Para isso só dá para ter uma reação:

"I'm tired, boss", uma linha do personagem de Michael Clarke Duncan em A Espera de Um Milagre

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