Se vivêssemos numa época normal eu começaria a introdução desse texto resp… não, espera! Se a gente vivesse numa época normal eu não estaria falando dessa história pra início de conversa. Mas de qualquer forma, cá estamos. Então, retomando o assunto, normalmente eu iniciaria esse texto respondendo questões como:

  • Quem é Raluca?
  • Quem é Jean L?
  • Qualé dessa treta aí?
  • E que o Diggo tem a ver com isso?
  • Tio Gin? Putones? Stott? Yanni?
  • Quem são essas pessoas, caralho?
  • Bicho, cê não devia estar trabalhando? <- sim, deveria!

Mas eu não preciso responder a nenhuma dessas perguntas porque, se você clicou nesse texto, provavelmente já sabe quem são todos esses personagens. E você não é o único já que praticamente a internet brasileira inteira conhece essa história. Seja você um criador de conteúdo ou um mero consumidor. E se você está no primeiro grupo, é seguro assumir que já fez um vídeo, um comentário ou um texto – momento autoconsciência um – sobre o caso Raluca.

Isso vai desde os “urubus de treta” da ainda existente comunidade de opinião até a galera mais inclinada ao formato de vídeo-ensaio como o Philipe Peters. Ele fez uma análise boa sobre o caso, recomendo o vídeo. E horas antes de eu começar a escrever, o Rogério Vilela fez um episódio no Inteligência Ltda com o elenco de apoio desse animê. Até minha mãe sabe quem é o Raluca, mas ainda bem que eu tenho o bom senso de não passar o contato dela.

Essa talvez seja a pauta mais discutida desses últimos tempos. Ok, posso estar exagerando um pouco. Mas com certeza essa é uma história que foi bem longe, furando várias bolhas de diferentes comunidades da internet brasileira. Já se passou mais de um mês, estamos indo pro segundo se não me engano, desde o início da polêmica e ainda sai vídeo a rodo sobre o caso. E que rende visualização!

Agora eu estou aqui para comentar sobre essa pauta batida também – momento autoconsciência dois – porém não do jeito que a maioria está cobrindo o caso. Até porque não é essa treta de youtubers que me interessa de verdade, só estou usando-a como um trampolim para chegar num tópico mais abrangente.

Também não me interessa ficar julgando quem é o errado e o certo nessa história, afinal já tem material suficiente aí na internet para vocês formarem sua própria opinião. Fora que o discurso já foi muito poluído por gente oportunista e de má-índole que está aproveitando como a opinião pública está quase que totalmente contra o Raluca para destilar preconceitos e cair nas graças do povo por “estar do lado certo”. Então apesar de todas as merdas que esse garoto fez, expondo e manipulando conversas, eu também não quero ficar próximo dos detratores porque tem muito canalha nessa história.

Portanto, meu objetivo hoje é falar sobre um dos maiores setores da indústrias do entretenimento e um fenômeno cibernético do mundo das redes sociais: o mercado do exposed.

A DEMANDA DO ÓDIO NAS REDES SOCIAIS

O vídeo do Diggo sobre o caso Raluca foi um dos principais fatores para a história explodir tanto
Por mais que ele não seja responsável pela polêmica, o vídeo do Diggo sobre o caso do Raluca foi um importante catalisador para fazer essa história alcançar mais pessoas

Tá aí outra coisa que eu não preciso explicar. Qualquer um que passou um bom tempo nas redes sociais já foi… exposto ao exposed. Mas para fins de discussão, eu vou usar como definição uma que vi num artigo de 2020 do jornal O Globo: a revelação de um fato criminoso ou questionável de seu respectivo autor, em plataformas como Twitter e Instagram.

Como conceito a gente sabe que o exposed não é nenhuma novidade na história da humanidade. Contudo ele antes tinha um ar maior de seriedade. Seis anos atrás, por exemplo, tivemos o movimento MeToo, que iniciou com uma série de relatos sobre abuso sexual em Hollywood que levou a condenação do ex-produtor de filmes Harvey Weinstein. No jornalismo também temos uma forma de exposed. Todavia, a diferença é que aqui temos um processo investigativo metódico feito por profissionais com ampla experiência. Foi o caso do João de Deus, denunciado no programa Conversas com Bial depois de 3 meses de investigação.

