Bom, semana passada saiu o teaser trailer de Castlevania: Nocturne, a nova série animada do universo de Castlevania que será produzida pela Netflix. E como sempre eu estou atrasado para falar de qualquer coisa. Mas cá estamos!
A série anterior contou com quatro temporadas adaptando os eventos de Castlevania III: Dracula’s Curse. Nocturne, por sua vez, se situará na trama de Castlevania: Rondo of Blood que conta a história de mais um herdeiro do clã Belmont, dessa vez Richter Belmont, no seu embate contra Conde Drácula.
Depois do teaser tivemos as reações padrões de cada um dos lados. Já tem muita gente empolgadíssima com a animação, ao mesmo tempo que existe outra massa com os dois pés atrás com Castlevania: Nocturne. Os motivos são diversos. Ao contrário de uma quase unanimidade como é Arcane, a primeira série de Castlevania da Netflix tem seus fãs tanto quanto detratores. Eu não posso falar nada nesse quesito porque só vi a primeira temporada, achei chata e não dei sequência ao desenho. Pretendo mudar isso um dia? Provavelmente não!
Outro fator é que a Netflix não anda com uma reputação muito positiva com o público consumidor ultimamente. Como eu já havia dito no meu Twitter, tem duas empresas das quais eu não espero nada que são a Netflix e a Konami. Não importa o grau de envolvimento, tem dedo deles eu já dou um passo para trás. Portanto não posso dizer que estou particularmente empolgado com essa tal de Castlevania: Nocturne.
Porém ao contrário da outra série, essa eu estou inclinado a dar mais chances. Considero o Rondo of Blood o ápice do período Classicvania e é um dos meus jogos favoritos da franquia como um todo. Porém vou ir com as expectativas bem controladas para a animação. Mas o texto não é sobre mim. Hoje eu quero falar sobre algumas das reações negativas que vi sobre essa animação.
FIDELIDADE NÃO IMPLICA EM QUALIDADE
Olha, eu consigo entender quem não está confiante com Castlevania: Nocturne porque não gostou da série anterior. Por mais que cada obra tem que ser julgada por si só, não dá pra ignorar que a credibilidade cai com um projeto insatisfatório. E a Netflix tem vários desses. Só que parte das reações que eu vi não eram apenas por causa disso. Há uma má vontade nítida com a série logo de cara só porque ainda existe muito dessa mentalidade rasa de alguns fãs de que “fidelidade = qualidade”.
Sempre que rola uma adaptação de uma propriedade intelectual famosinha acontece essa briga por que os fãs queriam que tivesse mais parecido com o original. Castlevania: Nocturne não é uma exceção porque já foram reveladas várias mudanças em relação ao jogo. Três delas me pareceram ser o foco principal das reações mais negativas. A primeira foi a inclusão do Olrox com uma história de fundo onde ele matou a mãe do Richter. Depois teve adição da Revolução Francesa na história, mas não pelo contexto e sim pelo fato da Maria Renard ser uma das líderes do movimento. Por último, a revelação que a antagonista da série será uma rainha vampira chamada Erzsebet Báthory.
O que eu acho de fãs vocês já sabem, mas hoje não quero atacar ninguém. Acho que podemos usar Castlevania: Nocturne como exemplo para uma discussão sobre as mudanças necessárias para contar histórias em outras mídias. Pois acho que fã em geral ainda tem uma péssima, e insegura, forma de lidar com essas adaptações. No caso de Castlevania eu até vi tentarem argumentar que tudo bem fazer alterações por conta da mídia, só que isso não significa que você pode sair mudando tudo.
Entendo de onde sai esse argumento, mas pra esse caso está errado. E digo isso pela coisa mais próxima de uma hot take que darei nesse texto. Rondo of Blood no seu estado original seria uma bosta de fazer em qualquer outra mídia que não fosse vídeo game. Por que é o seguinte, as histórias dos jogos do período Classicvania só funcionam por um motivo bem específico: são jogos de plataforma. A ênfase aqui está em coisas como level design, jogabilidade, chefões, etc; e não na narrativa. Rondo of Blood não tem nada de especial no seu roteiro. Mais uma vez o Drácula voltou e mais um vez um Belmont tem que ir lá amaciar ele na chicotada. Se a gente vai passar isso pra outra mídia, muita coisa terá que ser mudada. Ou melhor, muita coisa tem que ser adicionada!
Obviamente que se o projeto estivesse nas mãos de um Genndy Tartakovsky que consegue criar episódios inteiros sem diálogo, que focam na ação e mesmo assim conseguem entregar outras emoções genuínas tantas mudanças não seriam necessárias. Assistam o primeiro episódio de Primal para saber do que eu tô falando. Mas esse não é o caso para Castlevania. O Clive Bradley tem uma visão muito diferente das histórias que ele quer contar e isso vai influenciar as adaptações que ele fará em Castlevania: Nocturne.
O grande problema é que muito fã já tem uma perspectiva muito negativa a respeito de mudanças. E como eu já mencionei, o histórico da Netflix não ajuda. Poderíamos falar aqui daquilo que foi o live action de Cowboy Bebop, mas como assunto é vídeo game temos um exemplo melhor: a tenebrosa série de Resident Evil.
Sim, aquela foi uma das piores adaptações que a franquia poderia receber. Só que o fato da série ter se afastado bastante dos jogos está longe de ser um dos seus principais defeitos como eu vi alguns fãs achando. Uma adaptação não precisa necessariamente replicar o roteiro de um dos jogos para ser boa. Ela pode apenas pegar elementos que sejam úteis para a história quer quer contar e se posicionar como mais uma narrativa dentro desse universo.
O problema da série da Netflix não foi ser diferente dos jogos, o problema dela é ser ruim. Os elementos que ela incluiu na história não beneficiaram a narrativa, são várias escolhas que não funcionaram direito, o roteiro é ruinzinho e a série como um todo que é mal produzida. O que já era de se esperar, afinal é mais uma produção da Constantin Film que há décadas já mostrou que seu único interesse é usar e abusar de uma marca famosa de qualquer jeito.
Para fechar o tópico queria dizer que mudanças não nem inerentemente negativas e nem positivas. Tudo depende da execução dos elementos que adicionam na adaptação. Assim retornamos para o Castlevania: Nocturne e as três principais mudanças que farão em relação ao jogo original. Se elas vão funcionar ou não a gente só vai saber quando a série for lançada, mas a principio não há nada fundamentalmente ruim no que foi anunciado. Por isso gostaria de comentar cada uma das mudanças que destaquei para explicar porque elas são necessárias, ou pelo menos não deveriam causar nenhuma desaprovação imediata.
A HISTÓRIA DE FUNDO DE OLROX
A parte do Olrox eu julgo a mais fácil de se comentar porque pra mim ela é a mudança mais inofensiva que fizeram. E ao mesmo tempo possivelmente terá um enorme impacto para o arco do protagonista.
Na sua versão original, o Olrox é um dos chefões que encontramos Castlevania: Symphony of the Night. Ou melhor, só mais um chefão entre os vários do jogo. Com isso eu estou querendo dizer é que o Olrox do jogo não tem qualquer relevância para história. Você poderia substituir ou até mesmo removê-lo por completo que Symphony of the Night continua a mesma coisa. O personagem só vai ganhar algum destaque no livro Akumajō Dracula: Kabuchi no Tsuisoukyoku que duvido muito que os autoproclamados fãs de Castlevania leram.
Um bom aspecto de vídeo games é que a mídia permite esse tipo de liberdade. Um personagem pode servir apenas como um desafio e não precisa ser um “personagem” de fato. No sentido que não precisa dar um propósito e nem um histórico maior para ele dentro da trama. Você pode limitá-lo a apenas ser um chefão legal do ponto de vista de estética e mecânicas. Em outras mídias isso até acontece também com o personagem sendo popular muito mais pela sua estética do que um desenvolvimento mais profundo *cof* *cof* Boba Fett *cof* *cof*.
Mas não machuca ter um pouco mais de texto para o personagem, né? E é isso que eu vejo que eles pretendem fazer com o Olrox.