Mas os exposeds que estamos habituados a ver na internet são bem mais, como podemos dizer, amadores. Mais amadores, mais frequentes e, com toda certeza, mais sensacionalistas. No Twitter houve uma época em que toda semana tinha alguém, em algum lugar, de alguma comunidade, sendo exposto numa thread. Sempre com prints de várias conversas no qual a pessoa sendo exposta demonstrava algum comportamento ou falas problemáticas.

E não se enganem, o exposed é universal! Só para ilustrar, eu estou inserido numa pequena bolha gamer que tangencia outras pequenas bolhas lá no Twitter. No meu primeiro ano ali eu acompanhei de longe um exposed de um dos membros de uma dessas bolhas tangentes. Não vou entrar em detalhes, até mesmo porque não me lembro ao certo do que aconteceu, mas o importante é que esse tipo de exposed acontece em quaisquer comunidades independente do tamanho delas.

Então não é nem uma questão de quem e nem de onde, é questão de quando. O exposed é mais inexorável que o destino. Referência à Crônicas de Artur efetuada com sucesso!

Quando você passa muito tempo, um tempo nada saudável – momento autoconsciência três – nessas redes sociais você começa a perceber porque esses exposeds são tão frequentes. Na minha visão é pelo simples fato que existe uma enorme demanda por ódio na internet. Que redes sociais ajudam a fomentar, aliás. Todo dia as pessoas querem um alvo no qual possam descontar sua raiva. Elas nem precisam nutrir um ódio real pela pessoa exposta, só precisam de algo que sirva como receptáculo. No Twitter mesmo tem o conceito de “vilão do dia” pois constantemente alguém viraliza falando alguma besteira e se torna alvo de milhares de comentários rechaçando qualquer coisa que ela tenha dito ou feito de errado.

Ou então que apenas soe remotamente errado. Só o bastante para as pessoas conseguirem elaborar uma justificativa dentro das suas cabeças para atacá-las.

Noto que por vezes a tal barbaridade que a pessoa falou nem é tão absurda assim. Ou no mínimo não é proporcional a todo ódio que ela recebe. E isso acontece, acho eu, porque as pessoas geram mais ódio do que o mundo consegue produzir de vilões. Vilões reais. Assim os exposeds vem como uma forma de atender essa demanda do público que precisa por pra fora toda a raiva que carregam consigo. Independente de quão graves ou não são as ações de quem foi exposto.

Mas no caso do Raluca ainda tem algo de especial. Porque ele é umas das pessoas que perceberam no exposed uma fonte que atende a outra demanda alta da internet. Ele, assim como os muitos outros youtubers que estão falando dessa história, perceberam, consciente ou inconscientemente, o valor de entretenimento que exposeds produzem.

RALUCA E O EXPOSED COMO FORMATO DE CONTEÚDO

Vídeo em que Raluca seduz mãe de um fã só para trollar ele
Um dos poucos vídeos ainda ativos no canal principal do Raluca é o caso polêmico em
que ele seduz a mãe de um dos fãs dele apenas para “trollar” o garoto

Homem, mulher, jovem, velho, branco, negro, hétero, homo, bi, pan, assexual, cis, trans, rico, pobre, etc. Não importante quem. Se tem algo que nos une como humanidade é que todo mundo gosta de fofoca! A única diferença é que alguns não admitem que gostam. Assim como os artistas e outros famosos mais tradicionais possibilitarem o nascimento de um lucrativo mercado de revistas e programas de fofocas, hoje os ditos digital influencers também possuem seus fofoqueiros de plantão.

Nesse cenário, exposeds são uma mina de ouro para muitos desses canais que sobrevivem basicamente de comentar polêmicas. E não falo apenas de um Treta News da vida. É só olhar para a comunidade dos “canais de opinião”. Convenhamos, eles nada mais são do que canais de fofoca para jovem que se acha muito descolado para ver um canal de fofoca explícito. Só que o exposed não é apenas um evento esporádico que todo mundo pode fazer vídeo sobre sempre que um novo surge. Hoje ele é um formato de conteúdo!

O Raluca é um desses expoentes. Desde antes de toda esse treta com o Jean L, ele mantinha um canal onde constantemente expunha conversas estranhas ou problemáticas, às vezes apenas uma simples trollagem, sobretudo do Discord. Mas antes dele havia muitas outras pessoas fazendo vídeos caçando pedófilos pelos servidores dessa plataforma, ou então expondo gente preconceituosa ou assediadora. Por se tratar de pessoas que vão desde criminosos até gente mau-caráter, ninguém do público se questionava sobre essa forma de “justiçamento digital”. Os casos mais graves são vistos como uma denúncia válida e os casos mais brandos apenas como uma pegadinha.