Considerando que eles esticaram (desnecessariamente) a última série para quatro temporadas, não seria errado supor que eles pretendem fazer o mesmo com Castlevania: Nocturne. E aqui existe uma vantagem já que os eventos de Rondo of Blood continuam em Symphony of the Night, dando mais liberdade para criar novas temporadas. Portanto, trazer um personagem do segundo jogo para cá já é uma forma de conectar essas duas histórias. E mais do que isso, a história de fundo que colocaram nessa versão age em benefício do protagonista.
Ao que tudo indica, o Olrox que será o agente responsável por um dos, senão o arco principal do Richter. Está bem claro que ver sua mãe ser morta por um vampiro na sua frente vai traumatizar o personagem, sendo um motor para a história pessoal dele na trama. Vale notar também que o teaser indica que a mãe do Belmont matou alguém que era muito importante para o Olrox. Ou seja, tem potencial de criar um espelho narrativo entre os dois personagens que deixe essa trama para ambos muito mais interessante do que apenas uma luta contra um chefão.
CASTLEVANIA E… A REVOLUÇÃO FRANCESA?
Antes de falar da Maria precisamos fazer um desvio rápido para falar da ambientação. Afinal foi revelado que Nocturne se passará durante o período da Revolução Francesa. Isso não é nenhuma forçação de barra porque Rondo of Blood se passa em 1792 quando as revoltas já estavam ocorrendo na França. A questão é que por se tratar de outro país, a história do jogo não tem a menor relação com os eventos que ocorriam naquela época. Por outro lado, a série escolheu aproveitar esse cenário. E devo dizer que é o aspecto mais interessante do teaser.
O contexto de uma história influencia e muito no interesse das pessoas nela. Um exército de vampiros querendo iniciar uma guerra contra a humanidade tem seu apelo. Mas um exército de vampiros querendo iniciar uma guerra contra a humanidade DURANTE a Revolução Francesa traz um charme a mais.
E isso não é nem uma novidade tanto para os jogos quanto para esse formato de série. Afinal se formos lembrar, a anterior não inicia com os personagens no castelo do Drácula. Leva um tempo – e alguns diriam corretamente que tempo demais – até eles chegarem lá. E em relação a usar o contexto político de uma época em benefício da trama do jogo, é exatamente o que Castlevania: Bloodlines faz. Nesse jogo a sobrinha do Drácula, Elizabeth Bartley – nome familiar, não? – aproveita o caos em que a Europa vive por conta da Primeira Guerra Mundial para conseguir almas humanas para o um ritual para ressuscitar o Drácula novamente. Um novo contexto vai beneficiar bastante a série, mas voltamos nisso no último tópico.
MARIA, A REVOLUCIONÁRIA
Castlevania: Nocturne se passar na Revolução Francesa nem gerou as tais reações negativas que eu pincei. Mas o fato da Maria ser uma das cabeças do movimento revolucionário pelo visto sim.
Em Rondo of Blood, a Maria é uma personagem jogável que você pode habilitar na segunda fase. Pra isso você precisa pegar uma chave escondida num dos candelabros e abrir a sala onde ela é mantida presa. No lore de Castlevania, Maria tinha 12 anos mais ou menos na época dos eventos de Rondo of Blood, sendo uma parente distante dos Richter. No jogo ela possui diversas habilidades mágicas e ela tem um design que faz uma óbvia referência ao estilo das magical girls.
Já na série, ao que tudo indica nós teremos uma Maria mais velha e com um papel de influência ainda maior na trama já que ela está será uma importante figura dentro da Revolução Francesa. E por alguma razão as pessoas acham ruim. Obviamente existe uma descaracterização da personagem original, mas uma garotinha de 12 anos aos moldes de uma magical girl não combinaria com o tom da série. Ainda mais que com eles mirando no público ocidental mais generalizado.