Mas a impressão que eu fico em muito desses vídeos, inclusive os que tratam dos casos realmente sérios, é que a principal intenção não é denunciar os assediadores, preconceituosos e outros criminosos. O que parece mover esses canais é o entretenimento que esse tipo de vídeo produz. E no caso da Raluca ficou muito evidente que se resumia a isso.

Os exposeds fomentam um mercado que vai muito além do canal e do público dele. Olhando para o atual ambiente tanto do YouTube quanto da Twitch, nota-se que eles se tornaram locais com uma enorme quantidade de conteúdo de react. Pensem aí sobre quantos youtubers e streamers existem cujos canais giram em torno de reagir a memes, subreddits, vídeos engraçados, cortes de podcasts, vídeos-ensaio, etc. E os exposeds não ficam fora dessa lista também. Inclusive são um dos itens mais visados.

Sempre que ocorre uma polêmica você não tem apenas os canais que vivem de fazer conteúdo em cima disso postando vídeos. Há também canais que vivem de reagir aos vídeos de quem faz conteúdo em cima disso.

E aí que toda essa história do Raluca se mostrou a maior galinha dos ovos de ouro dos últimos meses para o YouTube. Não sei necessariamente como está na Twitch já que não frequento a plataforma. Mas julgando pelos cortes de lives que encontrei dá pra ver que o caso também repercutiu bastante por lá. Se você digitar Raluca agora na aba do YouTube você não verá dezenas, mas sim centenas de vídeos sobre o caso. Eu testei agora e contei uns vinte youtubers diferentes, entre pequenos, grandes e completos desconhecidos, que tem pelo menos um vídeo sobre a treta quando não toda uma playlist.

Streamer Mount que tem horas de conteúdo reagindo a vídeos relacionados ao caso Raluca
Pagou o aluguel do resto do ano

Ontem eu caí no canal de lives de um rapaz chamado Mount. Dos 25 vídeos que ele postou nas duas últimas semanas, 20 deles eram reagindo ao conteúdo do próprio Raluca ou a alguém falando do caso. Em um monte de canais você nota que falar desse história gera um número significativamente maior de visualizações do que o restante do seu conteúdo. O famigerado “Putz, Raluca” do Diggo (atualmente o vídeo está privado) já é o vídeo mais assistido do canal dele, superando em quase 3 milhões de visualizações o seu segundo mais assistido.

Pelo amor de Deus, até na CNN o caso do Raluca conseguiu aparecer!

Está todo mundo falando sobre essa história, seja por tweet, vídeo ou texto de um blog que deveria ser sobre joguinho – momento autoconsciência quatro – porque dá resultado. Repercute. Engaja. Por isso eu e mais outras pessoas repetem a piada de como toda essa polêmica tem sustentado os youtubers pelo último mês e a economia do Brasil também.

Admito que no meio dessa galera tem meia dúzia que estão falando do caso com as melhores intenções. Até mesmo porque existem tópicos importantes a serem discutidos nessa situação. Como: essa cultura de expor conversas privadas, a manipulação das mesmas para fins de entretenimento ou ganho social, a dificuldade da internet discutir qualquer coisa com o mínimo de nuance, entre outros. Há também uma discussão pertinente sobre a transfobia, por vezes descarada, que muitos seres dignos de um retão na cara aproveitaram para promover entre essa confusão toda.

Mas no fim, tudo não passa do entretenimento do mês e que logo se extinguirá quando aparecer o novo candidato a Judas para a malhação de internet. Ao que nos leva ao último ponto.

RALUCA É APENAS A BOLA DA VEZ

O vídeo resposta do Raluca ao Diggo foi uma das coisas mais constrangedoras da internet brasileira
Um dos momentos mais constrangedores da história da internet brasileira

Para alguns pode ser bizarro que essa treta entre o Raluca e o Jean L rendeu tanto. Eu não acho tão estranho assim quando você olha o quadro geral.

A sobrevida que esse caso alcançou está muito relacionada a ordem dos eventos e o fato de ter furado tantas bolhas. O Raluca também não se ajuda, toda semana dando mais pano para manga ao comprar briga com uma pessoa diferente. E agora fica nessa de ser uma versão ainda mais vergonha alheia do Kira num canal secundário (outro vídeo que foi privado), deixando a situação tão ridícula que até a Lei de Godwin foi confirmada novamente.