Acho muita tempestade em copo d’água por um detalhe tão trivial. Cheguei ao ponto de ver uma pessoa tentar argumentar que era muito importante para a personagem da Maria a “evolução” que ela passa de um jogo para o outro. O que eu só posso fazer é rir se é que a pessoa realmente acha que envelhecer a personagem quatro anos é sinônimo de evolução. E honestamente, tem que ser bem generoso para dizer que a Maria era um personagem em Rondo of Blood quando você pode passar o jogo todo sem nem saber da existência dela. Se não fosse o seu retorno em Symphony of the Night, onde ali conseguiram dar um pouco mais de substância para a Maria, duvido muito que ela seria muito lembrada.
E em relação a esse background dela como uma das líderes da Revolução Francesa também faz todo sentido. Se a série pretendo usar esse evento na sua ambientação, nada mais do que lógico do que associar um dos personagens ao movimento. O Richter já tem seu holofote. Ele é o herdeiro dos Belmonts, ele quem será destinado a derrotar o grande vilão. Grande vilã, na verdade. Ele não precisa de mais coisas. A Maria sim, caso contrário seria mais uma ajudante mágica do protagonista.
Novamente, isso não é um jogo de plataforma onde você pode apenas ter um segundo personagem jogável que se pauta apenas em estética. Tem que ter um pouco mais de texto!
ERZSEBET BARTLEY BÁTHORY
Chega enfim a última choradeira parte das reações: a vilã da série, Erzsebet Báthory. Segundo as informações divulgadas e o que o teaser indica, Erzebet é a rainha dos vampiros que tentará se aproveitar do caos político da França para iniciar seus planos de dominação do mundo. E qual o problema disso? Não é o Drácula!
De novo, o mesmo cara ficar voltando dezenas de vezes para ser o vilão final da história é algo que dá pra fazer funcionar nos jogos. E Castlevania fazia isso há décadas antes da Konami ser mais eficiente que os Belmonts em impedir que o Drácula voltasse. Mas eventualmente isso cansa. O Drácula já foi explorando em incontáveis jogos de Castlevania, tivemos quatro temporadas com ele sendo o antagonista. Pelo amor de Deus, gente. Vamos fazer algo diferente! Não existe motivo pra querer repetir essa narrativa mais uma vez. Ou pelo menos fingir que não se vai repetir.
Digo isso porque eu não duvidaria que o retorno do Drácula seja usado como um cliffhanger ao final da temporada, indicando que esse era o plano da Erzsebet desde o início. Se eles alongaram Draculas’s Curse para 4 temporadas, nada impede de tentarem fazer isso com Nocturne onde eles também podem utilizar os eventos de Symphony of the Night. Por isso que eu mencionei a conexão do Olrox lá trás.
Isso até explicaria também a decisão de colocar uma Maria mais velha na história já que assim você não precisaria criar um time skip de quatro anos. Apostaria com tranquilidade que a ideia de Nocturne é usar alguns aspectos de Rondo of Blood como um prelúdio para emplacar nas temporadas seguintes a história do Symphony.
Então gastar energia porque não botaram o Drácula dessa vez é mais uma reclamação besta. Deixa a série tentar fazer ao menos uma coisa diferente dos jogos. E se bobear no final o cara vai estar aí de novo pra apanhar de mais um Belmont.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Enfim, depois de toda essa discussão eu quero reforçar que você não precisa encarar essas como positivas. Ao mesmo tempo, elas também não devem ser vistas como negativas apenas porque está diferente do jogo. Se for bem executado, podemos ter uma história muito mais instigante do que o jogo. O que não é difícil já que a história não é forte de Rondo of Blood. É um jogo focado na gameplay, não tem como traduzir isso para o formato de série sem adicionar mais coisas. Não tem nada narrativamente relevante nele.
Então, te acalma, fã de Castlevania! Esse preciosismo bobo com a fidelidade aos jogos originais é o que deixa adaptações rasas que apelam para diversas referências vazias que não contribuem em nada para a atual versão da história. Deixa tomarem algum risco. Não existe nenhuma garantia que essas mudanças serão positivas para a animação, mas de qualquer forma são necessárias para termos alguma coisa mais interessante do que apenas um Belmont lutando contra vampiros. De novo!
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