Mas concordo com aqueles que dizem que as reações a essa história já estão desproporcionais há muito tempo. E nesse cenário pelo menos uma coisa é certa: tudo isso vai passar eventualmente. Até mesmo o Raluca já jogou a toalha, embora não reconheça. Ele está cheio de bravata e com poucas provas, tudo para conseguir ordenhar o máximo possível dessa treta porque a carreira dele como youtuber já era. Ninguém vai ser doido de participar de uma conversa com ele depois de tudo que aconteceu. Então o Raluca terá que reformular todo o seu conteúdo. Não tem como saber se ele vai conseguir ter uma segunda vida nesse moedor de carne que é o YouTube. Provavelmente vai apenas cair na irrelevância tal como outros youtubers que vieram antes dele.

Além disso, a qualquer momento chegará a próxima galinha dos ovos de ouro.

Afinal é assim que funciona o mercado do exposed. Os canais de opinião e youtubers/streamers de react vão precisar de sangue novo porque polêmica é boa, porém polêmica repetida cansa. Tem que renovar os personagens de tempos em tempos. Dois meses atrás, a fonte de renda dessa galera era a MC Pipokinha que ficava nos assuntos mais comentados do Twitter todo dia. E antes dela tínhamos o Monark para ser o para-raios de toda revolta nas redes sociais. Houve um tempo também que não se parava de falar do HulkBR, este um dos oportunistas que está tentando usar o caso do Raluca para voltar a ter espaço no YouTube. E quem não lembra dos exposeds do Sheol Group, que incentivou bastante dessa cultura e desse mercado até que morreram pela própria espada?

O que mais teve nessa internet foi gente sendo exposta, gerando o entretenimento da semana ou do mês e depois sendo substituída pelo próximo da fila. Então, logo Raluca vai ser apenas mais um entre esses tantos episódios que vamos lembrar vagamente no futuro já que seu valor de entretenimento no mercado do exposed está decaindo dia após dia.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Para, Raluca! Tá feião já
Pare pelo amor de Deus, garoto!

Eu poderia terminar aqui com aquela frase de “parem de fazer pessoas estúpidas famosas”. Entretanto meu pedantismo ainda não chegou nesse nível e não consigo esconder que eu adoro bater palmas pra maluco dançar.

O que posso fazer aqui é apenas reconhecer como a cultura do exposed virou uma constante nas nossas vidas. E infelizmente todo somos agentes desse mercado. Todo mundo lucra de alguma forma com essa cultura e não falo apenas de dinheiro. Pode ser também pelo orgulho momentâneo em se sentir melhor do que as pessoas dessa história. Ou então pela diversão em assistir uma polêmica na qual você não está envolvido. Ou até mesmo pelo puro sadismo de ver alguém se fodendo.

Eu mesmo estou me beneficiando com essa história. Acho que esse é momento autoconsciência cinco, certo? Ainda que eu não vá ganhar dinheiro, só o fato de usar Raluca no texto vai fazer meu blog aparecer para pelo menos uma dúzia de pessoas que digitarem no Google alguns dos termos que utilizei aqui. E eu não me orgulho nem um pouco disso. Na verdade sinto até vergonha por ter a consciência de estar sendo parte desse mercado, porém não ter força de vontade suficiente para resistir a tentação de falar dessa história.

Enfim, vamos aguardar o próximo vacilão moscar nos discords da vida. A internet já está com fome de novo!

Ah, saiu o “Putz Raluca 2“, a série foi renovada pra mais uma temporada.

EDIT 20/01/2024: oito meses depois e adivinha qual voltou a ser o texto com melhor desempenho nos sites de busca do blog? E vocês insistem em dizer que “não aguentam mais ouvir falar do Raluca”, né? O Google Analytics não mente!


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2 thoughts on “O caso Raluca e o insaciável mercado do exposed”
  1. Oi.

    Não conhecia o Raluca. Ouvi uns dias atrás, numa live da Twich, alguém comentando algo tipo “…ninguém mais passa uma vergonha dessa desde o caso do Raluca”. Bateu a curiosidade e teu texto foi o mais completo que encontrei sobre o caso – especialmente pra mim, que não conhecia o caso.

    Grato.

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